Sofrimento: o que é aparentemente óbvio também precisa ser dito

Sofrer é inevitável, algo absolutamente humano. A priori uma afirmação óbvia e clichê, mas que esconde em si inúmeras discussões importantes para psicólogos abrirem os seus horizontes e atentarem as suas práticas.

  1. Há um frequente apego por parte dos pacientes e de alguns profissionais a rótulos diagnósticos. Quase como se fosse imprescindível dar um nome que enquadre o sofrimento trazido pelo paciente a algo “de livro”, que possa ser catalogado, explicado e tratado de forma linear. O ponto aqui não é vilanizar os transtornos, mas sim ampliarmos o olhar para a presença de um sujeito, que sente, pensa, se comporta e tem um ambiente ao redor que influencia e é influenciado por essa tríade. Ou seja, “os rótulos com frequência mascaram o papel significativo que o comportamento e o ambiente social desempenham na determinação da saúde física e mental das pessoas” (Hayes, Strosahl e Wilson, 2021, pág. 3).
  2. Ao focarmos tanto nos rótulos corremos um risco alto de patologizar as experiencias mais comuns e cotidianas, por meio do que pensamos e sentimos, afinal, elas passam a trazer em si algo que tem se tornado assustador atualmente: o sofrer. A partir da concepção que determinados pensamentos ou emoções precisam ir embora, o indivíduo entende que esse é o seu problema e que ele precisa de um jeito para resolver isso.
  3. Se tem um elo que une nossos pacientes é o desejo de minimizar ou mesmo extirpar o sofrimento de suas vidas. E é justamente aqui, nessa luta a qualquer custo, que está a base da Terapia de Aceitação e Compromisso. Afinal, “a essência da abordagem da ACT está baseada na ideia de que a linguagem humana dá origem tanto às realizações humanas quanto ao sofrimento humano” (Hayes, Strosahl e Wilson, 2021, pág. 12).
  4. A luta mais recorrentemente vista nos consultórios envolve a capacidade humana de lembrar, inferir ou recombinar dados, de forma que histórias do passado ou previsões acerca do futuro se tornem algo tão concreto e possível, que o sujeito passa a reagir como se tal evento aversivo estivesse realmente presente. Assim, ele passa a se ver na necessidade de uma solução imediata para retirar tal convidado inconveniente.
  5. O ponto final, que conecta toda essa construção é: na luta infinita por romper com aquilo que há de mais inerentemente humano (o sofrer), os pacientes passam a progressivamente priorizar uma vida em que “não haja” sofrimento, ao invés de uma vida que efetivamente lhes seja significativa.

Temos visto socialmente uma disseminação de um modelo de felicidade, em que sua presença passa a ser cada vez mais desejada, e o seu polo oposto (o sofrimento), algo cada vez mais indesejado. O que as pesquisas e a própria prática clínica apontam cada vez mais é a importância de tomarmos consciência acerca da inevitabilidade do sofrimento, ao mesmo tempo que possamos nos responsabilizar por nossas escolhas e práticas e olhar para a felicidade como sendo “um exercício, nunca uma meta; é uma prática, é uma decisão” (Cortella, Karnal & Pondé, 2019, pág. 134).

Referências Bibliográficas

  • Mário Sérgio Cortella, Leandro Karnal, Luiz Felipe Pondé (2019). Felicidade: Modos de usar. São Paulo: Planeta do Brasil
  • Steven C. Hayes, Kirk D. Strosahl, Kelly G. Wilson (2021). Terapia de aceitação e compromisso: o processo e a prática da mudança consciente. Porto Alegre: Artmed

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Escrito por Mariana Poubel

Graduada em Psicologia pela UFRJ (2012) e mestre em Saúde Mental pelo IPUB/UFRJ (2015). Fez curso de formação em Terapia Cognitivo Comportamental para adultos e infanto juvenil, curso de capacitação em análise do comportamento e formação em terapias contextuais.
Atua como terapeuta, supervisora e mentora.

Email para contato: marianapoubel@gmail.com

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