Reflexões sobre a terapia do terapeuta

Não é novidade para qualquer psicólogo ou estudante de psicologia a importância da terapia pessoal do terapeuta. Desde o início da graduação, muitos professores já sinalizam essa importância, sobretudo, é claro, para quem for atuar na clínica.

Muito embora isso seja do conhecimento de todos, será que esse conhecimento se reflete na prática? Ou seja, será que os psicólogos e estudantes realmente valorizam e buscam o seu processo terapêutico pessoal? Por que há tão pouco material sistemático sobre o tema?

Irei me deter sobre dois aspectos deste tema: a questão da empatia e a questão da abordagem teórica. Também irei me basear nas minhas próprias experiências enquanto cliente/paciente. Isso não significa que não existam diversas outras variáveis que poderiam ser exploradas dentro desse assunto.

Sobre a empatia, definida como a capacidade de perceber o sentimento da outra pessoa e expressar compreensão sobre ele (Roberts e Stryer, 1996, citados por Del Prette e Del Prette, 2010), torna-se muito mais fácil desenvolvê-la com o cliente se você já esteve no lugar dele. Ou seja, ao se submeter a um processo terapêutico, o terapeuta tem a oportunidade de vivenciar na prática as dificuldades em falar de assuntos difíceis, em abrir suas “feridas” para um desconhecido, ser ouvido de modo especial, perceber suas resistências e assim por diante.

Yalom (2006) defende que a psicoterapia pessoal é a parte mais importante do treinamento profissional e permite que o terapeuta vivencie muitos aspectos do processo terapêutico ao se colocar no lugar do cliente, como a tendência a idealizar o terapeuta, a ânsia de dependência, a gratidão para com um ouvinte preocupado e atento, o poder concedido ao terapeuta e assim por diante.

Certamente, estas experiências irão facilitar o trabalho quando os papéis se inverterem. Isso porque o terapeuta já terá vivenciado na pele as dificuldades de ser cliente. Por mais que ele estude teoricamente, a compreensão a partir da vivência prática se torna muito mais ampla, mais “afetiva”, digamos assim. Se o cliente está relutante em falar sobre algum assunto com o terapeuta, este pode até compreender teoricamente os motivos desta relutância, mas não será a mesma coisa se o próprio terapeuta já esteve relutante em falar com seu terapeuta. São níveis de compreensão diferentes.

Na supervisão em FAP, por exemplo, Kohlenberg e Tsai (1991/2006) relatam que a FAP não é ensinada apenas didaticamente, mas principalmente experiencialmente. Na terapia pessoal, o princípio também é válido, pois ao fazer terapia, o terapeuta não está aprendendo a ser terapeuta didaticamente, mas está em contato emocional com a contingência em vigor no seu trabalho, mas no papel inverso.

Em um dos processos terapêuticos pelos quais passei, percebia que deixava de falar certos assuntos por sentir que o terapeuta (por inúmeras razões) não iria compreender a importância daquilo, embora fosse muito importante. O resultado era uma certa frustração por não falar sobre algo que eu desejava, e isso comprometeu o processo. Levando para a minha prática, passei a ficar mais atento no sentido de sinalizar para o cliente que qualquer coisa que ele trouxesse à sessão era importante.

Estando em terapia, o terapeuta também tem a oportunidade de ver realmente como o seu terapeuta conduz as sessões, como se organiza, e servir de modelo ou não para ele. Posso afirmar com boa segurança que meu repertório terapêutico foi bastante modelado por um terapeuta que tive há uns 9 anos atrás. Além de ter sido efetivo em termos de resultados, eu admirava o seu conhecimento, a sua forma de se expressar e conduzir as sessões. Até hoje, ainda “me flagro” emitindo comportamentos semelhantes aos dele na clínica.

Em relação à abordagem teórica, minha posição pessoal é a de que devemos ter abertura para buscar um terapeuta que, além de afinidades teóricas, tenha afinidades afetivas conosco. Ou seja, não adianta o terapeuta ser da mesma abordagem teórica que você se você não se sente à vontade com ele ou não enxerga nele uma real possibilidade de ajuda.

Não podemos fechar os olhos para o fato de que existem bons terapeutas em qualquer abordagem e o preconceito em relação a algumas delas na hora de procurar a própria terapia me parece improdutivo. Você pode perfeitamente ser um terapeuta comportamental e se beneficiar bastante com um terapeuta humanista, por exemplo. Por outro lado, pode ser que uma terapia comportamental não seja útil para você, mesmo que você trabalhe com essa abordagem.

Ao longo da vida, já passei por diversas abordagens teóricas enquanto cliente. O que pude perceber é que, em termos de ajuda, a abordagem teórica pesou menos do que outras variáveis específicas do terapeuta, como o acolhimento, atenção, empatia, etc.

É evidente que isso varia de terapeuta para terapeuta. Alguns vão preferir escolher terapeutas da mesma abordagem, outros vão preferir escolher terapeutas de abordagens diferentes e outros vão ser indiferentes à esta questão. O importante é que, enquanto cliente, você também vai aprender sobre a própria abordagem com seu terapeuta. Segundo Yalom (2006), não existe uma melhor maneira de aprender sobre uma abordagem terapêutica do que entrar nela como paciente.

Nesse sentido, é recomendável, sim, que terapeutas comportamentais tenham pelo menos uma experiência enquanto cliente com a terapia comportamental (me refiro especificamente às terapias analítico-comportamentais). Não sendo possível, procurar uma abordagem próxima, como a cognitivo-comportamental, pode ser uma alternativa.

Para finalizar, entendo que algumas sutilezas de “ser terapeuta” só podem ser percebidas e aprendidas em uma terapia pessoal. Não há estudo teórico, supervisão, cursos, seminários que substituam esse espaço. Ainda que em alguns destes eventos haja simulações de atendimento ou dramatização de sessões. Não é a mesma coisa.

Como destaquei no início, só a terapia pessoal é capaz refinar o comportamento empático do terapeuta de tal forma que o mesmo consiga literalmente se colocar no lugar do cliente. E essa é, talvez, a nossa principal ferramenta de trabalho. Fazer terapia não deixa também de ser uma questão ética, uma vez que o autoconhecimento e o gerenciamento de conflitos pessoais são necessários para melhor atender aquele que nos procura.

Referências:

Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2010). Psicologia das habilidades sociais: Terapia, educação e trabalho. Petrópolis: Vozes.

Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (1991/2006). Psicoterapia analítica funcional: Criando relações terapêuticas intensas e curativas. Santo André: ESETec.

Yalom, I. D. (2006). Os desafios da terapia: Reflexões para pacientes e terapeutas. Rio de Janeiro: Ediouro.

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Escrito por Pedro Gouvea

Psicólogo. Especialista em Análise Comportamental Clínica pelo Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento. Especialista em Docência do Ensino Superior pela AVM Educacional/UCAM. Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental pelo Centro de Psicologia Aplicada e Formação/UCAM. Atua como psicólogo clínico e em instituição de acolhimento para idosos. Tem interesse principalmente pelos seguintes temas: Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) e Psicopatologias/Comportamentos que envolvem a ansiedade social, como o transtorno de ansiedade social (fobia social), timidez, introversão e personalidade evitativa. E-mail para contato: pedrow.gouvea@gmail.com

QUAL É A FUNÇÃO?

Coluna RFT: Características formais e funcionais na definição de comportamento verbal

Curso: “FAP, Seus Paralelos Funcionais e o Decorrente Preparo do Terapeuta”