Felicidade: mais do que um fim, um meio

Em tempos de redes sociais, a felicidade do outro parece estar estampada diante de nossos olhos a todo instante, nos lembrando sobre     tudo daquilo que ainda não temos, não fizemos ou não somos. Esse meio de comparação instantâneo cria a impressão de que sabemos exatamente o que ainda nos falta para finalmente sermos felizes. E mais, que não é “normal” sentir tantas emoções desconfortáveis e indesejáveis em nosso cotidiano.

Se procurarmos a definição de felicidade, nos deparamos com o desafio de escolher por qual ponto de vista queremos partir: seja acerca de sua durabilidade, intensidade, sentido ou consciência. No que se refere à      sua durabilidade, trata-se de vermos os momentos felizes como sendo a exceção dos nossos dias e não toda a sua extensão. “Qualquer um que seja minimamente são sabe que não pode ser feliz o tempo todo porque a vida não oferece só essa condição” (Cortella, Karnal & Pondé, pág. 25). E tal ponto acompanha a noção de intensidade, que traz à felicidade esse “brilho” diferenciado na ocorrência de tal experiência. Não necessariamente estamos falando de ocorrências de fatos grandiosos ou que foram extremamente difíceis de se realizar, mas sim de situações que conectem o sujeito àquilo que lhe traz sentido existencial. Então, não há apenas uma noção pré-determinada e correta do que seria a felicidade, mas sim a reflexão do que é felicidade para cada um. Somos indivíduos constituídos de forma singular a partir de uma história de vida, componentes biológicos e sociais. É importante ressaltar também que, quanto maior o autoconhecimento, mais provavelmente haverá consciência do caminho a se percorrer em prol de tais momentos.

Mas será que isso nos levaria a uma busca pela felicidade? Na verdade, o ponto a se exaltar é a consciência de ações congruentes com aquilo que faz sentido para si (seus próprios valores), o que por consequência tende a trazer mais momentos felizes. Nesse sentido, a felicidade ocupa papel de meio para uma vida significativa e não como último fim.

Porém, o que encontramos em nosso meio social e em nosso dia a dia costuma levar à direção oposta. As redes sociais apontam para uma felicidade estampada, cotidiana e contínua, seja no êxito de uma vida familiar, social ou profissional. Além disso, diante da verbalização de sentimentos que tendem a nos trazer algum grau de sofrimento como tristeza, raiva ou ansiedade não são incomuns falas como: “Não fique assim!”, “Para que tudo isso?”, “Veja o lado bom das coisas…”, dentre outras. Ou seja, há de forma explicita o encorajamento para que nos afastemos desse outro grupo de sentimentos que trazem desconforto emocional.

O psicólogo Steven Hayes (criador da Terapia de aceitação e compromisso) em uma entrevista para a revista Veja nos lembra que: “O conceito de que felicidade é como a ausência de sentimentos ruins nos leva a reagir à dor de uma maneira que limita nossa vida”. Nesse sentido ele nos aponta para a necessidade de nos relacionarmos de forma diferente com as nossas dores. Trata-se de olharmos para tudo que sentimos como sinais e oportunidade de nos conectarmos conosco. Nossos afetos (sentimentos) e cognições (pensamentos) podem nos apontar para a direção daquilo que faz sentido e que verdadeiramente nos importa.

Por outro lado, quando lutamos bravamente para nos afastarmos de determinadas emoções, acabamos por nos anestesiar emocionalmente não somente de uma, mas de várias, pois cada situação traz consigo um emaranhado de diversas emoções. Diante disso, nos encontramos imersos em uma batalha sem fim de minimizar ou impedir aquilo que involuntariamente se dá. Por isso, um dos pilares para melhorar a forma de lidar com as emoções seria: “É preciso aceitar os conteúdos difíceis e abandonar a batalha para ter as mãos livres para construir um projeto de vida valorizada”.

Obviamente, há uma construção que progressivamente nos traz o conhecimento de tais conceitos, a aplicabilidade em nossas vidas e a prática de começar a sair do automático e fazer diferente. Como tudo que aprendemos exigirá treino, e não será um processo linear. Não há inclusive um ponto final a se atingir quando pensamos em aceitação e validação das nossas emoções, pois, enquanto vivermos seremos convocados a fazer novas escolhas a cada dia, e conectarmos as mesmas àquela pessoa que almejamos ser.

Referências Bibliográficas

Cortella, Karnal & Pondé (2019). Felicidade modos de usar. São Paulo: Planeta do Brasil

Hayes, S. Entrevista para a revista Veja. Retirado de: https://contextualscience.org/entrevista_na_revista_veja_com_steven_hayes_brasil

Hayes, S. TEDx Psychological flexibility: How love turns pain into purpose. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=o79_gmO5ppg

 Vandenberghe, L., Valadão, V.C. (2013). Aceitação, validação e mindfulness na psicoterapia cognitivo-comportamental contemporânea. Revista Brasileira de Terapias Cognitivas vol 9(2), pp.126-135

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Escrito por Mariana Poubel

Graduada em Psicologia pela UFRJ (2012) e mestre em Saúde Mental pelo IPUB/UFRJ (2015). Fez curso de formação em Terapia Cognitivo Comportamental para adultos e infanto juvenil, curso de capacitação em análise do comportamento e formação em terapias contextuais.
Atua como terapeuta, supervisora e mentora.

Email para contato: marianapoubel@gmail.com

Como a indústria das formações clínicas, a prática baseada no livro-caixa e as paixões teóricas ameaçam a Prática Baseada em Evidências em Psicologia

Formação em Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) – Atitude Cursos