MITOS E VERDADES SOBRE O ABA NO TRATAMENTO DO TEA – Parte 1

Com este artigo pretendo citar alguns mitos que são comumente falados e considerados como verdades acerca do ABA (Applied Behavior Analysis – Análise do Comportamento Aplicada) no tratamento do Transtorno do Espectro do Autismo (TEA) e, com base na teoria e nas pesquisas em Análise do Comportamento, explicar porque são mitos e quais as verdades sobre o assunto.

MITO 1 – O ABA é uma técnica:

A sigla ABA significa Applied Behavior Analysis (Análise do Comportamento Aplicada) e consiste em uma das formas de atuação do Psicólogo Comportamental, ou seja, que segue a filosofia do Behaviorismo Radical. O Behaviorismo Radical é, por sua vez, uma abordagem da psicologia dentre tantas outras abordagens (psicanálise; psicologia sócio-histórica; psicologia analítica; fenomenologia; etc.).

A Análise do Comportamento desenvolveu-se a partir de um tripé composto de 1) Análise Experimental do Comportamento (pesquisas básicas, que visam estudar procedimentos para modificação comportamental); 2) Pesquisas Teóricas (que estudam os conceitos teóricos que embasam as pesquisas básicas e aplicadas); e 3) Análise do Comportamento Aplicada – ABA (pesquisas aplicadas, que visam modificar um comportamento relevante para um indivíduo ou grupo de indivíduos).

Tourinho (1999) afirmou que a Análise do Comportamento Aplicada consiste na área mais ampla da prática behaviorista. E que esta está interligada com as demais áreas, segundo ele, “(…)Trabalhos Conceituais/ Filosóficos, Pesquisas Empíricas e Trabalhos de Intervenção constituem áreas cujas produções guardam sempre relações umas com as outras. Ou seja, não há trabalho conceitual que não se articule com programas de investigação empírica e com demandas relativas à solução de problemas humanos. Similarmente, não há trabalho empírico que não se articule com elaborações conceituais, ou que não guarde relações com possibilidades de intervenção do psicólogo. Por último, não há modelo de intervenção de caráter analítico-comportamental que não esteja fundamentado em conceitos/interpretações behavioristas radicais e em princípios derivados da investigação empírica do comportamento.” (pg. 216)

Mas porque o ABA ficou conhecido como uma técnica? Michael (1980) responde que “(…) à medida que a modificação do comportamento começou a ser vista como uma tecnologia efetiva, um número de psicólogos aplicados ecléticos ainda trabalhando como clínicos, psicólogos escolares, psicólogos industriais, etc., começaram a adicionar a análise do comportamento à sua coleção de técnicas, um tanto quanto antes de acadêmicos ecléticos adicionarem a visão de Skinner ao seu repertório intelectual. E se por um lado eles puderam adquirir muito bem a tecnologia, estes novos profissionais, em geral, não adquiriram a ciência ou a filosofia da ciência que foi responsável pela tecnologia.” (pg. 8). 

Morris et. al. (2001) citaram um exemplo de uso inadequado de procedimentos da Análise do Comportamento, da técnica usada separadamente da teoria e da ciência: “(…) muitas pessoas aprenderam a fazer “time-out”. Time-out é um bom rótulo em nossa sociedade porque tem um papel tão proeminente nos esportes, mas o time-out raramente é analítico comportamental. Para que isso funcione, a contingência entre uma resposta, um ambiente de “time-out”, e um ambiente de “time-in” deve ser confiável; e o ambiente de “time-in” deve ter contingências de reforçamento melhores e contingências de punição piores do que o ambiente de “time-out”. (…) Isto também exige compreensão conceitual: (a) avaliar reforçadores, punições e contingências confiáveis e (b) discriminar a atribuição de contingências entre comportamento e outros eventos do contexto. Dada a ausência desse conjunto de princípios e conceitos, o “time-out” só pode se tornar cada vez menos eficaz como uma prática social. Esse tipo de roubo é uma ameaça a um dos nossos nichos – nossa reputação como solucionadores de problemas.” (pg. 127).

 

MITO 2 – O ABA é um método de tratamento do autismo:

Para entender porque o ABA ficou conhecido como método para tratar Autismo, vamos fazer um breve percurso histórico: na década de 30 a Análise Experimental do Comportamento ganhou força com o lançamento do JEAB – Journal of Experimental Analysis of Behavior. Nas décadas de 40 e 50 foram feitos muitos estudos de casos clínicos em hospitais psiquiátricos com base na Análise do Comportamento. Em meados da década de 50 e na década de 60 psicólogos passaram a aplicar os princípios da aprendizagem no tratamento clínico. Em 1957 o autismo foi definido comportamentalmente e, então, começaram a ser feitos estudos com crianças com deficiência intelectual. Finalmente, em 1988, Ivar Lovaas, psicólogo da Universidade da Califórnia (UCLA), publicou um estudo pioneiro no qual demonstrou como a intensidade da terapia comportamental pode ajudar crianças com autismo. A partir daqui a Análise do Comportamento Aplicada começou a se voltar para casos de Autismo.

A partir de 1989 os indivíduos com desenvolvimento atípico tornaram-se os sujeitos privilegiados nas intervenções relatadas no JABA (Journal of Applied Behavior Analysis), chegando muito perto de 50% do total de artigos até 1988 e crescendo progressivamente até atingir 75% no ano de 1992. Em 1995 houve uma edição especial do JABA com 82 artigos relacionados com a área do desenvolvimento atípico (publicados entre 1968-1995).

Por causa dos resultados excelentes no uso da tecnologia comportamental no tratamento do autismo e do crescente número de pesquisas na área, erroneamente a população começou a entender que o ABA era um método criado para tratar Autismo. Mas, como já dito aqui, o ABA é uma das formas de atuação do psicólogo comportamental e, sendo assim, a Análise do Comportamento pode ser Aplicada em qualquer contexto que envolva comportamentos e relações humanas: esportes, empresas, clínica, escolas, hospitais, etc. Segundo Carvalho Neto (2002), “na Análise Aplicada do Comportamento, ou simplesmente AAC, estaria o campo de intervenção planejada dos analistas do comportamento. Nela, estariam assentadas as práticas profissionais mais tradicionalmente identificadas como psicológicas, como o trabalho na clínica, escola, saúde pública, organização e onde mais houver comportamento a ser explicado e mudado. (…) De fato, essa subárea teria pelo menos duas funções vitais: (1) manter o contato com o mundo real e alimentar os pesquisadores na área com problemas comportamentais do mundo natural e (2) mostrar a relevância social de tais pesquisas e justificar sua manutenção e ampliação da área como um todo.” (pg. 5).

 

MITO 3 – O ABA “Negligencia os dons inatos e argumenta que todo comportamento é adquirido durante a vida do indivíduo. (…) Só se interessa pelos princípios gerais e por isso negligencia a unicidade do indivíduo.” (Skinner, 1974, pgs. 7 e 8):

Skinner descreveu 3 determinantes do comportamento, são eles: 1) Filogênese: a evolução ao longo do tempo biológico de populações de organismos e suas características, a herança genética passada de pais para filhos que percorre a evolução das espécies; 2) Ontogênese: a seleção do comportamento por suas conseqüências, a história adquirida nas vivências pessoais do organismo (aprendizagem); e 3) Cultura: a sobrevivência de padrões de comportamento à medida que são passados de um indivíduo para outros de uma mesma cultura. Sendo assim, para a filosofia behaviorista, cada indivíduo é único e as características inatas (Filogênese) são parte da determinação do comportamento, juntamente com a história de vida (Ontogênese) e a Cultura.

Segundo Skinner (1974), “A espécie humana, como todas as outras espécies, é um produto da seleção natural. Cada um de seus membros é um organismo extremamente complexo, um sistema vivo, objeto da anatomia e da fisiologia. Campos como a respiração, a digestão, a circulação e a imunização foram separados como objetos de estudo especiais e entre eles está o campo que chamamos comportamento. Este envolve comumente o ambiente.” (pg.33). A Análise do Comportamento ocupa-se do campo que é mutável por meio de manipulação de variáveis ambientais, ou seja, o comportamento observável; enquanto a medicina, a biologia e a genética cuidam dos eventos imutáveis e involuntários que ocorrem no organismo humano. Isso não significa que a Análise do Comportamento ignora estes eventos só porque não são seus objetos de estudo.

 

Este artigo continua em “Mitos e verdades sobre o ABA no tratamento do TEA – Parte 2”, com a descrição de mais dois mitos e as verdades sobre eles.

 

Referências Bibliográficas:

Baer, D.M., Wolf, M.M., & Risley, T.R. (1968). Some current dimensions of applied behavior analysis. Journal of Applied Behavior Analysis1, 91-97.

Baer, D. M. (1981). A Flight of Behavior Analysis. The Behavior Analyst, 4, 85-91.

Bagaiolo, L. & Guilhardi, C. (2002). Autismo e preocupações educacionais: Um estudo de caso a partir de uma perspectiva comportamental compromissada com a Análise Experimental do Comportamento. In: Guilhardi, H. J., Madi, M.B. P., Queiroz, P. P., Scoz, M. C. (Org.) Sobre Comportamento e Cognição. 1ª Ed. Santo André: ESETEC, v. 10, p. 67-82.

Carvalho Neto, M. B. (2002) Análise do comportamento: behaviorismo radical, análise experimental do comportamento e análise aplicada do comportamento. Interação em Psicologia, 6(1), p. 13-18.

Houten, R. V., Axelrod, S., Bailey, J. S., Favell, J. E., Foxx,  R. M., Iwata, B. A. & Lovaas, O. I. (1988). The right to effective behavioral treatment. Journal of Applied Behavior Analysis, 21(4): 381–384.

McEachin, J. J., Smith, T. & Lovaas, O. I. (1993). Long-term outcome for children with autism who received early intensive behavioral treatment.. American Journal On Mental Retardation, 97 (4), 359-372.

Michael, J. (1980). Flight from Behavior Analysis. The Behavior Analyst, 3, 1-22.

Morris, E. K., Baer, D. M., Favell, J. E., Glenn, S. S., Hineline, P. N., Malott, M. E., & Michael, J. (2001). Some Reflections on 25 Years of the Association for Behavior Analysis: Past, Present, and Future. The Behavior Analyst, 24 (2), 125-146.

Skinner, B. F. Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix, 1974. 

Tourinho, E. Z. (1999). Estudos conceituais na análise do comportamento. Temas em Psicologia da SBP, 7(3), 213-222.

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Escrito por Juliana Fialho

Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo no ano de 2006. Mestre em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Dissertação defendida em maio de 2009). Trabalha como psicóloga na Gradual (Grupo de Intervenção Comportamental), onde lida principalmente com crianças e adolescentes com desenvolvimento atípico. Tem experiência em Análise do Comportamento Aplicada. Já desenvolveu pesquisas de Iniciação Científica, Conclusão de Curso e Mestrado nos seguintes temas: desenvolvimento atípico, avaliação de repertório inicial, intervenção comportamental, comunicação funcional e alternativa e variabilidade comportamental.

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