Conscientização em tempos de pandemia: o que aprendemos com outras experiências?

            A pandemia de coronavírus (COVID-19) tem movimentado diversos debates na sociedade. Um dos principais está relacionado a como engajar os indivíduos para o isolamento social durante a etapa de aceleração de contágio da doença. Apesar de termos poucas pesquisas da psicologia sobre esse tema em virtude da velocidade em que o vírus se alastrou pelo planeta, a Psicologia pode buscar formas de contribuir por meio de experiências de conscientização dos indivíduos em trabalhos com outras temáticas.

            As pesquisas sobre informação e conscientização sobre problemas de saúde muitas vezes utilizam-se de um termo em inglês (awareness) para discutir esse amplo campo. Apesar da novidade e das diferenças culturais que devem ser consideradas para a aplicação na realidade brasileira, uma pesquisa realizada na Arábia Saudita sobre a conscientização dos moradores de uma província sobre a Síndrome Respiratória do Oriente Médio, conhecida como MERS, pode fornecer caminhos interessantes. Essa síndrome tem a sua ocorrência, especialmente, na Arábia Saudita com mais de dois mil casos registrados entre 2012 e 2019 (World Health Organization, 2020). Nooh e colaboradores (2020) criaram uma escala com as características da doença para ser aplicada em uma região da Arábia Saudita com a população entre 20 e 60 anos. Apesar dos participantes indicarem saber da característica viral da MERS e de sua letalidade, poucos (14,3%) sabiam do seu período de incubação, característica fundamental para evitar o contágio. Em relação aos sintomas da doença, a maioria dos participantes apontaram de forma adequada os sintomas mais severos da MERS, porém os sintomas não relacionados a aspectos respiratórios tiveram pouca identificação. Esse é um dado importante sobre quais estratégias de saúde pública podem ser adotadas em relação ao coronavírus. A incubação do vírus e sua posterior transmissão pode ser diminuída com melhor conhecimento da população quanto às formas brandas, que a Organização Mundial de Saúde estima que ocorra em 78% dos casos (Day, 2020). Ou seja, é possível realizar um paralelo com a hipótese da OMS de que os casos assintomáticos ou pré-sintomáticos tem sido os responsáveis pela disseminação da doença, razão pela qual o isolamento social deve ser adotado (Wei et al., 2020).

            Nooh et al. (2020) também observaram que as campanhas do Ministério da Saúde, as redes sociais e a comunicação entre os indivíduos foram as primeiras formas de aumentar o conhecimento sobre a MERS naquela população. Contudo, para indivíduos com mais de 40 anos as principais formas de informação são os jornais, rádio e televisão. Ou seja, a construção de diferentes rotas de informação para diferentes públicos deve ser priorizada neste momento para o COVID-19. Em especial, em um país como o Brasil, com tantas diferenças sociais e econômicas entre os indivíduos, a possibilidade de acesso à informação de qualidade e facilitada deve ser prioridade (Villela, 2020).

A experiência da Psicologia com o aumento da informação e conscientização sobre uma temática pode ser exemplificada com o abuso sexual infantil. Mesmo nas sociedades em que esse tema tem sido discutido e a população sensibilizada, ainda há muito trabalho a fazer. Contudo, três níveis se tornam claros de atuação: individual, institucional e da sociedade. No nível individual o foco tem sido nas crianças, pais e cuidadores, bem como profissionais. No nível institucional, o foco está em como os membros de organizações que atuam com essa temática treinam seus profissionais e estabelecem respostas para essa forma de violência. E no nível da sociedade, como os líderes comunitários, religiosos, jurídicos, a mídia e o governo carregam o peso de serem as principais fontes de informação sobre o tema (Mathews & Collin-Vézina, 2016). Ou seja, a experiência da psicologia sobre a conscientização e sensibilização das pessoas para problemas complexos envolve diversos níveis e não garante, necessariamente, uma diminuição de casos, mas sim uma melhor forma de identificação e posterior cuidado com as vítimas.

Com isso, podemos observar algumas características na história da promoção de awareness para o abuso sexual infantil que podem ser estratégias úteis para a pandemia do coronavírus no Brasil. A primeira, seria uma massificação das informações em diferentes meios de comunicação tradicionais (rádio, televisão e jornais) combinados com as redes sociais. Essa informação de qualidade proveniente das figuras de destaque na sociedade pode auxiliar a dispersão desse conteúdo de forma rápida e atingindo maior público. Adicionalmente, informações nos níveis institucionais para os profissionais de saúde devem ser de fácil acesso a população. Estratégias de divulgação institucional e serviços de saúde através de telefones e internet parecem ser ferramentas com grande capacidade de potencializar os efeitos das informações institucionais (Li et al., 2012).

Como apontado por Matthews e Collin-Vézina (2016) em uma revisão sobre o awareness a respeito do abuso sexual infantil, talvez somente propagar a informação não seja suficiente. Aparentemente, melhores resultados de engajamento são alcançados promovendo a empatia entre os indivíduos. Ou seja, apenas falar sobre o abuso sexual em si, ou sobre o coronavírus, extrapolando para a nossa discussão atual, não parece ser capaz de engajar os indivíduos nos comportamentos de mudança, mas aumentam seus conhecimentos a respeito do tema. Para conseguir um aumento nos comportamentos que não afetam diretamente o indivíduo, mas podem afetar outras pessoas na sociedade (e.g. ficar em casa), estratégias focadas na empatia com os outros devem ser adotadas. Uma compreensão das consequências para outros indivíduos com fortalecimento da empatia poderia ser uma estratégia bem sucedida neste momento.

Em suma, apesar do coronavírus ter características não antes enfrentadas pela população, estratégias utilizadas para outros problemas podem ser úteis para melhor disseminação e controle da qualidade das informações. Essas informações e a conscientização por si não parecem afetar os comportamentos diretamente relacionados com a diminuição da propagação do vírus, mas podem servir para um engajamento maior de todos em situações potencialmente danosas.

Referências

Althobaity, H. M., Alharthi, R. A., Altowairqi, M. H., Alsufyani, Z. A., Aloufi, N. S., Altowairqi, A. E., … & Abdel-Moneim, A. S. (2017). Knowledge and awareness of Middle East respiratory syndrome coronavirus among Saudi and Non-Saudi Arabian pilgrims. International journal of health sciences, 11(5).

Day, M. (2020). Covid-19: four fifths of cases are asymptomatic, China figures indicate. British Medical Journal, 369. https://doi.org/10.1136/bmj.m1375

Li, J., Ray, P., Seale, H., & MacIntyre, R. (2012, January). An E-Health readiness assessment framework for public health services–Pandemic perspective. In 2012 45th Hawaii International Conference on System Sciences (pp. 2800-2809). IEEE.

Mathews, B., & Collin-Vézina, D. (2016). Child sexual abuse: Raising awareness and empathy is essential to promote new public health responses. Journal of public health policy, 37(3), 304-314.

Nooh, H. Z., Alshammary, R. H., Alenezy, J. M., Alrowaili, N. H., Alsharari, A. J., Alenzi, N. M., & Sabaa, H. E. (2020). Public awareness of coronavirus in Al-Jouf region, Saudi Arabia. Journal of Public Health, 1-8.

Villela, D. A. M. (2020). The value of mitigating epidemic peaks of COVID-19 for more effective public health responses. Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, 53.

Wei, W. E. (2020). Presymptomatic Transmission of SARS-CoV-2—Singapore, January 23–March 16, 2020. MMWR. Morbidity and Mortality Weekly Report, 69.

World Health Organization (2020). Middle East respiratory syndrome coronavirus (MERS-CoV). Disponível em https://www.who.int/en/news-room/fact-sheets/detail/middle-east-respiratory-syndrome-coronavirus-(mers-cov)

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Escrito por Sidnei R. Priolo Filho

Psicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos. Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Forense da Universidade Tuiuti do Paraná em Curitiba.

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