O papel da aceitação na Terapia Comportamental Integrativa de Casal (IBCT)

“Quando nós [terapeutas] somos eficazes, não somente se torna desnecessário para os parceiros mudarem um ao outro, quanto na realidade eles passam a apreciar e a amar um ao outro nas maneiras pelas quais são diferentes, não somente nas maneiras pelas quais são compatíveis” (Jacobson & Christensen, 1998, p. 92, tradução nossa).

As estratégias de aceitação desempenham um papel fundamental nas intervenções da Terapia Comportamental Integrativa de Casal – IBCT (Jacobson & Christensen, 1998). Manejar o comportamento polarizado de um casal exige habilidade do terapeuta nesse componente do protocolo, em virtude das intensas respostas emocionais que ambos os clientes podem apresentar, como resultado da exposição prolongada aos conflitos da relação. Tais respostas ocorrem tanto no contexto natural de convivência do casal quanto podem ocorrer no curso de desenvolvimento de uma sessão, em especial quando os parceiros iniciam alguma discussão relacionada ao seu tema e passam a vivenciar novamente a sensação de aprisionamento em seu conflito, o que corresponde à experiência privada descrita como armadilha mútua (para uma explanação geral sobre o protocolo da IBCT e seus conceitos-chave, ver o artigo anterior do autor aqui). 

As estratégias de aceitação da IBCT visam produzir efeitos em eventos privados, especialmente em razão dos membros do casal estarem inseridos em um contexto de inalterabilidade dos eventos públicos um do outro (Cordova & Jacobson, 1999). No entanto, é preciso clarificar a acepção de aceitação para a IBCT. Popularmente interpretada como sinônimo de resignação, a aceitação na IBCT não se confunde com tal noção, aproximando-se mais das definições léxicas de pegar ou receber algo oferecido, recepção favorável e aprovação. Adicionalmente, a aceitação possui duas características terapêuticas, a primeira é que ela intenciona transformar os problemas em veículos para a promoção de intimidade, que pode ser desenvolvida em razão dos problemas e não apesar deles. A segunda é auxiliar os parceiros a abrirem mão do esforço de mudar um ao outro, o que envolve tanto abrir mão das concepções prévias de que suas diferenças são intoleráveis, quanto de que devem remodelar um ao outro a partir de imagens idealizadas de como deveria ser o cônjuge (Jacobson & Christensen, 1998).

As estratégias específicas para promoção de aceitação na IBCT são a conexão empática em torno do problema, o distanciamento unificado e as de tolerância (no entanto, neste artigo iremos abordar somente as primeiras duas e tratar as de tolerância em uma próxima oportunidade, em virtude das suas distintas especificidades). Na conexão empática, o terapeuta deve tanto reformular o problema experienciado pelo casal, quanto os comportamentos negativos de cada parceiro, no contexto da formulação de caso (o princípio organizador da IBCT), que envolve a identificação do(s) tema(s), a análise DEEP e a(s) armadilha(s) mútua(s). Como é possível fazer isso? O comportamento negativo deve ser descrito como um exemplo das diferenças naturais entre o casal e a consequente polarização (rigidez e afastamento) é vista como uma reação compreensível, dado o contato dos parceiros com as diferenças um do outro. Nessa estratégia, é também fundamental o terapeuta salientar a dor emocional que cada parceiro vivencia em tais situações e os esforços infrutíferos que têm sido realizados pelo casal na tentativa de aliviar esse sofrimento. Assim, é útil considerar o seguinte “mantra” da IBCT: dor + acusação = discórdia conjugal; doracusação = aceitação [dor mais acusação é igual a discórdia conjugal; dor menos acusação é igual a aceitação] (Jacobson & Christensen, 1998; Christensen, Wheeler, Doss, & Jacobson, 2016).

Para ilustrar essa estratégia, imagine um casal que conflite sobre o tema de proximidade-independência. Ambos estão relatando ao terapeuta uma discussão que tiveram na semana anterior à sessão, sobre uma temporada que o marido irá passar fora do país, em virtude de uma oportunidade de trabalho. Na briga, ocorrida durante um final de dia ao se encontrarem em casa, a cliente ficou enraivecida, e exigiu que ele desistisse da proposta, acusando o marido de não se importar com o relacionamento deles, chamando-o de “egoísta” e “insensível”. Ele, visivelmente irritado, acusou-a de ser “neurótica” e uma pessoa “impossível de agradar”. Por fim, ele retirou-se para o quarto e a deixou sozinha na sala. Muito magoada, ela pensou em ir passar a noite na casa da mãe, mas depois desistiu da ideia.

O terapeuta pode reformular o incidente (tendo como base os elementos da sua formulação de caso), enfatizando que a briga se deu como resultado das diferenças que cada um tem sobre como lidar com as questões que envolvem estarem próximos ou distantes um do outro. No episódio da briga, a decisão do cliente de passar a temporada fora do país foi vivenciada pela esposa como um sinal de abandono (aqui, o terapeuta ressalta a sensibilidade emocional da cliente, já identificada anteriormente). Assim, ao entrar em contato com essa iminente perda, ela reagiu de forma mais intensa, “descontando” no marido. Quando sentimos que vamos perder algo que nos importa muito, podemos ficar muito reativos (aqui, o terapeuta valida a resposta da cliente). Por sua vez, o marido vivenciou essa situação como um sinal de tolhimento (aqui, o terapeuta ressalta a sensibilidade emocional do cliente, também já identificada anteriormente), pois para ele essa oportunidade de trabalho é necessária, e no seu ponto de vista, os “fins justificam os meios” (uma regra construída em sua história de vida), sendo natural sacrificar o seu tempo com a esposa em prol de benefícios maiores para ambos. Assim, ao perceber que ela não concordava com suas razões e valores, afastou-se, incompreendido. Quando nos sentimos contrariados, podemos “jogar a toalha” (aqui, o terapeuta valida a resposta do cliente).

Adicionalmente, para que seja promovida a empatia, é necessário utilizar a linguagem da aceitação (Jacobson & Christensen, 1998). Isso significa que o terapeuta deve falar sobre, e incentivar seus clientes a relatarem, a experiência privada de cada um ao invés de permitir que os parceiros se concentrem em relatos e inferências sobre o comportamento um do outro. Para tanto, devem ser incentivadas afirmações em primeira pessoa e o uso de revelações suaves (que mostram um eu vulnerável) ao invés de revelações duras (que mostram um eu dominante). Um exemplo disso seria a cliente do exemplo acima relatar: “Eu sinto medo de perder você quando discutimos sobre esse assunto” (revelação suave) ao invés de: “Você é um insensível que não considera os meus sentimentos” (revelação dura). Revelações suaves têm o efeito de abrandar o ouvinte e por isso, são fundamentais no diálogo conjugal e terapêutico.

A segunda estratégia, chamada de distanciamento unificado, visa promover uma visão distanciada e descritiva do conflito (ou seja, os clientes aprendem a discutir sobre o seu problema sem se carregarem emocionalmente com ele, envolvidos em uma mindfulness conjunta). Assim, é necessário conduzir o casal em uma análise intelectualizada do problema, enfatizando a sequência das interações conflitivas, os gatilhos para as reações de cada um e a inter-relação entre os incidentes específicos, um com o outro, e com o tema do casal. De forma cuidadosa, o terapeuta também evita culpar ou responsabilizar um dos parceiros pela mudança. Essa estratégia permite tratar o problema como se fosse um “isso” ao invés de um “você” ou um “eu”. O uso de humor e metáforas também são bem-vindos, desde que utilizados sem depreciar a nenhum dos parceiros. Também é possível nomear o tema, o padrão de interação e as armadilhas mútuas do casal (Jacobson & Christensen, 1998; Christensen et al., 2016).

No caso ilustrado acima, o terapeuta poderia, ao utilizar o distanciamento unificado, ajudar o casal a identificar alguns fatores críticos, como por exemplo: “Ser comunicada de surpresa sobre a decisão do seu marido (gatilho para ela), te pegou de ‘calças curtas’ (aqui o terapeuta pode também explorar as operações motivadoras em vigor, como por exemplo, a privação de contato com o marido durante o dia). Em seguida, você (marido) teve que lidar com uma reação emocional (gatilho para ele), o que acabou te deixando em ‘maus lençóis’. Na realidade, ambos foram pegos desprevenidos (inter-relação entre os incidentes) e acabaram por improvisar” (aqui, o terapeuta não culpa nenhum dos dois).

O uso de estratégias de aceitação é o que permite que as diferenças encontrem um ponto de confluência nas intrincadas engrenagens de uma vida em comum. Sem esse elemento, a polarização exerce um efeito devastador. Assim, para ampliar ainda mais o que significa a postura emocional da aceitação nesse contexto, Walser e Westrup (2009, p. 51, tradução nossa), sugerem o seguinte exercício terapêutico transcrito abaixo, na perspectiva da Terapia de Aceitação e Compromisso (em uma posição análoga a da IBCT). Leia e envolva-se, de maneira atenta e devagar, com as palavras da seguinte metáfora:

“Respire fundo algumas vezes e feche os seus olhos gentilmente. Imagine que você e o seu parceiro estão na iminência de se conhecerem. Você está em casa e a campainha toca. Quando você abre a porta, seu parceiro está parado lá com um buquê de rosas, sorrindo timidamente. Você pega as flores e sorri de volta. Seu parceiro então tira uma lista cuidadosamente impressa e entrega a você. Na lista estão todas as qualidades positivas dele. Você as lê cuidadosamente, notando aquelas que te importam mais. Quando você termina, olha para o seu parceiro, e ambos sorriem felizes. Então, ele hesitantemente coloca a mão no bolso de trás e tira um outro pedaço de papel e entrega a você. Também é uma lista, mas que está amarrotada, como se tivesse passado por um grande desgaste. Nela estão todas as fraquezas, peculiaridades, preocupações e déficits do seu parceiro. Você a lê vagarosamente, voltando naquelas que te preocupam mais intensamente. Quando você acaba, levanta os olhos para o seu parceiro, que está imóvel, simplesmente olhando. Depois de um longo momento, você dá um passo para trás, abre a porta um pouco mais e diz: ‘Pode entrar’”.

Referências:

Christensen, A., Wheeler, J. G., Doss, B. D., & Jacobson, N. S. (2016). Problemas do casal. In D. H. Barlow (Org.), Manual clínico dos transtornos psicológicos: tratamento passo a passo (pp. 697-724). Porto Alegre: Artmed.

Cordova, J. V. & Jacobson, N. S. (1999). Crise de casais. In D. H. Barlow (Org.), Manual clínico dos transtornos psicológicos (pp. 535-567). Porto Alegre: Artmed.

Jacobson, N. S. & Christensen, A. (1998). Acceptance and change in couple therapy: a therapist’s guide to transforming relationships. New York: Norton.

Walser, R. D. & Westrup, D. (2009). The mindful couple: how acceptance and mindfulness can lead you to the love you want. Oakland: New Harbinger.

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Escrito por Stélios Sant'Anna Sdoukos

Mestre em Análise do Comportamento pela Universidade Estadual de Londrina (UEL), com Formação em Terapia Comportamental e Cognitiva pelo CETECC (Curitiba) e Psicólogo (CRP-08/13140) pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). É terapeuta de adultos e casais, com atuação nas cidades de Apucarana e Londrina (PR) e docente de pós-graduação de Terapia Comportamental Integrativa de Casal (IBCT). Responsável Técnico da Operantis - Psicologia e Análise do Comportamento (CRP-08-PJ/01300).

PSICOTERAPIA ANALÍTICO FUNCIONAL (FAP) E TERAPIA EM GRUPO

Luto Humano como processo: refletindo aspectos teóricos e aplicando intervenções analítico-comportamentais