Aprender para treinar e treinar para aprender: a arte de incorporar novos comportamentos em sua vida

Brisa Burgos Dias Macedo

Olá leitores do Comporte-se,

Já comentamos, em texto anterior (clique aqui), que a Terapia Comportamental Dialética (DBT) leva em consideração a síntese entre aceitação e mudança em sua construção. Naquela ocasião esclarecemos o papel da aceitação nesta teoria. No presente texto, entretanto, evidenciaremos a questão da mudança, também amplamente presente em DBT. Ressalta-se que uma das formas concretas que a DBT utiliza para enfatizar a importância da mudança é através da modificação de comportamentos e hábitos.

Dialeticamente falando, é um fato que ao mesmo tempo que é difícil mudar hábitos, qualquer novo comportamento pode ser aprendido. Inclusive, comportamentos aprendidos são consequenciados de acordo com a leis da aprendizagem, amplamente discutidas na teoria de B. F Skinner e de forma muito didática no livro Don’t shot the dog de Karen Pryor (1984). Tais comportamentos precisam, em muitos casos, passar por um processo até serem extintos do repertório, ou seja, do “cardápio” de comportamentos realizáveis por determinado indivíduo em situações específicas. Isso ocorre porque muitas vezes, aqueles comportamentos que outrora tinham uma função específica na vida do indivíduo ou que em determinados ambientes eram considerados reforçadores, agora, as vezes de forma repentina, já não são mais, seja por mudança de objetivos ou de contextos. Por exemplo, diante de um contexto familiar da infância de uma menina, em que o pai era alcoolista e agredia a mãe verbalmente, é possível compreender que, quando mulher e casada, a mesma possa reagir de forma emocionalmente intensa ao consumo de álcool de seu marido, mesmo que não seja caracterizado por uso abusivo. Isso ocorre porque mesmo que o contexto seja diferente, alguns comportamentos (e aqui também consideramos sentimentos e pensamentos) estão enraizados e é preciso compreender em que cenários eles se solidificaram e foram selecionados. Esta solidificação acontece, costumeiramente, na busca pela adaptação e, quando a situação se modifica, faz necessário que o indivíduo transacione com as necessidades do ambiente para encontrar formas adequadas de agir.

É comum, inclusive, que comportamentos amplamente aceitos em determinadas culturas sejam considerados indesejáveis em outras e, por isso, um dos pressupostos de DBT propostos por Marsha Linehan (2018) é exatamente o fato de que “novos comportamentos devem ser aprendidos em todos os contextos relevantes”. Isso é evidenciado pelo fato de que quanto mais a gente treina determinado comportamento mais a gente aprende! Além disso, se tal treinamento de novos comportamentos for praticado em diferentes contextos (casa, trabalho, convívio social…), mais chances temos de internalizá-los.

Para internalizar, ou seja, aprender e enraizar estes novos comportamentos, passamos por três fases de aprendizagem: a aquisição, o fortalecimento e a generalização. Cabe frisar que cada uma dessas fases tem sua importância e vamos esclarecer de forma resumida e didática a seguir.

A primeira fase, aquisição, é o que chamamos aqui no título deste texto do “aprenda para treinar”. É a parte em que aprendemos a teoria que envolve um novo comportamento ou habilidade. A segunda fase, o fortalecimento, consiste na modelagem dos comportamentos para que se aproximem cada vez mais daquele que almejamos. Podemos, por exemplo, modelar com o pai o comportamento de dizer não para as investidas do filho em pegar o carro da família quando vai beber com os amigos. É fato de que entre o comportamento de entregar as chaves e o de conseguir dizer não, este pai tende a se aproximar sucessivamente do comportamento desejado, sendo reforçado, ou seja, reconhecido de forma natural ou arbitraria, a partir da ocorrência destas aproximações.  Por fim, temos a terceira fase, a generalização. Nesta fase o individuo aprende a “ler ambientes” e ampliar o uso de determinados comportamentos e habilidades para os mais variados contextos, fazendo adaptações refinadas quando requerido. Assim, cabe ressaltar que estas duas ultimas fases representam o “treinar para aprender” descrito no título neste texto!

Sendo assim, a frase “aprenda para treinar e treine para aprender” se encaixa como uma luva como cartão de enfrentamento utilizado para lembrar como funciona o processo de aprendizagem de novos comportamentos. Ademais, em DBT essa frase pode nos lembrar sobre o papel da mudança no tratamento em cada um dos quatro braços da abordagem: treinamento de habilidades, coaching telefônico, psicoterapia e consultoria de caso. Dialeticamente falando, todos os braços podem auxiliar paciente e terapeuta, direta ou indiretamente, a incorporar novos hábitos e comportamentos em seus repertórios, entretanto, algumas funções são mais especificas e podem ser didaticamente ilustradas.

O treinamento de habilidades, por exemplo, foca na aquisição das habilidades e apenas inicia o refinamento e a generalização, pois estas duas ultimas são mais enfatizadas nos contextos de psicoterapia, com o treinador individual que utiliza os exemplos do dia a dia do paciente e no coaching telefônico, situação em que Champan (2019) descreve um terapeuta como um técnico que auxilia o paciente na implementação dos novos comportamentos no momento em que as situações exigem. Quanto ao ultimo braço, ainda é possível ressaltar que a consultoria para terapeuta modela terapeutas e seus comportamentos quando necessário, reforçando comportamentos considerados efetivos e ajudando na interrupção daqueles que podem interferir na terapia.

Sendo assim, é possível observar que a DBT é amplamente desenvolvida para ajudar pacientes a “aprender para treinar e treine para aprender” novos comportamos!

Até a próxima!

REFERENCIAS:

Pryor, K. (1984). Don’t shoot the dog. The new art of teaching and training.

Linehan, M. M. (2018). Treinamento de habilidades em DBT: manual de terapia comportamental dialética para o terapeuta. Artmed Editora.

Chapman, A. L. (2018). Phone Coaching in Dialectical Behavior Therapy. Guilford Publications.

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Escrito por Brisa Burgos

Psicóloga clínica, Mestra em Psicobiologia e Doutoranda em Saúde Mental. Pós graduada e Proficiente em Terapia Cognitivo-Comportamental. Treinamento intensivo em Terapia Comportamental Dialética. Professora, psicóloga e supervisora clínica.

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