O Mindful Eating (Comer atento) na DBT dos Transtornos Alimentares

Nossos antepassados constantemente nos alertavam para os perigos da desatenção na hora de se alimentar, sempre nos orientando a largar qualquer tipo de afazer no momento em que estivéssemos comendo. Quem nunca escutou a expressão ‘’hora de comer é sagrada’’? Porém, no decorrer dos anos, acabamos nos desconectando com a postura de estar no momento presente, tornando o ato de comer em algo banal, sem importância ou significado. Não raro, utilizamos esse horário para tarefas cotidianas do nosso dia-a-dia, como se fosse um espaço vago em nossa agenda que pode ser preenchida por várias outras atividades. Observe quantas vezes você ouviu ou disse as seguintes frases: ‘’Faço na hora do almoço’’, ‘’Quando der tempo, eu como’’ ou a clássica citação dos dias corridos “Não parei nem para comer’’. Percebe? Não valorizamos esse momento, não paramos, não nos permitimos ter pausas e acabamos comendo em excesso ou restringindo a alimentação por falta de conexão com o nosso corpo.
Um convite para voltarmos a prestar atenção na hora que comemos é através do MindfulEating (comer com atenção plena), sendo ele, uma prática de treinamento da atenção que utiliza os mesmos princípios do mindfulness, porém, a consciência sensorial é direcionada para exercícios relacionadas à alimentação. Qual a importância desta prática? Melhorar sua relação com a comida, reconhecer os sinais de fome e saciedade, voltar a sentir o gosto dos alimentos, reduzir o comer excessivo, honrar os alimentos e se manter no momento presente, aproveitando cada refeição do seu dia. Vamos experimentar? Então, esse artigo será dividido em três partes, sendo a primeira destina ao reconhecimento das sensações corporais (fome, vontade de comer e saciedade), saturação dos alimentos e as práticas com a alimentação.
1. Parte: Reconhecer os sinais de fome, saciedade e vontade de comer é uma habilidade importante em nosso dia-a-dia, principalmente, quando temos muitas outras variáveis que interferem nesse reconhecimento, como: estresse, distrações, angustias e tédio.
Estou com fome? A fome é algo fisiológico, então precisamos escutar alguns sinais que passam despercebidos em nosso dia-a-dia. Feche seus olhos, respire de forma profunda e com ausência de julgamentos, coloque suas mãos sobre sua barriga. Leve seu foco de atenção para a sua barriga e observe se aparece algum sinal fisiológico de fome, como: sensação de vazio, ronquidão no estomago e/ou um leve enjoo. Se você reconhecer esses sinais em seu corpo, é uma possível evidência fisiológica de que você está com fome.
Estou com fome ou vontade de comer? Vamos perguntar a nós mesmos? Feche os seus olhos e pergunte para sua mente sábia – Será que eu estou com fome? Permita-se ouvir seu próprio corpo, tentando observar qualquer sinal fisiológico de fome, sem pressa ou agitação. Leve um tempo maior para se conectar com o caminho da resposta, pois apenas seu corpo poderá lhe fornecer. Caso, não apareça nenhuma sensação fisiológica de fome, possivelmente você está com vontade de comer. E tudo bem!
Como está minha fome? Apenas o seu corpo poderá te dar essa reposta, então, é necessário se conectar a ele. Feche os seus olhos, sente-se em uma posição confortável, respire de forma profunda e direcione seu foco de atenção para seu estomago. Agora, observe seus sinais de fome, sem julga-los, sem atribuir significado ou querer se esquivar da pratica. Apenas observe! Após observar, tente dar uma nota de 0 (ausência de fome) a 10 (muita fome) para sua fome física nesse momento. Após alguns minutos, abra seus olhos e, no decorrer de sua refeição perceba essa nota caindo de forma gradual. Tentando praticar sem pressa para que seu cérebro possa processar e avisar quando estiver satisfeito.
Estou saciado? Em geral, acreditamos que estamos saciados quando percebemos que o nosso prato está vazio, quando chegamos ao fim do pacote ou quando finalizamos o alimento, porém esse parâmetro é equivocado. Quando estamos fazendo nosso prato estamos conectados com a nossa ‘’fome dos olhos’’, que, muitas vezes, não tem relação com a nossa fome real, então, precisamos procurar esses parâmetros de forma interna e não externa.
2. Parte. Saturação dos alimentos – Todos os sabores dos alimentos tem uma saturação natural do organismo que faz com que tenhamos a sensação de nos sentirmos satisfeitos, sabia? O que ocorre, em muitos casos, é que comemos de forma desatenta e desesperada para obtermos um pouco mais daquele sabor inicial, porém, como não estamos conectados, acabamos não chegando na saturação e comendo de forma exagerada. Esse é um ponto muito importante nos transtornos alimentares. Os pacientes acreditam que se comerem um pedaço não conseguirão mais parar, ou ainda, a auto-regra de não poder comer é tão grande que ele se desconecta da sensação do gosto (esquiva experiencial) e acaba tendo uma compulsão alimentar. Experimente com os pacientes os alimentos ‘’ditos perigosos” que os deixam vulneráveis a terem uma compulsão alimentar. Vou contar o relato de uma paciente, que dizia: ‘’Fellipe, eu não posso comer bolacha recheada. Se eu comer um pedaço só consigo para apos comer 5 pacotes”.
Exercício:
Pedi para a paciente trazer os 5 pacotes de bolacha (ou biscoito, dependendo da região que mora, rs), abri o pacote, coloquei todas as unidades de uma bolacha no prato e de forma guiada pedi para a paciente fazer os seguintes passos:
Passo 1: Sente-se em uma posição confortável, apoiando seus pés no chão, mantendo a coluna ereta e os seus ombros para trás.
Passo 2: Inicie respirando de forma profunda, preferencialmente levando o ar do seu tórax para sua barriga, enchendo-a ao máximo em 3 segundos na inspiração e contraindo-a ao máximo em 6 segundos na expiração.
Passo 3: Nesse momento eu te faço um convite á pausa! Permita-se estar presente no momento de sua refeição, de forma intencional, com abertura á experiência e sem julgamentos.
Passo 4: Caso a sua mente te leve para um outro lugar, você irá trazê-la de forma muito gentil para o momento presente.
Passo 5: Agora que está conectada com o momento presente, tente ancorar sua atenção em um dos cinco sentidos (visão, olfato, tato, audição ou paladar) direcionados para a alimentação.
Passo 6: Abra os olhos, direcione sua atenção para o prato com as bolachas e observe os detalhes como se fosse a primeira vez que estivesse vendo as bolachas, com abertura e ausência de julgamentos.
Passo 7: Selecione uma das bolachas e a aproxime do nariz, percebendo o cheiro e observando as sensações físicas do comer (salivação, vontade de colocar na boca..), apenas observe, sem ter nenhuma ação imediata em relação a isso.
Passo 8: Colocar na língua – Deixe a bolacha repousar na língua, percebendo os diferentes tipos de texturas e observando a variedade de sabor que uma única bolacha consegue proporcionar.. Após mastigar, permita-se engolir e observe como o alimento, mesmo depois de não estar mais na boca, acaba tendo uma extensão do sabor. Caso, tenha vontade, coloque outra bolacha na boca e repita os passos de quando ela está na boca.
Passo 9: Observe quando estiver satisfeita, possivelmente está se aproximando da saturação natural do gosto.
Essa minha paciente, quando chegou na 6 unidade do pacote de bolacha ela estava sentindo se satisfeita e percebeu que ela poderia voltar a comer a os alimentos “ditos perigosos” aos poucos sem medo de ter um episódio de compulsão alimentar.
4. Práticas com a alimentação
Como o Mindful Eating é uma vertente do mindfulness, os cinco primeiros passos descritos no exercício anterior acabam sendo padrão, fazendo-se necessário para trazer o foco de atenção de forma atencional para o momento presente, antes de ancorar a atenção na alimentação. Os demais passos, ficam de acordo com a composição do alimento, sempre tentando explorar suas características individuais dele, através dos cinco sentidos (visão, olfato, tato, audição ou paladar).
Cuidados na utilização dessa prática:
Esse procedimento não deixa de ser uma forma de exposição aos alimentos, podendo ser bastante aversivo ou até mesmo aumentar a aversidade do alimento, caso o paciente tenha uma Anorexia Nervosa, fobia alimentar e Avoidant / Restrictive Food Intake Disorder (ARFID). Nesses casos, o mais recomendado é usar esse procedimento com pacientes que tenham comer emocional, comer compulsivo, bulimia nervosa e anorexia em remissão. O ideal é inicialmente fazer os exercícios acompanhado de um psicólogo especialista em transtornos alimentares, um terapeuta nutricional ou um instrutor de mindfulness.

Referências bibliográficas
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Wiser, S., & Telch, C. F. (1999). Dialectical behavior therapy for binge‐eating disorder. Journal of clinical psychology, 55(6), 755-768.
Bays, J. C. (2017). Mindful Eating: A Guide to Rediscovering a Healthy and Joyful Relationship with Food (Revised Edition). Shambhala Publications.
Cheung, L., & Hanh, T. N. (2010). Savor: Mindful eating, mindful life (p. 304). HarperOne.
Telch, C. F. (1997). Skills training treatment for adaptive affect regulation in a woman with binge‐eating disorder. International Journal of eating disorders, 22(1), 77-81.

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Escrito por Fellipe Augusto de Lima Souza

Psicólogo do Programa de Transtornos Alimentares do Instituto de Psiquiatria (AMBULIM/HC) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Formação em Terapia Comportamental Dialética (DBT) em andamento, pelo The Linehan Institute and Behavioral Tech, Washington - EUA. Treinamento em Terapia Comportamental Dialética (DBT) aplicado ao Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT), ministrado pelo PhD. Martin Bohus da Universidade de Heidelberg, Mannheim - Alemanha. Coordenador dos Grupos de Treino das Habilidades Sociais do AMBULIM IPq HC FMUSP e Enfermaria do Comportamento Alimentar - ECAL IPq HC FMUSP.

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