O papel dos pais na psicoterapia infantil

A psicoterapia pautada na filosofia Behaviorista Radical, assume que o comportamento é o produto da interação organismo-ambiente. De forma prática, o papel do Psicoterapeuta Analítico-Comportamental, é identificar essas funções e modificá-las para que os objetivos clínicos sejam alcançados (Marinotti, 2012).

Por este pressuposto básico de análise, incluindo o organismo e seu ambiente, entende-se que o atendimento infantil inclui seu núcleo familiar (pais ou cuidadores), pois o ambiente em questão é fundamental ferramenta de análise e intervenção (Marinotti, 2012).

Sendo os pais o ambiente que propiciará a vinda do(a) filho(a) para a psicoterapia, o contato inicial com os pais é determinante para a continuidade do atendimento. Segundo Moura et al. (2004), na entrevista inicial é fundamental a formulação de um contrato (com os pais e a criança), a investigação sobre seu desenvolvimento cognitivo, para formulação posterior de estratégias condizentes com a queixa.

Marinotti (2012), salienta que a primeira tarefa do psicólogo é se tornar reforçador para a criança e seus pais, simultaneamente. Permitindo que os pais se sintam seguros para expor suas queixas, se sintam compreendidos, retirando o estigma de “culpa” dos pais e apresentando estratégias para o trabalho em conjunto. Da mesma forma, é importante que a criança se sinta segura, podendo expor suas habilidades, dificuldades e segredos, sem ser punida, proporcionando um local de vínculo em que a criança “queira voltar”.

Faz-se necessário um acolhimento terapêutico inicial; a escuta à demanda dos pais; a análise sobre a queixa, considerando quais comportamentos são esperados de acordo com o desenvolvimento infantil (andar, falar, usar o banheiro, entre outros); a explicação sobre o sigilo e como funcionará os atendimentos, sanando dúvidas e explicando o funcionamento da psicoterapia.

Na coleta de dados, ainda com os pais, são levantadas hipóteses sobre o comportamento da criança, coletando descrições do ambiente em que o comportamento ocorre (perguntando “quando isso acontece?” ou “o que aconteceu antes desse comportamento?”) e o que ocorre após o comportamento observado pelos pais (perguntando “e o que aconteceu depois que ele(a) fez isso?”, “e como foi depois? Ou “você poderia me contar o que aconteceu do começo ao fim?”. Esta identificação inicial sobre ambiente (o que ocorre antes da resposta observada) e consequência (o que ocorre depois da resposta)  propicia a criação de hipóteses  (o que leva a criança a manter esse comportamento? – por exemplo: Por que Aninha chora na hora do almoço? Talvez se ela chorar, então consegue o alimento desejado e evita os indesejados) e pode possibilitar a discriminação de contingência para os pais, ensinando a longo prazo a análise funcional. Cabe salientar que a compreensão funcional do comportamento é um dos objetivos a longo prazo da terapia, inserindo através do acompanhamento e intervenções a funcionalidade dos comportamentos, permitindo aos pais descriminar quando o comportamento ocorre (ambiente) e porque ele se mantêm (consequências) para que no futuro (após a alta), os pais possam compreender os comportamentos do filho. Desta forma também é interessante questionar como os pais imaginam o funcionamento da terapia, esse tipo de pergunta estimará a disponibilidade de engajamento dos pais no processo terapêutico (Marinotti, 2012).

O contato com a família durante todo o processo, possibilita o conhecimento de informações complementares a terapia, de comportamentos de fora do consultório (será que o que estamos fazendo em terapia tem se mantido fora?). A avaliação sobre o progresso da terapia, manutenção e generalização, dependem em grande parte da interação pais-criança. Por isso, não são feitas apenas instruções sobre o que os pais devem fazer, mas a escuta sobre como tem sido o processo, o que eles têm a dizer é fundamental para formulação e reformulação interventiva (Marinottie, 2012).

Marinotti (2012), ainda salienta que muitas vezes o papel do psicoterapeuta é descrever necessidades e sentimentos que não são identificadas e compreendidas pelos pais, sempre respeitando ao sigilo ético da profissão, proporcionando uma compreensão dos pais do “porquê fazer” e “como fazer” para que as demandas sejam atendidas.

Por vezes, o psicólogo assume um papel mediador, em sessões entre a criança e os pais. Este papel pode ser fundamental para que a criança esteja segura para expor algum assunto que seja difícil, contando com um auxílio de um profissional que lhe forneça dicas de como fazer, modelos de ‘como fazer’ propiciando um ambiente com maior probabilidade de escuta, diálogo e resolução de conflitos. Para que estes encontros sejam propiciados é fundamental que: todos saibam sobre o objetivo deste encontro; todos estejam de acordo com o encontro; o psicólogo avalie que há alta probabilidade de ser bem-sucedido; que não haja riscos sobre essa exposição e que o psicólogo tenha preparado a criança sobre como se comportar nessa situação. Facilitando essa comunicação, o clínico evita discussões e modela repertórios de resolução de conflitos da família (Marinotti, 2012).

Sendo observadas demandas complementares à terapia infantil, o clínico deve indicar que sejam buscados trabalhos complementares, orientando sempre os pais sobre essas possibilidades (Marinotti, 2012). Os trabalhos complementares podem envolver médicos, fonoaudiólogos, psicopedagogos, acompanhante terapêutico, entre outras competências que vão além da psicoterapia.

Durante a psicoterapia é interessante observar os limites profissionais, propiciando mudanças que estejam de acordo com a necessidade e possibilidade intrafamiliar e terapêutica. Existe a possibilidade de que a avaliação inicial do terapeuta não atenda às necessidades da família, neste momento é essencial o reajustamento da intervenção, para que os objetivos estejam alinhados, o que proporcionará a longo prazo uma maior probabilidade de engajamento familiar. Estipulando intervenções que sejam plausíveis (correspondentes a faixa etária, econômica e social e que possam ser realizadas pela família),  atendendo as necessidades do infante a longo prazo. Neste sentido, descrições familiares como “não conseguimos fazer o que combinados!”, devem ser avaliadas cuidadosamente, para que a probabilidade de ocorrência seja a maior possível.

Referências:

MARINOTTI, Miriam. A importância da participação da família na clínica analítico-comportamental infantil. Clínica Analítico-Comportamental. Org. BORGES, Nicodemos B. CASSAS, Fernando A. – Porto Alegre: Artme, 2012. p.251-258

MOURA, Cynthia B. VENTURELLI, Marlene B. Direcionamento para a condução do processo terapêutico comportamental com crianças. Rev. bras. ter. comport. cogn., São Paulo , v. 6, n. 1, p. 17-30, jun. 2004 . Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1517-55452004000100003&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 29 de maio 2018.

5 1 vote
Article Rating
Avatar photo

Escrito por Giovana Pagliari

Mãe de 4 cachorrinhas lindas, adora falar - ainda mais quando o assunto é: obesidade, memória, maternidade. Prioriza um olhar humano que seja integral, não dispensa uma boa conversa entre a fisiologia e a AC. Seus textos são rechados de ACT e por vezes, gosta de explorar temas que podem parecer simples, mas são fundamentais para compreensão dos processos clínicos.

Graduada em Psicologia. Pós-graduada em Fisiologia Translacional. Co-autora no capítulo "Comportamentos Suicidas". Formação em Terapia de Aceitação e Compromisso (Operantis). Realiza atendimento psicológico e avaliação psicológica para procedimentos cirúrgicos em Cambé-PR, também realiza psicoterapia on-line.
E-mail: giovanapagliari.gp@gmail.com
Instagram: @giovanapagliari

Afinal, o que seleciona o comportamento humano?

Estou fazendo ACT (?)