Educação e Procedimentos de Ensino: Um olhar com o viés da Análise do Comportamento

No meu último texto descrevi alguns dos princípios que podemos utilizar para entender o que seleciona o comportamento humano (filogênese, ontogênese e ambiente cultural). Esses princípios podem ser utilizados em uma série de contextos para compreender as variáveis que afetam e controlam o comportamento humano, em especial no ambiente escolar (Skinner, 1953/2003).

Comumente o ambiente escolar é visto e conceituado como um espaço de ensino-aprendizagem, um estabelecimento de troca de conhecimentos e informações, como diria Paulo Freire, uma instituição que deve prezar pelo desenvolvimento da autonomia de seus usuários (Freire, 1996, Oliveira, Pullin & Rufini, 2014, Pereira, Marinotti & Luna, 2004). No entanto, conforme Skinner apontou em seu livro intitulado “Ciência e comportamento humano” (1953/2003) que a instituição educacional trata-se de uma agência controladora do comportamento da pessoal (Borges 2004, Skinner, 1953/2003).

Ler essas palavras neste texto pode gerar certa estranheza em você, leitor, mas vamos com calma!

Skinner no decorrer de seus estudos, buscou definir e operacionalizar estratégias e procedimentos que pudessem modificar o comportamento humano, sem trazer prejuízos para esse e/ou o expor a situações aversivas (Skinner, 1953/2003, Skinner 1972). Sendo assim, Skinner identificou instituições que utilizavam regras e organizavam seus ambientes para que a pessoa apresentasse determinados comportamentos. Uma dessas instituições trata-se da escola (Skinner, 1953/2003, Skinner, 1972).

A educação exerce um papel extremamente importante na modelação do comportamento da pessoa. Ensinando ao indivíduo inúmeras habilidades que poderão ser utilizadas em situações futuras (Pereira, Marinotti & Luna, 2004). Nas palavras de Skinner (1953/2003) “A educação é o estabelecimento de comportamentos que serão vantajosos para o indivíduo e para outros em algum tempo futuro.” (p. 437).

As situações que alunos vivenciam durante a sua caminhada estudantil, possibilita que esses aprendam a discriminar quais situações são favoráveis para determinados comportamentos. Dito de outro modo, em que contexto a pessoa pode se comportar de certa forma, com o objetivo de que entre em contato com experiências reforçadoras ao invés de punitivas (por exemplo: conversar com um colega durante um recreio em contraponto a dialogar com um amigo durante a explicação do professor) (Freire, 1996, Pereira, Marinotti & Luna, 2004, Skinner, 1972).

Contudo, aquém do ambiente escolar as pessoas perpassam por outros contextos que, assim como a educação, modelarão seu repertório, selecionando certos comportamentos e colocando outros em caráter de extinção e/ou sendo seguidos por punição. Diante disso, muitos comportamentos que a pessoa aprende em um ambiente, ela emite em outros contextos, que possuem alguma semelhança, mesmo que a mínima, com a situação anterior. Entretanto, determinados comportamentos podem ser funcionais em certos ambientes, mas em outros serem considerados como inadequados (por exemplo: falar com tom de voz alto e interromper a conversa de outra pessoa para fazer um pedido podem ser reforçado em uma situação, todavia em outra pode ser visto como inapropriado e ser seguido por punição, na forma de repreensão) (Martin & Pear, 2009, Pereira, Marinotti & Luna, 2004, Skinner, 1953/2003, Skinner, 1972).

Diante desse arranjo, a escola faz uso de estratégias que utilizaram durante muito tempo e que de certa forma foram funcionais para algumas pessoas. Tais estratégias tratam-se de procedimentos utilizados, em sua maioria, com base no princípio da punição, na tentativa de diminuir, em frequência, os comportamentos considerados inapropriados que o aluno está apresentando. Além disso, como método para reforçar comportamentos apropriados (por exemplo: fazer a tarefa apresentada pelo professor, não andar pela sala de aula, etc.) a escola utiliza pontuações e recursos visuais, muitas vezes de modo inadvertido (Freire, 1996, Oliveira, Pullin & Rufini, 2014, Pereira, Marinotti & Luna, 2004, Skinner, 1953/2003, Skinner, 1972).

O objetivo desse texto não é dispensar críticas consistentes aos métodos educacionais, mas sim apresentar alguns procedimentos baseados nos princípios tão bem descritos, conceitualizados e operacionalizados por Skinner (1953/2003). Os procedimentos que serão discutidos, brevemente aqui podem ser utilizados para modelar o comportamento do aluno, possibilitando que esse apresente comportamentos apropriados ao contexto escolar e perceba esse como um ambiente reforçador e acolhedor (Borges, 2004, Oliveira, Pullin & Rufini, 2014, Pereira, Marinotti & Luna, 2004, Skinner, 1953/2003, Skinner, 1972).

Logo acima pontuei que as principais metodologias utilizadas para modificar comportamentos dos alunos em sala de aula estão fundamentadas em ações que operacionalizamos como respostas punitivas e/ou aversivas ao comportamento do aluno. A punição possui duas ramificações sendo elas a punição positiva e a punição negativa. Cabe aqui uma ressalva que em Análise do Comportamento não atribuímos caráter valorativo aos termos positivo e negativo, mas nos atentamos ao fato de qual o efeito do procedimento na modificação do comportamento e/ou qual a função desses na manutenção do comportamento humano. Na punição positiva um estímulo é apresentado como consequência ao comportamento da pessoa, estímulo esse que tem como efeito a diminuição do comportamento (por exemplo: repreensão verbal, gritar com o aluno, beliscar a criança, etc.). Já na punição negativa, um estímulo e/ou item é retirado do indivíduo como consequência de ter apresentado determinado comportamento (por exemplo: remover uma pontuação, não permitir que o aluno tenha acesso ao recreio, etc.) (Moreira & Medeiros, 2007, Martin & Pear, 2009, Skinner, 1953/2003, Skinner, 1972).

A punição, seja ela positiva e/ou negativa, tem como efeito a diminuição da frequência do comportamento da pessoa. Todavia, Skinner (1953/2003) descreveu, também, que o uso da Punição gera certos efeitos adicionais, a saber: 1. Respostas emocionais (por exemplo: choro, raiva, tristeza), contribuindo para que a pessoa crie autorregras rígidas afetando, assim, sua relação com as demais pessoas da sala, com o processo de ensino-aprendizagem e até mesmo com as pessoas que estão fora do contexto escolar; 2. Aumento da frequência de comportamentos de fuga e esquiva da situação de sala de aula e/ou que possuam características semelhantes a esse contexto; e 3. Modelagem de comportamentos indesejáveis, ou seja, contracontrole, onde a pessoa apresenta outros comportamentos na tentativa de remover o controle exercido por outrem naquele contexto e/ou situação (Moreira & Medeiros, 2007, Pereira, Marinotti & Luna, 2004).

Em concordância com Skinner o ambiente escolar, assim como os demais que a pessoa frequenta, deve possuir arranjos que possibilitem o desenvolvimento de comportamentos apropriados e que serão funcionais para o indivíduo e para plena participação deste na sociedade (Pereira, Marinotti & Luna, 2004, Skinner, 1972).

Sendo assim, métodos mais efetivos e menos intrusivos precisam ser utilizados. Os procedimentos baseados no princípio do reforçamento viabilizam esse processo. Métodos fundamentados no princípio do reforçamento têm como premissa aumentar a frequência de comportamentos apropriados. O reforçamento pode ser dividido em reforço positivo, onde um estímulo é disponibilizado para pessoa após essa apresentar um comportamento relevante (por exemplo: um elogio, um carimbo com uma estrela, fichas em conjunto com sistema de fichas, um tempo extra de permanência na atividade preferida, etc.) e em reforço negativo, nesse aspecto um estímulo é removido do ambiente, posterior a emissão de um comportamento (por exemplo: redirecionar a criança para uma outra atividade de resposta imediata e fluente, posterior a um episódio de birra) (Moreira & Medeiros, 2007, Skinner 1953/2003). Vale destacar que, o reforço deve ser utilizado de acordo como seu efeito no comportamento da pessoa, dito de outro modo cada indivíduo possui estímulos reforçadores idiossincráticos, podendo, às vezes, possuir reforçadores idênticos, no entanto essa premissa não é uma regra absoluta (Borges, 2004, Oliveira, Pullin & Rufini, 2014, Pereira, Marinotti & Luna, 2004, Skinner, 1953/2003, Skinner, 1972).

Diante disso você, leitor,  deve estar se questionando “Então por que muitos contextos fazem uso de procedimentos baseados em punição?”. A resposta para tal questionamento pode parecer reducionista, mas de fato métodos punitivos produzem efeitos imediatos na redução do comportamento. Diante desse contexto social, reforçado a nível cultural, procedimentos que demonstrem em efeitos imediatos são utilizados com maior frequência ao invés de operações que demandaram certo tempo para demonstrar efetividade (Pereira, Marinotti & Luna, 2004, Skinner, 1953/2003, Skinner, 1972).

Intervenções fundamentadas no princípio do reforçamento demandam tempo para surtir efeito no comportamento do indivíduo, visto que tais estratégias devem ser aplicadas de modo consistente e contínuo. Não obstante, metodologias embasadas em esquemas de reforçamento aumentam o engajamento da pessoa na emissão de comportamentos que são esperados e apropriados para aquele contexto, são menos intrusivos, possibilitam que a pessoa se sinta valorizada por aquele ambiente e pelas demais pessoas que o compõe (Borges, 2004, Martin & Pear, 2009, Oliveira, Pullin & Rufini, 2014, Pereira, Marinotti & Luna, 2004, Skinner, 1953/2003, Skinner, 1972).

[…] os comportamentos deveriam ser mantidos por contingências o mais naturais possíveis. Entretanto muito das consequências naturais dos repertórios desenvolvidos na escola só estarão disponíveis fora da escola e/ou em algum momento futuro. Em geral o aprendiz só poderá desfrutar do benefício propiciado por algumas atividades após ter adquirido certo domínio da mesma. Por esta razão, muitas vezes é necessário que se lance mãos de contingências artificiais, que devem funcionar como recursos intermediários, até que a proficiência seja adquirida pelo aprendiz e lhe possibilite usufruir o benefício próprio à atividade, quando, então, se passa a falar de uma atividade intrinsecamente motivadora (Pereira, Marinotti & Luna, 2004, p. 29).

Sendo assim, faz-se necessário reorganizarmos nossa metodologia de ensino, assim como as  estratégias que fazemos uso para aumentar a frequência de certos comportamentos e diminuir a frequência de outros que compõem o repertório da pessoa. Para isso se recomenda o uso de procedimentos com ênfase em estratégias de reforçamento, visto que esses demonstram mais eficácia no aumento da participação do aluno das rotinas de sala de aula, além de viabilizar que a instituição escolar seja emparelhada com contingências reforçadoras para pessoa, e seja identificada pelo indivíduo como um contexto favorável para seu desenvolvimento (Borges, 2004, Pereira, Marinotti & Luna, 2004, Skinner, 1953/2003, Skinner, 1972).

Referências

Borges, N.B. (2004) . Análise aplicada do comportamento: utilizando a economia de fichas para melhorar desempenho. Revista brasileira de terapia comportamental e cognitiva. São Paulo, v. VI, n. 1, 31-38. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-55452004000100004. Acesso: 22 jul. 2018;

Freire, P. (1996). Pedagogia da autonomia: saberes necessários a prática educativa. São Paulo: Paz e Terra;

Moreira, M.B., Medeiros, C.A. de (2007). Princípios básicos de análise do comportamento. Porto Alegre: Artmed;

Martin, G., Pear, J. (2009). Modificação do comportamento: o que é e como fazer. 8a ed.. São Paulo: Roca;

Oliveira, K.L. de, Pullin, E.M.M.P., Rufini, S.É. (2014). Psicologia e educação: contribuições do behaviorismo e do cognitivismo para a ação docente. Em: Haydu, V.B., Fornazari, S.A., Estanislau, C.R. (Org.’s). Psicologia e análise do comportamento: conceituações e aplicações à educação, organizações, saúde e clínica. Londrina: UEL, 199-222. Disponível em: http://www.uel.br/ccb/pgac/pages/arquivos/Livro10%20conceitoseaplicacoesaeducacao.pdf. Acesso: 21 jul. 2018;

Pereira, M.E.M., Marinotti, M., Luna, S.V. de (2004). O compromisso do professor com a aprendizagem do aluno: contribuições da análise do comportamento. Em: Hübner, M.M.C. (Org,). Análise do comportamento para educação: contribuições recentes. 1a ed.. São Paulo: ESETec Editores Associados, 11-32;

Skinner, B.F. (1953/2003). Ciência e comportamento humano. 11a ed. São Paulo: Martins fontes;

______ (1972). Tecnologia do Ensino. São Paulo: EPU.

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Escrito por Lucas Polezi do Couto

- Psicólogo CRP 16/6198 e CRP 08/IS-715;
- Supervisor de intervenções baseadas em ABA para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e quadros associados;
- Mestrando em Psicologia (PPGP UFES);
- Especialista em Psicoterapias Comportamentais de Terceira Geração (IPOG);
- Teacher in Training do Programa Mindfulness e Autocompaixão Mindful Self-Compassion (MSC) (Center for Mindful Self-Compassion & Conectta Mindfulness e Compaixão);
- Pós-graduando em Intervenção ABA para Autismo de DI (CBI of Miami);
- Cursando o preparatório para o QASP-S (The Behavior Web).

Trabalho com Psicoterapia (ACT e DBT), Avaliação Psicológica, Treinamento e Orientação Parental. Apaixonado por ACT, Autocompaixão, ABA, TFC e DBT.

Contato: psicologo.lucaspolezi@gmail.com.

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