Autocontrole: a Análise do Comportamento pode ajudar?

Paula Grandiwww.paulagrandi.com.br

Autocontrole. Aí está uma palavra ruim. Quando lhe dizem “autocontrole”, qual é a primeira coisa na qual você pensa? Em ter força de vontade? Ou talvez em continuar fazendo algo apesar das adversidades? Possivelmente a maioria pensará em uma total autodeterminação do indivíduo sobre as suas ações, como se o indivíduo escolhesse facilmente entre um curso de ação ou outro. Justamente por isso autocontrole (self-control) é uma palavra ruim. Explico melhor a seguir.

Quem já passou por uma situação em que era difícil se comportar de uma forma autocontrolada sabe como, muitas vezes, escolher um determinado curso de ação pode ser mais difícil do que parece. Aquele relatório ou trabalho que você tem que fazer e, apesar de já ter se proposto a fazê-lo várias vezes, sempre acaba realizando alguma outra atividade. Aquela dieta que você começou na segunda-feira e prometeu para si mesmo que iria durar um mês, e mal passou do primeiro final de semana. Aquele dinheiro que você tem pretendido guardar desde o ano passado para realizar uma viagem nas próximas férias, mas que até o momento não passou de uma lista de desejos ou promessa de ano novo. Autocontrole é uma palavra ruim, pois ela obscurece o fato de que nosso comportamento é determinado através de uma relação entre atividades do organismo e eventos do ambiente. A famosa frase de Skinner (1957/1958) define bem esta relação: “Os homens agem sobre o mundo e o modificam e, por sua vez, são modificados pelas consequências de sua ação.” (p.15).

autocontrole 01Quando alguém se comporta de forma autocontrolada, dificilmente a comunidade consegue identificar as variáveis que controlam o seu comportamento. Provavelmente foi por isso que nomeamos o tipo de contingência que gera um comportamento autocontrolado de auto (self) – controle (control). Em relação ao estudante ou empregado que passa horas estudando ou se dedicando ao trabalho, a que comportamento a comunidade tem acesso? Apenas ao comportamento de estudar, ler, escrever, redigir relatórios, entre outros. E no caso daquele amigo que mantém uma dieta rigorosa e uma rotina de exercícios? Temos acesso apenas ao comportamento de comer alimentos saudáveis, de ir à academia e realizar exercícios físicos. Parece mais difícil ainda explicar o comportamento de comprar uma casa, um carro ou fazer uma viagem. A comunidade possivelmente só tem acesso ao comportamento de comprar ou de visitar novos países. Como o indivíduo manipulou o seu ambiente para conseguir economizar o dinheiro necessário sem alterar a sua renda, geralmente permanece um mistério para a comunidade.

Como as variáveis controladoras destes comportamentos não estão acessíveis aos outros, temos a impressão de uma total autodeterminação (o que usualmente chamamos de “força de vontade”). A crença em uma “força de vontade” pouco nos ajuda a prever, controlar, alterar ou até mesmo ensinar o comportamento autocontrolado. A nossa sociedade teve pouco sucesso em produzir estes comportamentos ao dizer as pessoas “tenha força de vontade!” ou “controle-se!”. É muito provável que, aqueles que apresentam comportamentos de autocontrole, conheçam muito bem as variáveis que controlam os seus comportamentos e sejam eficientes em manipulá-las de forma a aumentar ou diminuir a probabilidade do comportamento desejado. É assim que a Análise do Comportamento irá entender autocontrole.

Quando um homem se controla ou escolhe um curso de ação, ele está se comportando (Skinner, 1953/2007). Comportamentos autocontrolados devem ser explicados da mesma forma que explicamos qualquer outro comportamento, ou seja, buscando variáveis que se situam fora do indivíduo. No entanto, nós frequentemente somos capazes de fazer algo em relação às variáveis que nos afetam. Segundo Skinner (1953/2007), podemos controlar nosso próprio comportamento do mesmo modo que controlamos o comportamento dos outros: manipulando as variáveis das quais o comportamento é função.autocontrole 02

O jovem que passa a tarde na biblioteca para estudar, pois sabe que em sua casa comportamentos de assistir TV, brincar com o cachorro ou conversar com os familiares tem a sua probabilidade aumentada, demonstra conhecimento das contingências que o controlam. Aquele que, ao se propor a realizar uma dieta, só vai ao supermercado saciado e abastece-se de alimentos saudáveis, diminui a probabilidade de ingerir alimentos altamente calóricos no futuro. Quando assinamos uma poupança automática, que transfere uma parcela do dinheiro da conta diretamente para a poupança no dia que recebemos o salário, comprometemos-nos com um curso de ação eliminando a possibilidade de gastar aquele dinheiro. Comportar-se desta forma frente a consequências conflitantes para uma mesma resposta é autocontrolar-se. Para que isto ocorra, é imprescindível conhecer as variáveis que controlam o seu comportamento.

Skinner (1953/2007) descreve um sistema intercruzado de respostas envolvidas no autocontrole. Uma resposta controladora (R1) afeta as variáveis de tal modo que modifica a probabilidade de outra resposta, denominada resposta controlada (R2). Para isso, a resposta controladora pode manipular qualquer uma das variáveis das quais a resposta controlada (R2) é função. É justamente por isso que existem diferentes formas de autocontrole.

O estudante citado, ao ir para a biblioteca (R1), retira-se da situação em que o comportamento do assistir TV, brincar ou conversar pode ocorrer (R2), diminuindo assim a sua probabilidade, ao mesmo tempo em que aumenta a probabilidade de estudar. Aquele que se propôs a realizar uma dieta manipula a sua privação e saciação, comendo em casa antes de ir ao supermercado (R1), de forma a diminuir a probabilidade de comprar alimentos calóricos (R2). Faz uma lista do que deve comprar (R1) para diminuir a probabilidade de passar na frente de setores de comida que não necessita (R2) e abastece a sua dispensa apenas com alimentos saudáveis (R1), o que aumenta o custo de resposta e, consequentemente, diminui a probabilidade de se ingerir alimentos calóricos (R2). Por fim, quando assinamos uma poupança automática (R1), retiramos o dinheiro da conta corrente removendo a situação que nos possibilita comprar objetos (R2).

autocontrole 03É pela dificuldade de acesso a resposta controladora (R1) que se atribui causas internas (“força de vontade”) ao comportamento de autocontrole. Não é de hoje o seguinte pensamento: aquilo que não podemos explicar parece-nos mágica. Para a análise do comportamento, autocontrole nada mais é do que: auto – o próprio indivíduo / controle – manipulando e alterando as variáveis das quais uma resposta é função, aumentando ou diminuindo a sua probabilidade de emissão.

Mas então, pode a Análise do Comportamento ajudar a promover autocontrole? Sim! Ao assumirmos que o comportamento é determinado, uma ciência do comportamento possibilita a identificação e manipulação das variáveis das quais o comportamento é função. Diante disso, o comportamento de autocontrole passa a poder ser ensinado não mais de forma acidental, como geralmente ocorre. A noção de controle Behaviorista Radical abre margem para o planejamento de uma sociedade que instala e mantém comportamentos de autocontrole de forma mais eficaz (Skinner, 1948/2004).

Poderíamos abordar agora, que contingências dispostas pela nossa sociedade geram autocontrole, mas isto é assunto para outro texto. No momento, me limito a dizer que a sociedade: 1) Tem um papel importante ao dispor contingências de reforçamento para o comportamento autocontrolado e 2) Ensina-nos, através de perguntas, a atentarmos ao nosso próprio comportamento possibilitando a identificação das variáveis que os controlam. Passamos a nos conhecermos. E o autoconhecimento pode, e muito, facilitar comportamentos de autocontrole. Segundo Skinner (1974/2006):

“[…] O autoconhecimento tem um valor especial para o próprio indivíduo. Uma pessoa que se tornou consciente de si mesma por meio de perguntas que lhe foram feitas está em melhor posição de prever e controlar seu próprio comportamento.” (p.31).

É importante dizer que não precisamos descrever as contingências para sermos controlados por elas. No entanto, quando descrevemos as variáveis que controlam o nosso próprio comportamento, dizemos que somos conscientes deste comportamento. Da mesma forma, quando não descrevemos tais variáveis dizemos que somos inconscientes. Conhecer-se a si mesmo pode ser o primeiro passo para o autocontrole. Pensando naquele comportamento que você quer mudar: Quando e onde ele ocorre? (antecedente). Como você se comporta? Com que frequência este comportamento ocorre? (resposta). O que acontece em seguida? (consequência). Resumindo: o que será que controla este comportamento?

REFERÊNCIAS

Skinner, B. F. (1948/2004). Walden II: uma sociedade do futuro. 2. ed. São Paulo: EPU.

Skinner, B. F. (1953/2007). Ciência e Comportamento Humano. São Paulo: Martins Fontes.

Skinner, B. F. (1957/1978). O Comportamento Verbal. São Paulo: Cultrix: Ed. da Universidade de São Paulo.

Skinner, B. F. (1974/2006). Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix.

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Escrito por Paula Grandi

Psicóloga pela PUC-SP, mestranda bolsista CNPq no Programa de Psicologia Experimental: Análise do Comportamento da PUC-SP, especializanda em clínica Analítico-Comportamental pelo Núcleo Paradigma. Possui Formação avançada em acompanhamento terapêutico e atendimento extra-consultório pelo Núcleo Paradigma e atuou como psicóloga residente em oncologia no Hospital São Paulo. Foi bolsista PIBIC-CEPE de iniciação científica na PUC-SP e participou da organização do EAC PUC-SP (2010-2011). Atuou como organizadora e professora do Curso de Verão de Psicologia Experimental: Análise do Comportamento da PUC-SP (2015-2016). É membro sócio da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental e atualmente trabalha como psicóloga clínica, acompanhante terapêutica e pesquisadora.

Dica de leitura: Artigo – Em que sentido(s) é radical o Behaviorismo Radical?