Dicas de materiais para a intervenção com TEA

Durante uma consultoria, na sala de espera do consultório da Terapeuta Ocupacional de uma cliente, presenciei uma conversa que me inspirou para este artigo. A mãe da minha cliente trouxe um giz de gel para a mãe de outra criança com TEA (Transtorno do Espectro do Autismo) testar com o filho dela, já que ambas estavam tendo dificuldades em desenvolver a habilidade de pintura com seus filhos. Então, a outra mãe comentou que testou também um pincel que solta tinta e foi ótimo! Em seguida, uma terceira mãe disse que a mãe da minha cliente sempre acha excelentes materiais para a intervenção com a filha dela e, por fim, a mãe da minha cliente disse que era tudo indicação minha… Foi aí que parei para pensar que, nesses 14 anos de atuação na intervenção com TEA eu descobri, testei, aprovei e recomendei para clientes alguns materiais que realmente ajudam muito no aprendizado e no desenvolvimento destas crianças. Então, porque não juntar algumas destas indicações aqui, para ficarem acessíveis a um maior número de famílias e profissionais? Aí vão algumas dica!

Muitas crianças com TEA apresentam atrasos nas habilidades motoras finas e, por isso, têm dificuldades com atividades grafomotoras. Além disso, frequentemente falta motivação para estas atividades, já que seus interesses são outros. Tenho observado que as crianças com TEA resistem muito a pintar desenhos, porque isso exige um alto custo de resposta (muitos movimentos com o lápis) para que então a atividade seja finalizada. Na verdade, isso não se restringe ao autismo… Minha filha, com desenvolvimento típico, teve essa fase aos 3 anos de idade, tinha preguiça de pintar… A diferença é que, no desenvolvimento típico só a estimulação natural da escola e os amplos reforçadores sociais (elogios e incentivos) já são suficientes para fortalecer este comportamento e, em poucos meses, a minha filha que não gostava de pintar e fazia (de má vontade) uns meros rabiscos nas lições de casa, passou a escolher o pintar como ocupação lúdica para seus momentos livres, passou a escolher cores específicas para cada parte do desenho e passou a pintar com dedicação e capricho só pelo prazer de ver o desenho colorido e receber os elogios. Crianças com TEA têm grandes chances de carregar a aversão a este tipo de atividade por muito mais tempo, já que não são sensíveis aos reforçadores sociais. Por isso, é preciso muito mais esforço para tornar esta atividade motivadora e mais fácil para estas crianças.

Descobri o giz de gel por acaso… Minha filha, que não gostava de pintar, por outro lado sempre gostou muito de comprar! Um dia ela pediu este giz em uma livraria. Eu, que fazia de tudo para ela gostar de atividades acadêmicas, comprei o tal do giz sem pensar e, ao ver ela usar e eu mesma testar, descobri neste material uma forma de tornar estas atividades mais fáceis para as crianças com autismo. O giz de gel solta mais tinta e cobre o desenho com muito mais rapidez e menor custo de resposta, sem contar na sensação prazerosa que é pintar com ele. Assim, o comportamento é reforçado mais rapidamente, a criança fica mais motivada porque conclui a tarefa com menos esforço e menos tempo. Passei a indicar este material e os resultados têm sido excelentes, crianças que não gostavam de pintar começaram a adorar o tal giz de gel e, aos poucos, vamos aumentando o custo de resposta, passando para o giz normal, depois, a canetinha, até chegar ao lápis de cor tradicional, que exige maior custo de resposta na tarefa de pintar.

Outra ideia para diminuir o custo de resposta da atividade de pintar e tornar esta demanda mais atrativa e motivadora para crianças que apresentam resistência a este tipo de atividade é começar usando os aquabooks, ou seja, livros nos quais a criança pinta com água. Nestes livros, é só a criança passar água (com pincel ou com a canetinha de água que já vem com o livro) sobre o desenho que as cores vão aparecendo. Além do menor custo de resposta, os aquabooks aumentam muito a motivação na atividade, já que envolvem uma ideia de estar fazendo “mágica”, afinal a criança está pintando sem tinta, giz ou lápis de cor.

Ainda no campo do treino grafomotor, descobri recentemente, um pouco nas experiências e descobertas com a minha filha e um pouco em reuniões de equipe ouvindo as sábias orientações da TO de um cliente meu, os livros de pintar que apresentam imagens muito simples, sempre uma imagem só por página, em um fundo branco e com as bordas do desenho bem grossas. Estes livros ajudam muito na concentração e compreensão da tarefa, já que apresentam uma estimulação limpa, sem nenhum estímulo concorrente (o que é crucial para uma criança com TEA que tende a focar em qualquer outro estímulo que não o estímulo relevante), e as bordas grossas ajudam a delimitar o espaço para a pintura. Existem alguns modelos que apresentam, ainda, um desenho colorido e outro igual em preto e branco do lado, o que estimula a criança a pintar com as cores corretas. Claro que, mesmo usando estes materiais, muitas vezes precisamos agregar outros procedimentos de apoio ou de motivação, tais como fazer barreiras físicas nos desenhos com palitos de picolé, barbante ou cola colorida marcando os limites do desenho; e, ainda, usar imagens de temas do interesse da criança, para motivá-la na atividade.

A pega correta no lápis também é um obstáculo frequente no desenvolvimento de habilidades grafomotoras em crianças com TEA ou ouros transtornos do desenvolvimento. Por isso, outra dica de material que vale à pena ser testada, são os adaptadores de lápis, que consistem em borrachinhas que marcam o local de cada dedo no lápis. Em alguns casos, algo muito mais simples do que isso pode resolver o problema… Uma professora excelente que tive a sorte de conhecer na intervenção com um cliente, ao observar que a dificuldade deste aluno era apenas de pegar mais embaixo no lápis, fez apenas uma marcação nos lápis dele com fita adesiva colorida, marcando onde ele deveria segurar. A ideia deu tão certo que ela acabou aplicando para a turma toda.

Outro material que costumo indicar para a maior parte das crianças é a tesoura adaptada, que tem uma “mola” que você pode colocar em duas posições: na posição “adaptada” ela mantém a tesoura aberta, como se fosse um alicate de cutícula e, com isso, reduzimos a demanda para a criança que está aprendendo a recortar, afinal, ela terá que fazer só um movimento, o de fechar a tesoura, porque ela abre sozinha. Depois de algum tempo de treino podemos mudar a “mola” para a outra posição, que torna a tesoura normal e, então, vamos treinar apenas o movimento de abrir a tesoura, já que o movimento de fechar ela já aprendeu. Na intervenção com autismo é extremamente útil poder treinar uma resposta só por vez, ainda mais nesta área da coordenação motora fina, que é tão difícil para esta população.

Vale ressaltar que o desenvolvimento das habilidades de coordenação motora fina não dependem apenas do uso de materiais facilitadores como os que estou citando neste artigo, é fundamental a intervenção sistemática da equipe multidisciplinar e, especificamente no caso deste grupo de habilidades, é fundamental a intervenção do terapeuta ocupacional e do fisioterapeuta.

Por hoje é isso! Espero que estas dicas ajudem a dar uma forcinha a mais no treino de novas habilidades com sua criança! E, se alguém tiver mais dicas como estas, fique à vontade para escrever nos comentários deste artigo! Pode ajudar alguém que está precisando exatamente disso!

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Escrito por Juliana Fialho

Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo no ano de 2006. Mestre em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Dissertação defendida em maio de 2009). Trabalha como psicóloga na Gradual (Grupo de Intervenção Comportamental), onde lida principalmente com crianças e adolescentes com desenvolvimento atípico. Tem experiência em Análise do Comportamento Aplicada. Já desenvolveu pesquisas de Iniciação Científica, Conclusão de Curso e Mestrado nos seguintes temas: desenvolvimento atípico, avaliação de repertório inicial, intervenção comportamental, comunicação funcional e alternativa e variabilidade comportamental.

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