O que a Copa do Mundo pode nos ensinar sobre Análise do Comportamento?

Depois da derrota do Brasil nas quartas de final da Copa do Mundo, fiquei pensando se deveria ou não escrever sobre esse tema. Tema que nos deixa frustrados, que produz opiniões controversas e sentimentos e reações diversos. A variabilidade de respostas diante de tal evento me fez concluir que SIM, seria um bom tema.

Após a copa de 2014, Guilhardi (2014) escreveu um editorial para o Jornal Sinal Verde, no qual analisou de forma minuciosa uma partida de futebol a partir dos conceitos da Análise do Comportamento. Meu texto se baseará no referido editorial. Usarei uma parte da análise realizada por Guilhardi e farei um breve resumo. (Sugiro a leitura do texto original. Vale a pena!)

A Copa do Mundo é um controle de estímulos forte para o comportamentos dos brasileiros. Nossas rotinas são alteradas e, na hora dos jogos da seleção, o país para. É época em que podemos observar mais verde e amarelo nas ruas, pessoas com camisetas da seleção brasileira, crianças empolgadas com os seus ídolos-jogadores. Acima de tudo, a Copa do Mundo é um estímulo discriminativo que anuncia a possibilidade de acesso a consequências reforçadoras. As consequências variam em sua magnitude ao longo da competição: marcar mais gols do que sofrer; vencer a partida, pontuar na fase de grupos, passar para a fase seguinte e chegar à partida final do mundial. Até a derrota da nossa seleção, essa consequência reforçadora intensa se referia, no caso da equipe brasileira, à possibilidade do hexacampeonato (reforço final). A emoção e o encantamento do futebol e das competições que o envolvem advêm de um ingrediente importante: a imprevisibilidade.
Podemos pensar no conceito de estímulo discriminativo quando falamos de um jogo de futebol. A posse de bola por uma equipe é o SD inicial para o encadeamento de respostas que se segue durante a partida. O encadeamento comportamental pode ser definido, de acordo com Martin e Pear (2009), como “uma sequência de estímulos discriminativos e de respostas, na qual cada resposta exceto a última, produz o SD para a próxima resposta, sendo a última resposta tipicamente seguida por um reforçador.” (p. 159). A função dos estímulos dentro de um encadeamento comportamental é dupla: um mesmo estímulo tem função de reforço positivo condicionado para a resposta que o produziu, e também de estímulo discriminativo para a emissão da resposta seguinte do encadeamento.

Na partida de futebol, a posse de bola é um dos elos do encadeamento de respostas que precisa ser emitido para que se chegue à consequência final gol. Além disso, também tem dupla função: consequência reforçadora para respostas de marcar o adversário, por exemplo, e SD para outras respostas: fazer passes, dribles, jogadas que levem a marcar um gol.

Além do encadeamento de respostas, uma partida de futebol também pode ser analisada a partir do conceito de esquemas de reforçamento. Os esquemas de reforçamento equivalem a regras que precisam ser seguidas para que a resposta ou as respostas emitidas produzam o reforço, que neste caso seria o gol.

A equipe com a posse de bola deve emitir um encadeamento de respostas (com diferentes topografias) para que o reforço final (gol) seja produzido. Vale ressaltar que, para que o reforço seja produzido, é necessário que os jogadores da equipe se comportem e que as respostas emitidas por cada jogador funcionem tanto como estímulos discriminativos para o próximo jogador que tocar na bola quanto como consequência para o passe preciso e bem realizado, por exemplo. Cada elo da cadeia de respostas corresponde, portanto, aos toques de bola realizados por diferentes jogadores. Considerando que o número de respostas (toques de bola e passes) varia, podemos dizer que está em operação um esquema de reforçamento de razão variável (VR). Além disso, para que o reforço-gol seja acessado e para que a vitória tão almejada seja conquistada, as respostas emitidas devem ocorrer dentro de um intervalo de tempo com duração variável (90 minutos considerando o tempo habitual de uma partida ou 120 minutos quando se considera o tempo de prorrogação).

A equipe que tem a maior posse de bola durante o intervalo de tempo variável tem uma maior probabilidade de completar o encadeamento de respostas e produzir o gol. No entanto, aa maior posse de bola pela equipe não implica que o gol sairá.. Aqui está o aspecto da imprevisibilidade do futebol. O gol depende não só da habilidade dos jogadores, mas também de condições fortuitas e de outros elementos presentes na partida: a equipe pode perder o domínio da bola, dependendo de como for o desempenho do time adversário ou de erros cometidos pelos jogadores, o juiz pode considerar ou não um lance como falta, uma queda pode ser considerada ou não encenação do jogado, o técnico pode ou não fazer uma boa substituição etc.

Portanto, uma partida de futebol requer variabilidade e persistência comportamental e a exposição a estímulos que podem ter caráter reforçador ou aversivo. Desses aspectos deriva o fato de que a Copa do Mundo exige comportamentos e sentimentos de tolerância a frustração.

O que é a tolerância a frustração? Sentimentos e comportamentos de tolerância a frustração são produzidos por diferentes condições: 1) o indivíduo é exposto a situações em que o acesso ao reforço é atrasado; 2) exposto a estímulos aversivos moderados (por vezes, intensos); 3) exposição a condições de reforçamento intermitente (seria o caso dos esquemas de reforçamento citados acima) ou 4) exposto a extinção. Tolerar a frustração é, portanto, um repertório de comportamentos para lidar com contingências de reforçamento postivo atrasadas e contingências de reforçamento aversivas amenas.

Analisar os jogos de futebol e a Copa do Mundo nos mostra que os nossos comportamentos do dia a dia são em sua maioria cadeias comportamentais e não apenas respostas isoladas. Estamos expostos a diferentes esquemas de reforçamento e a diferentes tipos de eventos adversos. Falaremos em outro momento como desenvolver comportamentos e sentimentos de tolerância a frustração.

Referências Bibliográficas

Guilhardi, H.J. (2014). Editorial do Jornal Sinal Verde. Edição 77. Disponível em http://www.itcrcampinas.com.br/jornal/dialogo_edicao77.html

Martin, G. & Pear, J. (2009). Modificação do comportamento. O que é e como fazer. Roca: São Paulo.

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Escrito por Florença Justino

Psicóloga graduada pela Universidade Federal de São Carlos. Doutora em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos. Especialista em Psicologia Clínica Comportamental pelo Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento (ITCR-Campinas). Psicoterapeuta de adultos e crianças. Supervisora clínica e professora do Curso de Especialização em TCR.

Estou fazendo ACT (?)

Iniciativa Adote um Graduando da ABPMC