Supervisão clínica

“A tarefa do supervisor consiste em modificar, pela interação com seu supervisionado, o comportamento deste em uma situação outra que a de supervisão. É, pois, idêntica à do terapeuta, que tenta mudar, pela interação com seu cliente, o comportamento deste fora da situação terapêutica. Os tipos de intervenções e a dinâmica dos dois processos são análogos. A aplicação dos achados da ciência do comportamento é, então, sustentada pelos mesmos motivos, tanto na supervisão comportamental quanto na terapia comportamental.
Vandenberghe, 1997

Buscando apoio para trabalharmos como terapeutas comprometidos com a filosofia e a aplicação da análise do comportamento, este texto resultou de um esforço para cobrir algumas reflexões sobre a supervisão por relato verbal de terapeutas que atendem individualmente na clínica comportamental.

Supervisão é treino para terapeutas, seja para quem está em formação ou para os que buscam aprimoramento. Com base em uma epistemologia, supervisores observam e intervém sobre os comportamentos do terapeuta que serão úteis para o seu trabalho psicoterapêutico. Tal treino deve envolver a aprendizagem da habilidade de discriminar comportamentos-alvo e o desenvolvimento de repertório interpessoal para que psicoterapeutas possam intervir nesses alvos (Follette & Callaghan, 1995). Isso é bastante compatível com o uso da melhor estratégia sistematizada no campo da análise do comportamento: a modelagem, aprendizagem sem erro em que o responder é modificado por reforçamento diferencial contingente a aproximações sucessivas da classe de respostas objetivada (Callaghan, 2006).

Mas, afinal, como se dá essa relação supervisor – quem ensina, modela – e supervisionando, alguém que pede ajuda?

Hierarquia ou horizontalidade?

É necessário que os supervisores tenham autoridade no saber fazer para ajudar seus supervisionandos, já que serão sua experiência e expertise que guiarão o psicoterapeuta na interação com o seu cliente. No entanto, a diferença entre quem oferece e quem recebe ajuda não deve implicar em uma relação de poder. Até mesmo porque, ainda que o supervisor conheça mais sobre determinados temas, o supervisionando sempre estará mais apto a saber sobre o cliente com quem mantém contato; o que ele tem de treinar é a habilidade de relatar sobre o seus casos e discriminar ao que responder em suas sessões (Zamignani, 2000). São justamente essas duas classes de respostas que precisam ser trabalhadas em supervisão: o tatear precisamente e o responder contingente. O papel do supervisor opera facilitando essa aquisição. Como?

… Instruindo e modelando.

Ou melhor: instruindo e modelando, modelando, modelando. Isso porque na modelagem o supervisor segue um princípio básico da análise do comportamento: a seleção operante. Modificar o comportamento sucessivamente até que ele adquira os parâmetros adequados a determinados contextos é o alvo de supervisores; e, ora ora… não é estranho que também seja o objetivo de todo psicoterapeuta: está aí a similaridade funcional entre o contexto de supervisão e o da psicoterapia.

Instruir é útil porque é a parte técnica, baseada no conhecimento do supervisor, e que orienta a intervenção terapêutica. Sem a teoria, a prática se tornaria acidental, atuando de maneira imprevisível. Não obstante, existe um ponto fraco no uso sistemático dessa abordagem: gerar controle excessivo pelas regras do supervisor, sobreposto às contingências que o supervisionando experimentará com o seu cliente em sessão (Callaghan, 2006). Isso enrijece sua atuação como psicoterapeuta em vez de ajudar na interação com o cliente – principal ambiente da psicoterapia.

Modelar é imprescindível porque produz mudanças e aprimora os repertórios adquiridos. Analisar que um cliente se esquiva da estimulação aversiva apresentada pelo terapeuta que indaga sobre seu relacionamento conjugal falando detalhadamente sobre as relações do trabalho direciona intervenções possíveis, como voltar ao ponto evitado na conversa e/ou mencionar que esse ponto parece estar sendo contornado pelo cliente. Intervir modelando é suficiente por si só, mas pode ser vantajosamente acelerado pela descrição funcional do que está sendo realizado, uma vez que economiza as exposições sucessivas que garantem a aprendizagem.

Nesse sentido, tanto como psicoterapeutas como supervisores, nos beneficiamos quando combinamos as duas abordagens: fornecer explicações objetivas para o comportamento e modificar sistematicamente o repertório dos nossos clientes. Vamos a um exemplo prático? 

Imagine que recebemos o psicoterapeuta do cliente que se esquiva de falar sobre seu casamento para uma sessão de supervisão. Ele chega frustrado, afinal tudo que vem fazendo não parece mobilizar mudança nem no cliente, nem nas próprias sessões, já que toda semana o cliente volta a se queixar repetidamente das mesmas questões. Voltamo-nos ao nosso supervisionando: como ele, psicoterapeuta, tem reagido na interação com o cliente? Ele entra no assunto do trabalho atribuindo maior importância a esses relacionamentos e traz essas questões como centrais na supervisão? Temos aí uma oportunidade de fazer o que estamos dizendo: redirecionar a atenção para o assunto conjugal evocando relatos de como esse tema tem sido considerado e, principalmente, reforçando as indagações que o supervisionando passar a fazer sobre o assunto. Isso é modelar. A cereja do bolo é conduzir, então, a boa e velha descrição funcional sobre o comportamento de desviar do assunto, mostrando que a esquiva do cliente está acontecendo por meio de uma apurada análise de contingências que orientará intervenções consistentes.

Portanto, a supervisão é um contexto de ensino valioso na formação dos psicoterapeutas e terapeutas-supervisores devem se manter comprometidos com a sua atuação, buscando embasamento coerente entre teoria e prática. 

Beckert, M. (2002). Relação supervisor-supervisionando e a formação do terapeuta: contribuições da psicoterapia analítico-funcional. In H. J. Guilhardi, M. B. B. P. Madi, P. P. Queiroz, & M. C. Scoz (Orgs.), Sobre Comportamento e Cognição, vol. 9 (pp. 245-256). Santo André: ESETec.
Callaghan, G. M. (2006). Functional Analytic Psychotherapy and Supervision. International Journal of Behavioral Consultation and Therapy, 2(3), 416-431.
Follette, W. C. & Callaghan G. M. (1995). Do as I do not as I say: A behavior analytic approach supervision. Professional Psychology: Research and Practice, 26, 413-421.
Vandenberghe, L. (1997). Uma Abordagem Contextual da Supervisão Clínica. In: R.A. Banaco (Org). Sobre Comportamento e Cognição, vol.1 (pp. 332-340). Santo André: Arbytes.
Zamignani, D. R. (2000). O caso clínico e a pessoa do terapeuta. In R. R. Kerbauy (Org.), Sobre comportamento e cognição (Vol. 5, pp.234-243). Santo André: ESETec.

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Escrito por Francine Fernandes

Formada em Psicologia pela UFSCar e especialista em Clínica Analítico-Comportamental, atua como psicoterapeuta e supervisora clínica.

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