A INTERVENÇÃO DA TERAPIA OCUPACIONAL SOB A PERSPECTIVA ANALÍTICO COMPORTAMENTAL

Identifica-se no TEA várias características pertinentes à intervenção multiprofissional, por ser um transtorno complexo e invasivo que acomete ao longo da vida varias áreas do desenvolvimento (motor, verbal e social), portanto, no Grupo Gradual, sob o olhar da costura analítico-comportamental, atuam as áreas de Terapia Ocupacional, Fonoaudiologia, Educação Física, Psicopedagogia, Ensino Música e nutricionista. Diante das demandas dos atendimentos realizados pela equipe transdisciplinar temos a supervisão coletiva que ocorre diariamente que faz parte do modelo de atendimento de Análise do Comportamento, bem como durante os atendimentos os profissionais das diferentes áreas usam recursos comportamentais pertinentes a ciência da análise do comportamento aplicada (BAER, WOLF, RISLEY, 1968).

Sendo assim, neste contexto, discorreremos sobre a atuação do profissional da Terapia Ocupacional em crianças com TEA destacando dois exemplos de atividades, assim como abordaremos “o fazer” da criança como papel ocupacional. O profissional da Terapia Ocupacional tem como base da sua formação a atuação nas ocupações humanas, por este foco, a pergunta que nós fazemos é: qual é o papel da criança em nossa sociedade?

A criança tem o papel ocupacional do brincar, frequentar a escola (a depender da idade), ter seus momentos de lazer, descanso, AVDs – Atividades de Vida Diária (FERIOTTI, 2017), entre outras atividades da infância. Neste panorama, identifica-se que as crianças com TEA apresentam atrasos significativos no seu desenvolvimento neuropsicomotor, tornando-as dependentes na maioria de suas atividades, descaracterizando-as das suas ocupações principais. Com a “costura analítico-comportamental”, feita pela transdisciplinariedade da equipe, conseguimos estimular as potencialidades de cada criança de forma única, favorecendo o “fazer humano da infância” com base na especificidade de Terapia Ocupacional.

Um dos déficits encontrados nas crianças com TEA são as habilidades motoras (DSM-V, 2014). Tais competências são exigidas nas mais variadas fases de nossa vida e nos diversos contextos que se vive (TROMBLY, 1995). Nesse sentido, tem-se dois grandes grupos: as habilidades motoras grossas ou globais e as habilidades motoras finas (PESSOA, 2003). Nas crianças, os déficits motores podem acarretar diversos prejuízos na sua independência, autonomia e interação social e, em especial, na fase pré-escolar e escolar as dificuldades na coordenação motora fina ficam evidenciadas devido as exigências desse ciclo. Nesta perspectiva, encontra-se estudos que fortalecem o atendimento da Terapia Ocupacional com crianças com TEA, independentemente da abordagem utilizada, para favorecer o desenvolvimento, a independência e a inclusão social (MINATEL, 2013).

No Grupo Gradual uma das áreas da terapia ocupacional é o acompanhamento do desenvolvimento da coordenação motora fina, sendo esta uma habilidade refinada por meio da qual a criança consegue escrever, desenhar, costurar, usar tesouras, talheres e outras diversas atividades que exijam controle da força e precisão (PESSOA, 2003). Neste âmbito, a motricidade fina exige um controle de pequenos músculos de certos segmentos do corpo afim de executar uma tarefa complexa e minuciosa envolvendo a coordenação objeto/olho/mão (ROSA NETO, 2002), habilidade essa que é inicialmente responsável pelos movimentos da mão no espaço e posteriormente por atividades de agarrar/lançar, manipular, resultando em uma execução conjunta entre olho e mão (OLIVEIRA, 2002). Nesta perspectiva atuamos com currículos e programas pertinentes a cada habilidade que a criança precisa adquirir e/ou refinar, registrando, por exemplo, tipo de ajuda, tentativas realizadas.

Para execução de uma atividade complexa envolvendo objeto/olho/mão é necessário que a criança tenha um controle proximal (ombros, braços e antebraços) para controlar os movimentos da mão (distal) (FONSECA; BELTRAME; TKAC, 2008) que estão diretamente relacionados às atividades escolares e atividades de vida diária.

Nesta perspectiva apresentamos a imagem um, na qual a terapeuta ocupacional identificou algumas características dessa criança, como por exemplo, tônus baixo, hiperextensão de braços e pobre dissociação dos movimentos de membros superiores. Tais características são representadas por poucos ajustes distais e baixa precisão para manipulação de pequenos objetos acarretando em uma pobre destreza manual. Brincadeiras que favoreçam o ganho de força de membros superiores (MMSS) e a destreza manual são o foco desta intervenção para, futuramente, conseguirmos observar uma melhora nas atividades pré-grafomotoras (cópia de círculos, linhas verticais e horizontais, completar tracejados). Podemos observar na imagem, que a criança está atenta à atividade, mostrando o bom engajamento com a mesma, assim como uma das ferramentas (economia de fichas) da ABA está sendo utilizada. Neste procedimento a criança ganha uma ficha por resposta emitida corretamente frente a uma demanda e, no final da atividade, troca as fichas pelo reforçador concreto (recursos comportamentais). O objetivo desta técnica é que a criança consiga manter sua motivação até fazer todas as etapas da atividade selecionada pela terapeuta ocupacional.

Imagem 1: Treino de Força de membros superiores com massinha de silicone

Na imagem dois destaca-se o treino de uma atividade que está diretamente relacionada às AVDs e interligada à coordenação motora fina. Esse treino é essencial para a rotina da criança promovendo repertório de pré-requisito, por exemplo, da habilidade de “abrir uma garrafa”, atividade essa que, generalizando, poderá proporcionar mais autonomia e independência diante de um contexto de escola, casa e lugares de interação social em um momento de alimentação. Analisando a atividade da foto, tem-se que é uma demanda com baixo custo de resposta comparando-se a uma atividade real com garrafa e tampa. Ressalta-se, portanto, que ainda é uma habilidade que precisa ser mais treinada com a criança, e diante disso a mantivemos em plano reto com ajuda gestual da terapeuta, e com descarga do membro superior esquerdo. Em contexto funcional a criança teria que usar uma mão para estabilizar e segurar a garrafa e a outra mão abrir a tampa da garrafa. Além da atividade da terapia ocupacional, vemos na foto o uso de outra ferramenta importante da ABA: o uso de pistas visuais para manejo do comportamento de colaboração na atividade. Neste caso, a TO usa um combinado visual, mostrando que primeiro a criança deverá cumprir a atividade proposta e, depois, poderá ter um intervalo. Essa previsibilidade de acontecimentos contribui para a motivação e aceitação da criança durante as demandas, evitando comportamento de fuga.

Imagem 2: Treino de roscas com tampinhas de garrafa.

Nas duas imagens apresentadas destacamos a costura analítico-comportamental presente durante os atendimentos de terapia ocupacional, tais como economia de ficha e combinado visual (atividade e intervalo). Outros instrumentos também fazem parte dos nossos atendimentos da TO, tais como rotina de sessão, cardápio de reforço personalizado e registros.

No contexto apresentado neste artigo, destacamos a importância da intervenção da terapia ocupacional nos diversos contextos em que as crianças com TEA estão inseridas, assim como a atuação deste profissional que, junto à equipe de intervenção comportamental, é rica e muito válida diante das demandas enfrentadas por essas crianças.

REFERÊNCIAS:

AMERICAN PSYCHIATRY ASSOCIATION. DIAGNOSTIC AND STATISTICAL MANUAL OF MENTAL DISORDERS – DSM-5. 5th.ed. Washington: American Psychiatric Association, 2014

BAER, D. M., WOLF, M. M., RISLEY, T. R. Some Current Dimensions of Applied Behavior Analysis. Journal of Applied Behavior Analysis, 1968.

FERIOTTI, M. L. Construcción de la identidad profesional del terapeuta ocupacional en el marco epistemológico actual: una mirada particular desde Brasil. TOG (A Coruña), v. 14, n. 25, março/2017, p. 17-31.

FONSECA, F. R.; BELTRAME, T. S.; TKAC, C. M. Relação entre o nível de desenvolvimento motor e variá‑ veis do contexto de desenvolvimento de crianças. Revista da Educação Física/UEM, Maringa, v. 19, n. 2, p. 183194, 2008.

MINATEL MM. Cotidiano, demandas e apoio social de famílias de crianças e adolescentes com autismo [Dissertação].  São Carlos: Programa de Pós-Graduação em Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos; 2013

OLIVEIRA, G. C. Psicomotricidade: educação e reeducação num enfoque psicopedagógico. Petrópolis: Editora Vozes, 2002

PESSOA, J. H. L. Desenvolvimento da criança, uma vi‑ são pediátrica. Sinopse de Pediatria, São Paulo, v. 9, n. 3, p. 72-77, 2003

ROSA NETO, F. Manual de avaliação motora. Porto Alegre: Artmed, 2002 TROMBLY, C. A. (1995). Occupation: Purposefulness and meaningfulness as therapeutic mechanisms (Eleanor Clarke Slagle Lecture). American Journal of Occupational Therapy, 49, 960–972. http://dx.doi.org/10.5014/ajot.49.10.960.

AUTORAS:

Cristina Camargo: CREFITO 3-14379 – Terapeuta ocupacional, graduada pela UNESP, doutora em Fisioterapia e Mestre em terapia ocupacional pela UFSCAR, especialista em Neurologia e Neuropediatria. Experiência em atendimentos pediátricos de autistas, síndromes e paralisia cerebral. Atualmente terapeuta ocupacional no Grupo Gradual.

Amanda Tavares Gomes: CREFITO 18013-TO – Terapeuta ocupacional, graduada pela UNESP, pós graduada em Neurologia aplicada à terapia ocupacional pelo Albert Einstein, experiência em atendimentos pediátricos de autistas, síndromes e paralisia cerebral. Atualmente terapeuta ocupacional no Grupo Gradual.

Claudia Romano: Sócia co-fundadora da Gradual. Possui graduação em psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2003) e Mestrado (2005) e Doutorado (2014) em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

Leila Bagaiolo: Sócia co-fundadora da Gradual. Possui graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2000), Mestrado em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2003) e Doutorado em Psicologia (Psicologia Experimental) pela Universidade de São Paulo (2009).

Juliana Godoi: Possui graduação em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2006), Mestrado em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2009). Atualmente é Psicóloga da Equipe de Viagem da Gradual – Grupo de Intervenção Comportamental.

5 1 vote
Article Rating
Avatar photo

Escrito por Grupo Gradual

Nós buscamos promover o desenvolvimento social, intelectual e afetivo de indivíduos com desenvolvimento atípico, a partir do acolhimento e capacitação daqueles que lidam, amam e participam do cotidiano dessas pessoas, e promover a difusão e desenvolvimento da análise do comportamento aplicada no Brasil (participação em Congressos, cursos de formação, workshops,consultoria para instituições e participação em grupos de estudos).

O que seria esse tal de “Hexaflex”? Entendendo o conceito de Flexibilidade Psicológica em ACT.

Instituto Continuum: Atenção para a programação das próximas semanas!