HOMECOMING A film by Beyoncé – Uma Análise pela perspectiva Comportamental

No documentário Homecoming – A film by Beyoncé, é possível perceber que ela assume seu compromisso no combate ao racismo. Suas falas, atitudes e a composição da banda expressam a representatividade de serem negros ao ocuparem um espaço onde a maioria sempre foi branca. Além disso, a cantora valoriza a cultura negra ao fazer citações de escritores e militantes negros, usar vestuário étnico e dar visibilidade aos negros quando os mesmos contam ao longo do documentário suas conquistas e avanços, além de dar visibilidade à luta feminista em sua apresentação ao incentivar a equidade entre homens e mulheres e por cantar músicas de emancipação e liberdade.  

ANALISANDO O RACISMO PELA ANÁLISE DO COMPORTAMENTO

É importante partir do básico e definir preconceito e estereótipo sob a ótica da análise do comportamento para, assim, construir uma discussão que possa dar conta de combater o racismo. O “racismo, sendo uma ideologia, busca legitimar estereótipos e preconceitos’” (Fleuri, 2006, p. 498), sendo que preconceitos estão relacionados aos estereótipos, entendidos como um “conjunto de crenças sobre os atributos pessoais de um grupo de indivíduos” (Ashmore e Del Boca apud Mizael e de Rose, 2017, p.366) expressas como comportamentos públicos e privados. 

Ações e pensamentos (crenças) para a análise do comportamento, são compreendidos como comportamento operante. Dessa forma, o racismo pode ser interpretado como um comportamento que pode ser aprendido em razão das relações estabelecidas entre o comportamento e as consequências ambientais. Pode também ser aprendido por imitação ou instrução. Em novelas vemos negros em posições e trabalhos subalternos e, quando não existe questionamento sobre isso ou o porquê isso acontece, naturalizamos e aprendemos essas diferenças como normais sem perceber que é discriminação. 

Segundo Roque Laraia (2009, p. 67), “nossa herança cultural, desenvolvida através de inúmeras gerações, sempre nos condicionou a reagir depreciativamente em relação ao comportamento daqueles que agem fora dos padrões aceitos pela maioria da comunidade”. Historicamente os negros brasileiros ocuparam um lugar de inferioridade, inicialmente como escravizados e depois da abolição da escravatura, sem auxílio do governo vigente, foram marginalizados. Essa marginalização da população negra tem diversas ramificações, por exemplo, o fato de grande parte dos elementos da cultura negra serem vistos como ‘ruins’ ou ‘inadequados’ (seja religião, dança, capoeira que foi por anos proibida, cabelo, etc). A população branca manteve seus ideais racistas, tanto assim que depois da abolição as principais mãos de obras do país eram de europeus, enquanto os negros, aptos a realizar diversos serviços, não eram contratados.

Deveria causar estranhamento o racismo ter se sustentado por mais de um século após a abolição. Mas o fato de continuar ocorrendo, demarca que o racismo ainda está sendo ensinado e aprendido. Beyoncé em sua apresentação diz que o mundo quer que as mulheres negras fiquem em seu “canto”, mas ela, fruto de um conjunto de contingências que construíram uma mulher feminista e integrante do movimento negro, se opõe a essas afirmações. É possível dizer que de certa forma ela está ressignificando a negritude.  Em outras palavras, existem respostas de opressão aos negros, por exemplo classificá-los como inferiores e negar-lhes direitos, que foram socialmente reforçadas dentro do contexto da época da escravatura. Essas respostas, muitas vezes com respaldo do Estado, ainda hoje são reforçadas socialmente e expressas sem qualquer punição e tornam possíveis as contingências que permitem ao racismo continuar ocorrendo. A cantora emite respostas diferentes das previstas (ter uma banda e balé somente com pessoas negras, denunciar a violência que as mulheres sofrem com um trecho de entrevista do Malcolm X que diz que a mulher mais negligenciada, desprotegida e desrespeitada dos Estados Unidos é a mulher negra) que, de certa maneira, configuram um ambiente onde respostas de valorização dos negros são estabelecidas, por exemplo pela conscientização em massa de que mulheres negras não precisam ser relegadas a um canto definido por outros.  

O racismo apresenta-se em múltiplas expressões como no tratamento diferencial de pessoas negras nas periferias ou quando ocupam lugares que sempre foram ocupados por pessoas brancas. Em casos como estes, o racismo que pode ser um evento interno privado (como pensamentos) e também aparecer como evento externo público, como nas resistências e críticas às cotas raciais. Quando as pessoas, por exemplo, se posicionam contra as cotas raciais, a questão se volta para os negros ocupando a universidade, ou seja, sendo inseridos num ambiente que sempre foi majoritariamente branco. 

A análise do comportamento possui tecnologia para compreender e, mesmo, combater essa questão emergencial, sendo necessária compreendê-la. Mizael e de Rose (2017, p.368) afirmam em Teoria das Molduras Relacionais (RTF) que “(…) não é necessário ensinar diretamente ao indivíduo a relação “preto-ruim”, por exemplo, porque ela pode ser derivada a partir das mais variadas relações (e.g. ao aprender que a cor preta está relacionada com o luto, o luto, por sua vez, relacionado com a morte, e que a morte é considerada, pelo menos na cultura ocidental, como algo ruim, um indivíduo pode derivar a relação de coordenação supracitada – note-se que o termo “coordenação”, (…), compreende as relações que são tradicionalmente denominadas de “equivalência”)”. 

A psicologia precisa estar comprometida em combater as diversas formas de discriminação. A análise do comportamento, uma abordagem científica da psicologia, precisa também afirmar seu compromisso ético em combater discriminações como o racismo que causa sofrimento à população negra. 

Referências

FLEURI, R. (2006). Políticas da diferença: Para além dos estereótipos na prática educacional. 

Educação & Sociedade, Campinas, 27, 95, 495 – 520

LARAIA, R. de B. (2009). Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro, Editora Zahar 

MIZAEL, T. M.; de ROSE, J. C. (2017). Análise do Comportamento e Preconceito Racial: Possibilidades de Interpretação e Desafios. Act Comportamentalia: Revista Latina de Análisis de Comportamento, Veracruz, 25, 3, 365 – 377 


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Escrito por Milena N. Lemos

Cursa psicologia pela Universidade Federal Fluminense, coordenadora discente do projeto de extensão do Núcleo ÍTACA (Núcleo de Intervenções e Terapia em Análise do Comportamento Aplicada). Tem interesse pelas áreas de sexualidade, gênero, cultura e movimentos sociais pela perspectiva analítica comportamental.

Curso: “Estratégias de intervenção clínica na ACT”

Não acaba aqui: Encerrando a Terapia de Aceitação e Compromisso