FAP: comportamentos clinicamente relevantes e seus paralelos funcionais

Na Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) sempre estaremos diante de paralelos funcionais de comportamentos-problema que acontecem dentro da sessão e na vida cotidiana do cliente e também de comportamentos de melhora que acontecem dentro e fora de sessão (Holman et al, 2022) 

Esses paralelos funcionais são definidos com vistas a quais comportamentos do cliente acontecem em sessão e que têm a ver com as dificuldades apresentadas e que seria interessante de diminuirmos a frequência de ocorrência. Tais comportamentos são chamados de Comportamentos Clinicamente Relevantes 1 (CCR1) e seu paralelo funcional, ainda que com topografia completamente diferente do que vemos em sessão, são chamados de O1 (Outside 1, em alusão a comportamentos que acontecem fora do setting psicoterapêutico). 

Mas não é só de problemas que falamos na FAP. Ao contrário, o que verdadeiramente importa para um terapeuta FAP é a ocorrência de CCRs2, que dizem respeito às melhoras que o cliente apresenta em sessão e que possuem paralelos funcionais na vida cotidiana (O2). Isto é, como se observa que as melhoras que ocorrem na vida do cliente se mostram na sessão e quais melhoras da sessão estão sendo observadas ocorrendo fora do consultório também. 

Talvez o motivo de uma psicoterapia funcionar esteja intimamente relacionado aos conceitos apresentados. Se temos um ambiente funcionalmente similar que permite a generalização de melhoras de dentro da sessão para a vida cotidiana do cliente, a chance de sucesso do tratamento é maior (Kohlenberg e Tsai, 2006).

Existe uma sequência lógica na atuação de um terapeuta FAP e um dos princípios necessários é justamente de observar a ocorrência de comportamentos-problema para que possamos evocar comportamentos de melhora que, por consequência, reduziriam a probabilidade de ocorrência de comportamentos-problema (Kohlenberg & Tsai, 2006; Tsai et al, 2011; Holman et al, 2022) e, além disso, possibilitaria o planejamento de generalização para o contexto fora da clínica. 

A identificação de comportamentos-problema em paralelos funcionais não é simples como parece. Pode-se identificá-los por meio da observação de comportamentos-problema em sessão e entender como eles ocorrem fora do contexto clínico e também pode-se identificá-los pelo relato do cliente de acontecimentos fora do consultório e buscar entender como eles ocorrem em sessão com o terapeuta. De qualquer forma, o termo descreve precisamente: são paralelos funcionais. Eles terão a mesma função, mas muitas vezes com topografias completamente diferentes. 

Para ilustrar tais princípios, tomemos uma cliente hipotética de 26 anos, casada, empresária com queixa de apego excessivo aos outros, baixa autoestima, baixa autoconfiança, dificuldade de expor sentimentos negativos, ansiedade, dificuldade de manter amizades e com crise conjugal. 

A cliente em questão apresenta, com o terapeuta, atrasos e faltas recorrentes para a sessão, atrasos no pagamento das sessões, também excede o tempo limite da sessão, demanda intervenções do terapeuta via mensagens de texto. Quando o terapeuta cancela uma sessão após a cliente atrasar-se após o horário limite de tolerância e avisar que a sessão será cobrada normalmente, a cliente manda uma mensagem de áudio visivelmente frustrada e com raiva dizendo que o terapeuta está implicante e impaciente com ela. 

Ainda que o terapeuta tenha explicado o motivo de tomar essa decisão, voltando à explicação do contrato terapêutico sobre horários, atrasos e faltas, a cliente ainda se defende de modo genérico e agressivo, levando a atitude do terapeuta para o lado pessoal, buscando culpar outras pessoas e questionando a integridade profissional do terapeuta. 

A cliente chega para a próxima sessão dizendo que gostaria de discutir o ocorrido da última semana (CCR2 levando em conta sua dificuldade em expor sentimentos negativos). Da mesma forma que na mensagem, a cliente comunica seu descontentamento de maneira visivelmente frustrada e arrogante. O terapeuta explica novamente o contrato e pergunta à cliente se a terapia é o único compromisso para o qual ela se atrasa. Ela relata que não e que trava brigas muito sérias com o marido em função de atrasos (O1). Diz também que se atrasa para diversos compromissos, mas que sempre dá tempo de cumprir o que se propõe (O2). 

Diante disso, o terapeuta pergunta à cliente como ela acha que ele se sente com os atrasos e faltas recorrentes dela à terapia (T2, evocando CCR2). Ela responde que imagina que ele fica muito bravo, já que o marido dela também fica assim (CCR2). E que entende que isso pode chatear as pessoas e que pode parecer desrespeito (CCR2), mas que não entende o porquê sua cabeça funciona assim, de olhar para o relógio e achar que sempre vai chegar a tempo faltando 5 minutos para o compromisso marcado (O1). 

Além disso, o terapeuta pede que a cliente relate como se sentiu no dia e quais sentimentos ela consegue observar que foram mais fortes e óbvios de perceber a ocorrência (evocando CCR2). A cliente relata ter sentido que estava explodindo com o terapeuta da mesma forma que explode com o marido e com as amigas quando ela não se sente compreendida, ainda que em menor magnitude (aqui é interessante observar que é um CCR2 com relação ao relato, mas um O1 com relação ao que é relatado). 

O terapeuta faz uma auto-revelação, apontando que se sentiu mal com a forma agressiva com a qual ela reagiu ao descumprimento de um contrato que ela tinha consciência e concordou com o fato de que ela pode ter explodido com ele da mesma forma com que explode com amigos e o marido e que percebeu certa falta de empatia e compreensão, além do fato de preocupar-se com a tendência dela de tornar aquilo pessoal. Após relatar o impacto do comportamento dela sobre ele, pediu para que ela tentasse observar se percebia esse impacto agora, em sessão, por meio do relato do terapeuta. 

A cliente fica em silêncio por um breve momento e diz “acho que se eu fosse você, não iria querer mais me atender…” (CCR2). O terapeuta reforça o CCR2 da cliente dizendo que é importante que ela perceba o impacto do comportamento dela sobre os outros e que também é importante que ela pense e perceba como o outro reage a esse impacto, pois isso poderia explicar, em partes, as dificuldades que a cliente tem em manter amizades saudáveis e também se parecem muito com os comportamentos que fazem com que crises conjugais continuem a ocorrer em seu casamento (Os1). 

Além disso, o terapeuta convida a cliente a prestar atenção em quais aspectos desse evento estariam relacionados a ela desrespeitar os horários de compromissos que são, a priori, benéficos para ela (atrasar na terapia, na massagem, na fisioterapia, no salão de beleza), também apontando a possível relação funcional disso com o fato da cliente, além de faltar e atrasar, não realizar atividades sugeridas em terapia.  A hipótese aqui é que a baixa autoestima e autoconfiança  da cliente podem estar associadas a possibilidade dela não enxergar a si mesma como alguém que tem valor, que é importante, que pode ser amada e que, muitas vezes, pode estar reagindo como se os problemas fossem todos pessoais para manter as pessoas próximas por reforçamento negativo. 

REFERÊNCIAS

Holman, G.; Kanter, J.; Tsai, M.; Kohlenberg, R. (2022) Psicoterapia Analítica Funcional Descomplicada. Novo Hamburgo: Sinopsys Editora.

Kohlenberg, R.; Tsai, M. (2006) FAP – Psicoterapia Analítica Funcional: criando relações terapêuticas intensas e curativas. Santo André: ESETec Editores Associados.

Tsai, M.; Kohlenberg, R. J.; Kanter, J. W.; Kohlenberg, B.; Follette, W. C.; Callaghan, G. M. (2011) Um Guia para a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP): consciência, coragem, amor e behaviorismo. Santo André: ESETec Editores Associados.

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Escrito por Renan Miguel Albanezi

Graduado em Psicologia pelo Centro Universitário Cesumar (UniCesumar), especialista em Análise do Comportamento e Psicoterapia Cognitivo-Comportamental pelo Núcleo de Educação Continuada do Paraná (NECPAR) e em Terapia Comportamental pela Universidade de São Paulo (USP). Tem como principais áreas de estudo o Behaviorismo Radical e a Análise do Comportamento com interesse em comportamento verbal, agências controladoras do comportamento, psicoterapia comportamental e psicoterapia analítica funcional.

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