História da Análise do Comportamento no Brasil

A Análise do Comportamento teve como marco inicial no Brasil a vinda do Prof. Fred S. Keller, no ano de 1961. Keller foi colega de B. F. Skinner e, junto com ele, um dos primeiros teóricos behavioristas radicais (Matos, 1998). Foi também autor, junto com William N. Schoenfeld, de um dos clássicos da abordagem, o livro Princípios de Psicologia, nos anos 1950.

Prof. Keller

Em 1959, uma misteriosa aluna da USP chamada Mirtes Rodrigues do Prado (até hoje, ninguém sabe direito quem era ela), que havia sido aluna de Keller na Universidade de Columbia, gostou das aulas do professor e teve a ideia de convidá-lo para vir ao Brasil. Em 1961 o convite foi formalizado pelo Prof. Paulo Sawaya, diretor da FFCLH-USP (Matos, 1998). Entre os que o recepcionaram, estava a Prof. Carolina Bori, que veio a ser uma das mais importantes divulgadoras da AC no país num período posterior. Tudo quase que por acaso.

“Fred tinha um sabático para gozar no ano de 1961. Ele falou sobre isso com uma estudante e ela deu essa informação, no Brasil, para o reitor Paulo Sawaya. Para surpresa de Fred, ele recebeu um telegrama do reitor convidando-o para passar seu ano sabático na Universidade de São Paulo. Esse foi o começo das coisas que mudaram nossa vida para sempre” (Frances Keller, 2001).


Keller ficou durante um ano no país, onde ministrou duas disciplinas optativas, uma sobre História da Psicologia e outra sobre Psicologia Comparada e Animal. No segundo semestre daquele ano, teve lugar o curso de Psicologia Experimental propriamente dito. As aulas eram em inglês, e, além desta dificuldade ainda havia a falta de material didático, que foi improvisado por muito tempo – tanto quanto às caixas de condicionamento operante, importadas (e caras) junto a algumas inventadas pelo Prof. Rodolpho Azzi (que ficou como assistente de Keller), até a invenção de uma versão tupiniquim, por Mário Guidi; quanto os livros e textos usados no curso (Matos, 1998). Entre os alunos, Maria Inês Rocha e Silva, Dora Fix e Maria Amélia Matos; Rodolpho Azzi e Carolina Bori também acompanhavam as aulas. Na segunda geração da old gang, como eram chamados, vieram alunos como João Cláudio Todorov, Luiz Otávio Seixas de Queiroz e Marília Ancona Lopez, todos hoje famosos analistas do comportamento (Matos, 1998).
Skinner e Keller (imagem daqui)

Alguns deles seguiram para os EUA, onde obtiveram seus PhDs e voltaram para o Brasil. Em 1962, Carolina Bori foi chamada para implantar o curso de Psicologia na UnB, o que fez baseada no sistema de ensino criado por Keller (o método PSI) e adaptado por ela. Com a ditadura militar em 1965, e a demissão de professores por motivos políticos na UnB, os analistas do comportamento se espalharam pelo Brasil e o método de ensino de Bori, bem como a Análise do Comportamento como um todo, influenciaram a formação de diversos cursos por todo o País, tendo o PSI como base de disciplinas não apenas em cursos de Psicologia (Matos, 1998). A Psicologia Experimental no Brasil passou a ser quase sinônimo de Análise do Comportamento nas faculdades, assim como a Psicologia da Aprendizagem (Todorov e Hanna, 2010; Matos, 1998).
Maria Amélia Matos, Rodolpho Azzi e Carolina Bori (e o onipresente ratinho branco)

Na Bahia, meu estado, a Análise do Comportamento também cresceu quase que por um feliz acaso. O primeiro curso de Psicologia foi criado na UFBA, também nessa época, e teve a participação direta de Carolina Bori. A professora encontrou o então reitor da UFBA, prof. Roberto Santos, numa viagem de avião, onde conversaram sobra a importância da formação em Psicologia enquanto ciência e a participação dos laboratórios de Psicologia Experimental no currículo do curso. Assim, ela veio até aqui, trazendo Mário Guidi em 1971, que instalou o laboratório na antiga Faculdade de Medicina, no Terreiro de Jesus. Ela também foi responsável por trazer as primeiras docentes da abordagem em colaboração com a USP, entre elas Marilena Ristum, Márcia Bonagamba e Anamélia de Carvalho; e mesmo ela própria e Maria Amélia Matos, que passaram curtos períodos por aqui lecionando disciplinas e orientando alguns trabalhos. Carolina Bori acabou sendo paraninfa da primeira turma formada na Bahia, em 1973 (Carvalho e Moraes, 1998).
Profª. Carolina Bori
Uma figura central na Análise do Comportamento na Bahia foi a professora Mercedes Cunha Chaves de Carvalho, que ajudou a implantar o curso da UFBA, a partir da sua formação em Filosofia e sua parceria com o prof. João Ignácio de Mendonça. Ela lecionava introdução à Psicologia, ainda como parte de um desmembramento do curso de Filosofia, até a criação do curso em 1962. Tendo uma formação mais voltada à psicodinâmica até então, mas insatisfeita com os produtos desta, se encantou com a Análise do Comportamento após a visita de Carolina Bori e seguiu estudando a abordagem, direcionando assim seus projetos de mestrado (em Educação na UFBA) e doutorado (USP). Também foi responsável pela implantação de outros cursos de psicologia, como o da UFS (Sergipe) e o primeiro de uma faculdade particular, na Faculdade Ruy Barbosa, ainda hoje formando alunos interessados em Análise do Comportamento. Mercedes faleceu em dezembro de 2010, depois de anos dedicados ao ensino e à Psicologia como ciência (Neves, 2007; Correia, 2011).
Profª. Mercedes Cunha
O laboratório de Psicologia Experimental da UFBA, depois de transferido para a FFCH, hoje encontra-se desativado. Com a aposentadoria de alguns dos professores, também desapareceu a formação de terapeutas analítico-comportamentais como única proposta de estágio na linha que ainda existia. Também não há nenhuma linha de formação em Análise do Comportamento na pós-graduação, tendo mesmo poucas disciplinas na graduação – apenas duas, no início e no final do curso; uma deficiência local refletindo um problema generalizado da pouca presença da AC nos cursos pelo Brasil (Todorov e Hanna, 2010).
Ainda hoje, a USP e a UnB são importantes centros de formação em Análise do Comportamento, acompanhadas pela consolidação, nos anos 90, dos cursos da PUC-SP, UEL, UFPA, UFSCar e UFSC. A pós-graduação de tais cursos oferece a oportunidade de orientação em Análise do Comportamento, algo ainda incipiente em outras faculdades – geralmente, as possibilidades de orientação ficam restritas à presença de alguns orientadores, em linhas sem enfoque em AC. Algumas faculdades oferecem oportunidades um pouco mais estruturadas, como a UNESP, a UFRGS, a UFPR e a PUC-Goiás. 
A maioria da produção científica ainda é publicada nas áreas de pesquisa básica diretamente derivadas dos primeiros estudos, como em controle aversivo e equivalência de estímulos, área que cresceu após as visitas do professor Murray Sidman ao Brasil nos anos 80 e 90. Uma área recente que tem conseguido bastante projeção é a de pesquisa em processos culturais, composta por pesquisadores da UFPA, PUC-SP, UnB e da University of North Texas-EUA. Boa parte dos estudos, no entanto, ainda é publicada em periódicos nacionais, e ainda falta publicação sobre pesquisa aplicada (Todorov e Hanna, 2010).
Os eventos sobre Análise do Comportamento têm um papel bastante importante na difusão da abordagem pelo país. Além do encontro anual da ABPMC, 13 estados promovem, atualmente, encontros e jornadas de Análise do Comportamento (Todorov e Hanna, 2010). Entre os que tivemos apenas no ano de 2011, estão a Jornada Mineira de Ciência do Comportamento (JMCC) em Belo Horizonte, a JAC-UFSCar em São Carlos, a JAC Salvador, o EAC do Vale do São Francisco em Petrolina, o Encontro Sobralense de Análise do Comportamento (ESAC), a JAC Belém, a JAC Jundiaí, a JAC Poços de Caldas, a JAC-USP, o EAC da PUC-SP, o EMAC/EPAC em Maringá… (entre muitos e muitos outros eventos).
A história da Análise do Comportamento, como se pode ver, se confunde com a história da Psicologia enquanto profissão, formação e ciência e ainda está sendo feita no país. Não por acaso, somos o maior contingente da abordagem fora dos EUA (Todorov e Hanna, 2010). É continuar indo em frente, e superando os obstáculos citados para não só desenvolver a teoria, como contribuir para a ciência como um todo, o que é ainda mais importante.
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Referências
Carvalho, M. C. C. de e Moraes, E. S. D. (1998) Carolina Bori e a criação do curso de Psicologia da UFBA. Psicologia USP, vol. 9, nº 1, São Paulo.
Correia, T. (2011). Pioneira e incansável – Perfil de Mercedes Cunha de Carvalho. Jornal do CRP/03. Ano 3, 3ª ed, Salvador, pp. 13.
Keller, F. S. (1983). Adeus, mestre! In: Kerbauy, R. R. Keller. Coleção Grandes Cientistas Sociais. São Paulo, Ática, pp. 128-147.
Keller, F. (2001). Quarenta anos atrás. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, vol. 3, nº. 2, pp. 73-78.
Matos, M. A. (1998). Contingências para a Análise do Comportamento no Brasil. Psicologia USP, vol. 9, nº 1. São Paulo.
Todorov, J. C. e Hanna, E. S. (2010). Análise do Comportamento no Brasil. Psicologia: Teoria e Pesquisa, vol. 26, nº especial, pp. 143-153.
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Escrito por Aline Couto

Tem 22 anos e reside em Salvador, BA. Formada em Psicologia pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Durante o curso, aproximou-se da Análise do Comportamento, da Psicologia Cognitivo-Comportamental e da Neuropsicologia. Participou de grupos de pesquisa sobre Neuropsicologia Clínica e Cognitiva e Análise do Comportamento e Cibercultura na sua faculdade, além de grupos de estudo sobre Behaviorismo Radical.

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