Terapia Comportamental Dialética (DBT): Uma breve apresentação…

 

Prezados leitores do “Comporte-se” esta coluna, para a imensa felicidade deste que a está escrevendo, tem por objetivo apresentar a Terapia Comportamental Dialética (do inglês Dialectical Behavior Therapy – DBT)[1], os seus elementos constituintes (desde as bases filosóficas até as estratégias terapêuticas), os pontos de intersecção com outras abordagens de análise do comportamento, as aplicações da DBT,  assim como, fornecer um panorama global sobre as pesquisas e os principais pesquisadores dentro dessa linda abordagem de tratamento, a qual será apresentada logo mais abaixo no presente texto.

DESPERTARDessa forma, criar-se-á um encontro bimestral entre a DBT e os tão estimados leitores do “Comporte-se”. Assim sendo, com o passar do tempo será construído aqui um canal de comunicação validante e efetivo para a discussão da DBT e da, ainda incipiente, entrada da DBT no Brasil. Cabe salientar que, para o autor dessa coluna é um grande prazer e um privilégio inestimável poder conversar com cada um de vocês, que por mais que ainda possam estar somente começando a conhecer a DBT, já possuem uma paixão em comum com todos os terapeutas que praticam a DBT que é a análise do comportamento.

O que se espera nesse espaço é um espírito de discussões democráticas buscando, sempre, atingir um nível de excelência teórica e técnica. Dessa forma, sintam-se bem-vindos a essa coluna e, por favor, fiquem a vontade para que possamos discutir profundamente a DBT e o seu lugar dentro da análise do comportamento. E, para dar-se início a construção desse espaço, começar-se-á por uma breve apresentação do histórico da DBT.

A DBT foi desenvolvida pela PhD. Marsha Linehan na década de 1980 nos EUA. Contudo, o desenvolvimento da DBT foi iniciado ainda na década de 1970 a partir do treinamento que Linehan obteve em Terapia Comportamental e Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) com os seus professores e supervisores PhD. Gerald Davidson e PhD. Marvin Goldfried (Linehan, 2010a).

Justamente, a partir desse treinamento, que Linehan iniciou todo um trabalho com TCC para tratar mulheres cronicamente suicidas e com auto-mutilações não letais (AMNL). Só que um aspecto muito interessante dessa fase da carreira de Linehan, foi que ao longo das supervisões que ela fazia com os seus colegas, ela percebeu que a grande maioria dos seus pacientes fechavam critérios diagnósticos para o Transtorno da Personalidade Borderline (TPB). Ou seja, foi justamente assim que desenvolveu-se o interesse maciço de Linehan por pacientes com TPB (Dimeff & Koerner, 2007).

Assim sendo, durante a execução desse projeto de aplicação da TCC com essa população, foi que Linehan percebeu três problemas nevrálgicos na utilização desse modelo com esses pacientes. O primeiro deles é que a TCC possui uma ênfase específica na mudança. Essa característica era percebida pelos pacientes como uma invalidação das suas experiências privadas. O segundo ponto refere-se ao fato de que os pacientes, sem intencionalidade, acabavam por reforçar os seus terapeutas quando estes utilizavam estratégias de tratamento não efetivas, assim como, os puniam quando usavam intervenções psicoterápicas efetivas. Por fim, o terceiro elemento problemático percebido por Linehan foi o de que esses pacientes possuíam muitos problemas e com alta gravidade o que acabava tornando impossível a aplicação adequada da TCC. Ou seja, não havia como os terapeutas terem tempo hábil para lidar com os comportamentos problemas dos pacientes e, além disso, treinar e generalizar novas habilidades que sejam mais adaptativas (Behavioral Tech, 2015).

A partir de uma profunda reflexão de Linehan, em conjunto com a sua equipe, desenvolveu-se uma avaliação de quais procedimentos da TCC demonstravam-se efetivos e quais não. Com base nessa discussão viu-se a necessidade de equilibrar dialeticamente a ênfase da TCC nas estratégias de mudança, e assim, foram introduzidas as estratégias de aceitação (constituindo-se, assim, a tensão dialética mais importante da DBT que é a aceitação X mudança). Contudo, foi observado, também, que mesmo com a introdução desse novo grupamento de procedimentos psicoterapêuticos, ainda existia o risco de terapeutas e pacientes ficarem “posicionados” dicotomicamente em um dos dois pólos da dialética fundamental da DBT. Assim sendo, desenvolveu-se um terceiro grupo de estratégias de tratamento com a função de garantir o movimento contínuo entre aceitação e mudança, promovendo assim, um equilíbrio dialético entre esses dois pólos, que são as estratégias e posturas dialéticas (Koerner, 2012).

Além disso, foi percebido que o tratamento conduzido apenas pelo terapeuta individual acabava não dando conta de auxiliar o paciente a reduzir os seus comportamentos problemas, e ao mesmo tempo, trabalhar na construção e generalização de novas habilidades. Para lidar com esse desafio, a DBT acabou sendo desenvolvido como uma abordagem modular. Ou seja, na DBT existem diversos módulos de tratamento que são os seguintes: a terapia individual, o grupo de treino de habilidades (no qual trabalham-se as quatro habilidades fundamentais da DBT – Mindfulness, efetividade interpessoal, regulação emocional e tolerância ao mal estar), a consultoria de supervisão de casos, a consultoria por telefone ao paciente a utilização, ou não, de tratamentos auxiliares. Dessa forma, garantiu-se que esse ponto problemático fosse sanado para que a DBT fosse realmente efetiva para essa população (Linehan, 2010a).

Dessa forma, com o desenvolvimento desses novos procedimentos terapêuticos que Linehan e a sua equipe iniciaram o desenvolvimento, propriamente dito, da DBT. Para tanto, era necessário averiguar de fato as evidências dessa nova abordagem de tratamento. Assim, em 1991 Linehan, e a sua equipe, publicaram o primeiro ensaio clínico randomizado da DBT com o título: Cognitive Behavioral Treatment of Chronically Parasuicidal Borderline Patients. Esse artigo evidenciava pela primeira vez a efetividade da DBT para mulheres com TPB cronicamente suicidas e com AMNL. Além disso, essa publicação acabou por dar a DBT o status de ser a primeira psicoterapia com bases em evidências para esses pacientes (Linehan et al., 1991; Linehan, 2015).

Assim após o desenvolvimento desse primeiro ensaio clínico, Linehan acabou por desenvolver dois grandes manuais de DBT em 1993. Um destes manuais focado na DBT como um todo, desde as bases filosóficas até as estratégias terapêuticas em si. E o outro direcionado para os terapeutas dos grupos de habilidades, contendo todas as instruções e orientações da montagem, execução e das habilidades desenvolvidas (mindfulness, efetividade interpessoal, regulação emocional e tolerância ao mal estar) (Linehan, 2010a, Linehan, 2010b).

A partir de todo esse percurso foi que houve o desenvolvimento da DBT, a qual hoje em dia, possui muitos estudos, em diversos grupos de pesquisas espalhados pelo mundo, demonstrando a efetividade desse modelo de tratamento. Assim, a DBT acabou ampliando o seu espectro de atuação não somente para o TPB, mas também, para o Transtorno de Estresse Pós-Traumático, Transtornos relacionados ao uso de substâncias, Transtorno depressivo maior, transtorno do humor bipolar e transtornos alimentares (Linehan, 2015).

Por fim, prezados leitores, é importante colocar que essa coluna teve a intenção de apresentar brevemente o histórico da DBT. Contudo, nas próximas serão aprofundados cada elemento componente dessa abordagem de tratamento. Ou seja, pode-se esperar que nas próximas colunas, aqui escritas, serão aprofundados temas que foram brevemente apresentados nesse texto. Assim sendo, os próximos textos entrarão dentro do universo da aceitação, da validação, da regulação emocional, das estratégias de solução de problemas, das posturas e estratégias dialéticas, das comunicações recíprocas e irreventerentes… Enfim, um mergulho pleno dentro da DBT. Caros leitores, sintam-se convidados a interagir, a conhecer, se encantar e, porque não, se apaixonar pela DBT…. Afinal… Essa é, apenas, uma breve apresentação… Até a próxima!!

 

Referências:

Behavioral Tech (2015). What is DBT. Recuperado em 29 de novembro, 2015, http://behavioraltech.org/resources/whatisdbt.cfm.

Dimeff, L. A.,  & Koerner, K. (2007)  Dialectical Behavior Therapy in  clinical practice: applications across disorders and settings. New York: Guilford Press.

Koerner, K. (2012) Doing dialectical behavior therapy: a practical guide. New York: Guilford Press.

Linehan, M. M., Armstrong, H. E., Suarez, A., Allmon, D., & Heard, H. L.  (1991). Cognitive-behavioral treatment of chronically parasuicidal borderline patients. Archives of General Psychiatry, 48, 1060-1064.

Linehan, M. M. (2010a). Terapia cognitivo-comportamental para o transtorno da personalidade borderline. Porto Alegre: Artmed.

Linehan, M. M. (2010b). Vencendo o transtorno da personalidade borderline com a terapia cognitivo-comporamental. Porto Alegre: Artmed.

Linehan, M. M. (2015). DBT skills training manual. New York: Guilford Press.

 

[1] A utilização da sigla em inglês DBT para referir-se a Terapia Comportamental Dialética deve-se a um acordo feito em 2014, em uma reunião dos terapeutas comportamentais dialéticos da América Latina, em Buenos Aires durante o DBT: Intensive Training, para padronizar a utilização dessa sigla em todos os idiomas.

 

5 6 votes
Article Rating

Escrito por Vinicius Dornelles

Psicólogo (PUCRS); Mestre em Psicologia (PUCRS); Especialista em Terapias Cognitivo-Comportamentais; Formação em Tratamentos Baseados em Evidênvias para o Transtorno da Personalidade Borderline (Fundación FORO - Argentina); Concluindo o Dialectical Behavior Therapy (DBT): Intensive Training (Behavioral Tech - EUA, Fundación FORO - Argentina); Sócio da International Society for the Study of Personality Disorders (ISSPD); Professor da faculdade de Psicologia da UNISINOS; Coordenador e professor da Especialização em Terapias Comportamentais Contextuais (InTCC); Professor e Supervisor da Especialização em Terapias Cognitivo-Comportamentais (InTCC); Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisa em Personalidade (GEP)

Dica de leitura: Autoconceito e Dificuldades de Aprendizagem na Escrita

III Encontro Goiano de Análise do Comportamento (III EGAC)