Afinal, o que a análise do comportamento tem a falar sobre autocontrole?

Falar a partir de um viés analítico-comportamental sobre qualquer fenômeno humano amplamente presente nas discussões populares é sempre um desafio, visto que nossa comunidade verbal está impregnada por uma visão internalista. E não seria diferente ao se tratar de autocontrole. Provavelmente você já tenha ouvido e/ou até falado sobre controle do próprio comportamento em conversas no seu dia a dia, ou talvez tenha visto alguma obra de ficção (filme, novela, livro e etc.). Socialmente, autocontrole surge de algumas formas, e muitas vezes diferem de uma perspectiva funcional. Em alguns momentos pode surgir com outros termos, tais como: força de vontade e determinação. Em outras ocasiões pode ser visto como sinal de fraqueza, por exemplo, é comum ouvir comentários do tipo: “Fulano foi fraco” ou “Fulano não se controlou” ou até mesmo “Fulano não resistiu à tentação”, em situações em que uma pessoa fez algo que foi contra a um compromisso firmado (Fugir da dieta; voltar a fumar; assistir mais um episódio de uma serie mesmo com tarefas a serem feitas).

Como já exposto acima, uma interpretação analítico-comportamental difere um pouco do que pode ser observado socialmente. Em 1953, em seu livro intitulado Ciência e comportamento humano, Skinner dedica um capítulo inteiro para falar sobre autocontrole, onde ele apresenta a seguinte definição: “Com frequência o indivíduo vem a controlar parte de seu próprio comportamento quando uma resposta tem consequências que provocam conflitos – quando leva tanto a reforço positivo quanto a negativo. ” (p. 252)  

Mais à frente, no mesmo capítulo, Skinner inclui mais dois elementos em sua definição: resposta controladora e resposta controlada. A resposta controladora é descrita como uma resposta que pode modificar uma ou mais variáveis das quais a resposta controlada é função, alterando assim a contingência, e consequentemente, modificando a probabilidade da resposta conflitante (controlada) vir a ser emitida. Então, com base no exposto, autocontrole pode ser entendido como a resposta (controladora) que modifica o ambiente do próprio indivíduo que a emitiu em função de consequências conflitantes (Nico, 2001).

Apesar de Skinner ter publicado alguns escritos sobre autocontrole, ele nunca estudou experimentalmente esse comportamento (Hanna & Todorov, 2002). No entanto, suas publicações contribuíram imensamente para os analistas do comportamento que desenvolveram estudos voltados a investigação deste comportamento no laboratório. E em se tratado de pesquisa básica e autocontrole, não teria como deixar de citar dois grandes contribuintes dos estudos deste comportamento: Howard Rachlin e Walter Mischel (Psicólogo cognitivista). Rachlin, desenvolveu em 1972, juntamente a Leonard Green o primeiro modelo experimental de autocontrole da Análise do comportamento, denominado de compromisso (originalmente, commitment), com base neste modelo experimental desenvolveu-se diversos estudos com pombos e humanos. Mischel, em 1970 desenvolveu em conjunto a Ebbesen um modelo experimental denominado de atraso de gratificação, que foi amplamente utilizado por analistas do comportamento.

Matos e Bernardes (2011) realizaram uma extensa análise dos modelos acima citados através de pesquisas conduzidas por estes modelos. O modelo de compromisso foi inicialmente apresentando na pesquisa com pombos conduzida por Rachlin e Green em 1972. Para estes autores autocontrole é uma resposta de compromisso com um reforçador atrasado e de alta magnitude em detrimento de um reforçador imediato e de baixa magnitude. Em Rachlin et al. (1987) houve uma alteração no modelo, os autores substituíram o atraso do reforço pela variável probabilidade de apresentação do estímulo reforçador (Matos & Bernardes, 2011). E a partir dos dados obtidos, estes autores notaram que o atraso e probabilidade de apresentação do reforçador são funcionalmente semelhantes neste contexto.

O modelo de atraso de gratificação possui algumas semelhanças com o modelo de compromisso. Neste modelo também são manipuladas as variáveis magnitude e tempo de apresentação do reforçador. No entanto, nos estudos conduzidos por Mischel em colaboração com outros autores (Mischel & Baker, 1975; Mischel & Ebbesen, 1970; Mischel, Ebbesen & Zeiss, 1972), os pesquisadores deram grande atenção ao que o indivíduo fazia enquanto esperava pelo reforçador maior e atrasado. E observaram que está engajado em alguma atividade contribui na espera pelo reforçador maior (Kerbauy & Buzzo, 1981).

Bernardes (2001) replicou um estudo conduzido por Mischel, Ebbesen e Zeiss (1972) mundialmente conhecido como teste do mashmallow, que consiste em deixar uma criança sozinha em uma sala experimental, onde a mesma aguarda pelo retorno do pesquisador para que assim possa receber o reforçador maior e atrasado (doce), ou toca uma campainha se caso não quisesse espera até o pesquisador retornar, e receberia um reforço menor. É importante comentar que os participantes desse experimento não sabiam quanto tempo deveriam esperar pelo retorno do pesquisador.

Na replicação conduzida por Bernardes (2011) as crianças eram deixadas na sala com um chocolate e eram orientadas a esperar o pesquisador retornar à sala para que pudessem receber dois chocolates (reforçador maior), se caso não quisessem esperar o retorno dele, poderiam tocar um sino disposto na mesa para interromper o tempo de espera e receber um chocolate (reforçador menor). O experimento foi divido em três condições experimentais, uma em que as crianças esperavam sozinhas, outra em que ficavam acompanhadas de um fantoche e outra em que ficavam em duplas. Na condição experimental sozinho houve o menor número de respostas por minuto, e dos quatro participantes, dois esperaram pelo reforçador maior. Na condição experimental fantoche todos os três participantes esperaram o retorno do pesquisador. E na condição experimental duplas houve as maiores taxas de respostas por minuto, e das quatro duplas participantes, apenas uma não esperou pelo tempo total. Diante do exposto, podemos inferir que estímulos presentes no momento de espera aumentam as taxas de respostas e, consequentemente, aumentam o tempo de espera pelo reforçador maior.

O estudo do autocontrole pode trazer diversos benefícios tanto para os indivíduos quanto para os grupos, visto que nossa sociedade caminha cada vez mais para um ritmo de vida acelerado e com grande disponibilidade de estímulos de maneira imediata. As comidas são preparadas mais rápidas, as noticiais se espalham em velocidade recorde, até os de relacionamento são estabelecidos de forma instantânea com o advento das redes sociais e aplicativos de relacionamento, e tudo isso pode dificultar o engajamento das pessoas em comportamentos que fogem deste padrão imediatista, ou seja, comportamentos com alto custo de resposta e reforçados com atraso.

Então, estudar comportamentos como o de autocontrole pode ajudar na mudança de práticas culturais que trazem prejuízos aos indivíduos, pois como diz o ditado “tudo demais é veneno”.

 

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

Bernades, L. A. (2011). O que acontece durante o período de espera? Contribuições para o estudo do autocontrole. Dissertação de mestrado. Programa de Estudos pós-graduação em Psicologia Experimental: Análise do comportamento da Pontifica Universidade Católica de São Paulo.

Cruz, R. N. Uma Introdução ao Conceito de Autocontrole Proposto pela Análise do Comportamento. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 8, p. 85-94, 2006.

Hanna, E. S.; Todorov, J. C. Modelos de autocontrole na análise experimental do comportamento: utilidade e crítica. Psicologia: Teoria e Pesquisa (UnB. Impresso), Brasília, v. 18, n.0, p. 337-343, 2002.

Kerbauy, R. R. & Buzzo, M. P. Descrição de algumas variáveis no comportamento de esperar por recompensas previamente escolhidas. Psicologia – USP,2(1/2):77-84,1991.

Matos, D. C. de; Bernardes, L. A. Autocontrole: uma análise dos modelos experimentais do compromisso e do atraso da gratificação. In: Candido V. B. B. Pessôa, Carlos Eduardo Costa e Marcelo Frota Benvenuti. (Org.). Comportamento em Foco. 1ed.São Paulo: Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental, 2012, v. 1, p. 387-399.

Nico, Y.C. (2001). A Contribuição de B.F Skinner para o ensino do autocontrole como objetivo de educação. Dissertação de mestrado, Programa de estudos pós-graduação em Psicologia experimental: Análise do comportamento. São Paulo – SP.

Skinner, B. F. (2000). Ciência e comportamento humano. Tradução de J.C Todorov e R. Azzi. São Paulo: Martins Fontes.

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Escrito por Gabriel Rodrigues

Graduado em Psicologia.
Pós graduando em Psicoterapias comportamentais de terceira geração.

Curso: “ACT e Dependência Química”

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