Behaviorismo Radical e comportamento religioso: outras considerações

De acordo com os dados do Censo de 2010 disponibilizados pelo IBGE, o Brasil possui 86,8% de cristãos[1], e, se formos considerar todas as religiões e não apenas as pautadas pelo cristianismo, o Censo de 2000 aponta que 93,6% dos brasileiros são religiosos[2]. Como foi abordado num texto anterior[3], como agência controladora do comportamento, a igreja só estabelece relação de controle para com seus membros se esses atribuem valor aos princípios, valores e regras pregados pela instituição religiosa.

Também foram elucidadas algumas técnicas pelas quais a igreja exerce esse controle, seja por meio da promessa de consequências reforçadoras positivas (como o Paraíso e a vida eterna), seja pela ameaça de consequências aversivas (como queimar no mármore do inferno e viver uma vida eterna de danação ou passando o resto da eternidade no purgatório). E o coração do texto foi lançar a hipótese de que esse controle é essencialmente verbal.

Em contrapartida há algumas formas de controle exercidas pela igreja, não foram apontadas quaisquer classes de comportamento que a agência religiosa parece querer controlar e quais são as formas de contracontrole exercidas por seus membros. Também não foram apresentadas algumas hipóteses de como o comportamento religioso teria relação com a qualidade de vida de seus fiéis e quais as implicações disso para a Análise do Comportamento, mais especificamente para o contexto clínico.

Os 10 mandamentos[4] do cristianismo poderiam ser traduzidos como descrições verbais de determinadas respostas a serem apresentadas em dadas situações para que o fiel se livre das ameaças de punição mencionadas e obtenha as consequências reforçadoras atrasadas que a igreja promete. Há mandamentos óbvios com relação ao comportamento sexual do homem: “Não pecar contra a castidade” e “Não desejar a mulher do próximo”.

Nesses dois mandamentos, podemos lançar a hipótese de que a instituição religiosa pode querer tomar controle sobre comportamentos de instância operante e cultural e também filogenética. O homem não possui comportamentos sexuais apenas para reprodução; a nível operante, o homem faz sexo também pela obtenção de prazer imediato.

Isso não é interessante para algumas religiões por dar vazão aos comportamentos que categorizam os chamados pecados da carne. E o controle não se limita aos fiéis específicos que compõem a comunidade verbal de uma dada instituição religiosa. Alguns representantes religiosos, enquanto parlamentares do nosso país, tentam impor as regras da igreja ao Estado: o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a própria homossexualidade é um pecado para a igreja, então o Estado também deve impedir a união estável civil entre essas pessoas e classes profissionais (como a Psicologia) deveriam promover o que se chama de “cura gay” (não nos esqueçamos dos psicólogos Silas Malafaia e Marisa Lobo), mesmo que os indivíduos não partilhem da mesma doutrina ou de qualquer doutrina e religião.

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Ainda sobre o comportamento sexual, a igreja, particularmente a católica, se mostra contrária ao uso de preservativos. Dessa forma, a repercussão é extrapolada de dentro da comunidade verbal religiosa e pode passar a causar problemas para a sociedade como um todo, com relação às taxas de natalidade e a superpopulação do planeta, problema conhecido já há algum tempo, reconhecido também pela teoria behaviorista radical.[5]

Algumas igrejas também, a fim de evitar os pecados da carne, ditam que as mulheres que compõem a comunidade verbal religiosa vistam-se de forma específica (como usar saias longas, decote algum e até mesmo burcas) e possuam determinados tipos de corte de cabelo (ou que não mostrem o cabelo de forma alguma, a não ser para o homem com qual se casar) e comportamentos em público (não falar na presença de homens ou apenas acatar às ordens patriarcais).

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Algumas formas de contracontrole, já apresentadas em outro texto[6], exercidas pelo grupo são a própria Parada Gay, a lei que criminaliza a homofobia, os movimentos feministas, a lei Maria da Penha e as inúmeras campanhas publicitárias feitas por meio do Facebook e até mesmo canais do YouTube que existem especificamente para destituir alguns comportamentos que são categorizados como doentes ou pecaminosos (como é o caso de muitos vídeos do canal Põe na Roda[7]).

Mas existe o outro lado da moeda. Há comportamentos controlados pela igreja que a curto, médio e longo prazo, a depender da cultura, aumentam a probabilidade de sobrevivência do grupo: não roubar e não matar, mesmo sob a ameaça do inferno, parecem gerar consequências óbvias para a cultura: o que é seu permanecerá em sua posse e sua vida não será interrompida por qualquer ato de violência ou evento similar.

Outro ponto a ser salientado é que, muitas vezes, acreditar na bondade de um ser sobrenatural faz com que os seres humanos comportem-se em relação a outrem de forma mais amistosa, envolvendo reforçamento mútuo. A máxima das religiões, o “amor ao próximo”, pode se tratar justamente disso: apresentar comportamentos que aumentem a probabilidade de sobrevivência do outro enquanto indivíduo, quase como se fosse um produto agregado, fazendo com que o grupo se fortaleça em função de contingências entrelaçadas que envolvam empatia, coragem, confiança, amor e outros efeitos colaterais do reforçamento positivo quando apresentados em intermitência e contingentes a comportamentos que geram benefícios entre os membros da cultura.

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As máximas da religião (aqui, propriamente dita, a cristã) de que não se deve matar, não se deve roubar e que os grupos devem agir, principalmente, em função da regra de respeitar e amar aos outros como se fossem irmãos, podem ter efeitos na qualidade de vida do indivíduo, que são desejáveis.

O controle da igreja é uma faca de dois gumes: pode destruir uma parte do grupo que compõe toda uma sociedade (seja ela religiosa ou não), como pode aumentar a probabilidade de que o grupo sobreviva de forma relativamente saudável, isto é, arranjando contingências de crescimento pessoal e de sobrevivência do grupo.

As implicações mínimas disso para a prática do psicólogo clínico (seja ele analista do comportamento ou não) é de que, como o código de ética da profissão claramente aborda, a crença religiosa (ou a não crença) pessoal do profissional deve ser irrelevante na sua prática clínica, tendo uma visão imparcial daquilo que é trazido pelo cliente em sessão. Afinal, uma das funções principais do psicólogo, independente de abordagem teórica e área de atuação, é defender o ser humano em sua plenitude, sem distinção de raça, credo, orientação sexual etc, arranjando contingências para que o cliente adquira autoconhecimento e autonomia, obtendo, como efeito colateral, uma melhor qualidade de vida tanto como indivíduo como em grupo.

[1] http://veja.abril.com.br/blog/reinaldo/geral/o-ibge-e-a-religiao-%E2%80%93-cristaos-sao-868-do-brasil-catolicos-caem-para-646-evangelicos-ja-sao-222/

[2] Sampaio, P. H. F. (2012, agosto). A gênese do comportamento religioso. Anais do XXI Encontro do Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental, Curitiba, PR, Brasil.

[3] https://comportese.com/2015/05/behaviorismo-radical-e-comportamento-religioso-primeiras-consideracoes/

[4] http://www.catolicoorante.com.br/10mandamentos.html

[5] Skinner B. F. (1959) Cumulative Record. New York: Appleton-Century-Crofts.

Skinner, B. F. (1969) Contingencies of Reinforcement – A Theoretical Analysis. New York: Appleton-Century-Crofts.

Skinner, B. F. (1974) About Behaviorism. New York: Vintage Books

Skinner, B. F. (1978) Reflections on Behaviorism and Society. New York: Appleton-Century-Crofts.

Skinner, B. F. (1989) Upon Further Reflection. New York: Appleton-Century-Crofts.

[6] https://comportese.com/2014/12/agencias-controladoras-e-sexualidade-o-contracontrole-como-possibilidade-de-liberdade/

[7] https://www.youtube.com/user/canalpoenaroda

 

Referências

Sampaio, P. H. F. (2012, agosto). A gênese do comportamento religioso. Anais do XXI Encontro do Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental, Curitiba, PR, Brasil.

Skinner B. F. (1959) Cumulative Record. New York: Appleton-Century-Crofts.

Skinner, B. F. (1969) Contingencies of Reinforcement – A Theoretical Analysis. New York: Appleton-Century-Crofts.

Skinner, B. F. (1974) About Behaviorism. New York: Vintage Books

Skinner, B. F. (1978) Reflections on Behaviorism and Society. New York: Appleton-Century-Crofts.

Skinner, B. F. (1989) Upon Further Reflection. New York: Appleton-Century-Crofts.

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Escrito por Renan Miguel Albanezi

Graduado em Psicologia pelo Centro Universitário Cesumar (UniCesumar), especialista em Análise do Comportamento e Psicoterapia Cognitivo-Comportamental pelo Núcleo de Educação Continuada do Paraná (NECPAR) e em Terapia Comportamental pela Universidade de São Paulo (USP). Tem como principais áreas de estudo o Behaviorismo Radical e a Análise do Comportamento com interesse em comportamento verbal, agências controladoras do comportamento, psicoterapia comportamental e psicoterapia analítica funcional.

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