Integração entre Psicoterapia Analítica Funcional e Ativação Comportamental (FEBA)

A Psicoterapia Analítica Funcional (Functional Analytic Psychotherapy – FAP) e a Ativação Comportamental (Behavioral Activation – BA), são modelos de tratamento baseados na ciência comportamental, o que lhes confere algumas semelhanças como na compreensão da aprendizagem dos comportamentos do cliente, e como eles podem ser modificados. As diferenças fundamentais estão no objetivo terapêutico de cada uma: enquanto a primeira tem seu foco em comportamentos interpessoais, a segunda tem seu foco em comportamentos ditos depressivos.

Ocorre que dificuldades interpessoais são comuns a todas as pessoas, inclusive em pessoas com diagnóstico de algum transtorno depressivo. Aliás, é comum que clientes depressivos apresentem dificuldades interpessoais, que podem potencializar o quadro clínico de depressão.

Sabendo disso e dada a semelhança teórica entre a FAP e BA, é possível que ambas sejam integradas em casos de clientes depressivos com problemas interpessoais. Essa integração denomina-se Functional Analytic Psychotherapy Enhanced Behavioral Activation (FEBA).

Uma proposta inicial desta integração foi apresentada em um artigo de 2008, intitulado Making Behavioral Activation More Behavioral (Kanter, Manos, Busch & Rusch, 2008). Primeiramente, os autores apresentaram algumas razões para que a FAP eventualmente[i] seja integrada a outras terapias, como: 1) a FAP não especifica o que o terapeuta deve fazer em sessão se os comportamentos clinicamente relevantes (CCRs) não estão ocorrendo; e 2) a FAP especifica o processo comportamental que pode ocorrer em uma interação terapêutica, mas não propõe modelos de análise e intervenção sobre qualquer transtorno mental[ii]. Deste modo, a FEBA utiliza o modelo de conceituação de caso da BA, mas vale-se da FAP para ativar comportamentos alvos na relação terapêutica para, então, promover a generalização de tais melhorias para a vida diária do cliente (Kanter et al., 2008).

Em seguida, os autores apresentam como as cinco regras da FAP podem ser utilizadas na BA, constituindo a FEBA:

Regra 1 – Observar CCRs

Na FEBA, os CCRs podem ser conceituados em termos de comportamentos alvos que também são foco de tratamento na BA. Por exemplo, a mudança dos comportamentos problemáticos relacionados à classe intimidade são alvos importantes na FAP, mas frequentemente estão associados a quadros depressivos. Comportamentos evitativos de intimidade por um lado podem evitar conflitos em relacionamentos importantes (reforço negativo), mas por outro lado também impedem o contato com fontes de reforço social positivo (e.g. receber apoio, compreensão, acolhimento, amor, etc.) (Kanter et al., 2008).

Na FEBA, os clientes aprendem a observar, identificar e analisar tais comportamentos evitativos de intimidade, e outras classes de CCRs, como: comportamentos que interferem no tratamento e na rotina (e.g. atrasar ao horário da sessão terapêutica e também a outros compromissos de sua vida, em decorrência do sono excessivo e do tempo que passa em sua cama); padrões de evitação (e.g. cancelar consultas de terapia e também outros compromissos importantes, para evitar o contato com eventos aversivos); ruminações (e.g. formas de conversa em sessão e na vida do cliente, que tem como efeito a evitação de tentativas efetivas de solução de problemas); passividade (e.g. o cliente pode concordar com várias sugestões do terapeuta e também solicitações de pessoas de sua vida, mas não se engajar ativamente nas ações necessárias ou solicitadas); ausência de assertividade (e.g. quando o cliente precisa comunicar algo relevante para a solução de um problema, seja em sessão ou em sua vida, mas não o faz) (Kanter et al., 2008).

Regra 2 – Evocar CCRs 2

Dada a observação da ocorrência em sessão de algum comportamento característico de um quadro de depressão, como aqueles que podem compor as classes descritas no tópico anterior (Regra 1), o terapeuta procura evocar em sessão algum comportamento alvo (CCR2) de melhora do quadro depressivo. Por exemplo, se o cliente tem comportamentos evitativos de relações íntimas, possíveis CCRs2 seriam comportamentos de aproximação, conexão e intimidade (Kanter et al., 2008).

Um cliente que frequentemente faz piadas sobre o terapeuta – e também sobre seus amigos na vida diária – com a função de afastá-lo e evitar uma relação mais próxima e íntima, pode ter como comportamento alvo a expressão direta e gentil ao terapeuta sobre o desconforto causado por algum comportamento ou intervenção dele. No contexto de vida diária, esse mesmo tipo de comportamento alvo poderia produzir consequências reforçadoras importantes para a solução do quadro depressivo, como a aproximação, cuidado e carinho de pessoas importantes ao cliente.

Assim, embora os comportamentos relacionados à classe intimidade sejam caracteristicamente trabalhados por meio da FAP, quando há um quadro clínico de depressão em que comportamentos evitativos de intimidade estão presentes, os comportamentos de melhora evocados em sessão podem ser incluídos como comportamentos de ativação na vida diária do cliente, e registrados pelo cliente de acordo com o protocolo de registro de ativação de comportamentos da BA.

Regra 3 – Reforçar CCRs 2

Uma vez que o comportamento alvo, referente às classes dos comportamentos depressivos, ocorreu em sessão – mesmo que grosseiramente – o terapeuta deve estar atento à sua ocorrência, para responder de forma naturalmente reforçadora (Kanter et al., 2008). Assim, se o cliente com comportamentos evitativos de intimidade emite um CCR2 de expressar seu desagrado ao terapeuta como citado anteriormente, o terapeuta pode mostrar compreensão pelas razões do cliente como forma genuína de reforçar a ocorrência deste comportamento alvo, tornando-o mais provável de ocorrer novamente na relação terapêutica.

A ideia é que, ao aprender um repertório de comportamentos de melhora, referente às classes dos comportamentos depressivos, o cliente aumenta a probabilidade de que pessoas de sua vida diária respondam de forma melhor, isto é, de forma naturalmente reforçadora, com probabilidade menor de consequências punitivas (Kanter et al., 2008). O aumento da frequência de contingências de reforço positivo, e diminuição da frequência de contingências aversivas, além de fortalecer as melhorias do cliente, proporciona efeitos importantes sobre o humor do cliente e, consequentemente, sobre o quadro clínico de depressão.

Regra 4 – Avaliar o impacto

Exatamente como na FAP, na FEBA a Regra 4 orienta que o terapeuta avalie o impacto da sua intervenção – feita na Regra 3 – sobre o comportamento alvo do cliente. Este passo é importante porque permite ao profissional avaliar se seu comportamento foi reforçador ao comportamento alvo referente às classes de comportamentos depressivos (Kanter et al., 2008).

Regra 5 – Estratégias de generalização

Promover interpretações funcionais sobre os comportamentos clinicamente relevantes e implementar estratégias de generalização são passos importantes para aumentar a probabilidade de que os comportamentos de melhora do cliente em sessão também ocorram na vida diária e estejam sujeitos a fontes de reforço positivo (Kanter et al., 2008).

A estrutura da BA é bastante focada na ocorrência de melhorias de comportamentos depressivos, no contexto extrasessão. Assim, a FEBA traz a contribuição da FAP sobre a generalização para a vida diária, daqueles comportamentos interpessoais que são aprendidos em sessão por meio da relação terapêutica (Kanter et al., 2008).

Em síntese, a FEBA objetiva principalmente a melhora de resultados terapêuticos de clientes que não tem fontes estáveis de reforço positivo em suas vidas, por meio de análises e intervenções em comportamentos funcionalmente semelhantes que ocorrem em sessão e na vida do cliente (Montaño, Montenegro, Munhoz-Martínez, 2018).

Apesar da sugestão de que a FEBA seja utilizada com clientes depressivos que apresentam problemas interpessoais, apenas um estudo de caso por meio da FEBA foi relatado na literatura, com uma mulher de 22 anos que relatou sofrimento interpessoal, mas não preencheu os critérios para depressão. Os resultados deste estudo mostraram melhorias na qualidade das relações interpessoais, mas como não havia um quadro depressivo, não foi possível observar os efeitos da FEBA sobre comportamentos depressivos (Manos, Kanter, Rusch, Turner, Roberts & Busch, 2009).

Por esta razão, o estudo de Montaño et al. (2018) explorou os efeitos da FEBA sobre os comportamentos depressivos e saudáveis ​​de quatro participantes que preencheram os critérios para depressão e apresentaram outros problemas comportamentais secundários como, por exemplo, problemas interpessoais.

Os dados do estudo mostraram que, após a implementação da FEBA, três dos quatro participantes tiveram redução significativa dos sintomas depressivos, enquanto um deles não apresentou mudanças no quadro depressivo. Mesmo assim, os quatro participantes apresentaram aumentam na frequência de comportamentos saudáveis, indicando melhora no funcionamento geral. (Montaño et al., 2018).

Tais resultados sugerem que a BA e FAP são abordagens potencialmente complementares. Mas os dados devem ser interpretados com cautela, pois a pesquisa não forneceu dados sobre os comportamentos dos terapeutas em sessão. Portanto, a falta de informação sobre o uso das regras terapêuticas dificulta o estabelecimento de como a FAP foi adicionada à BA e, também, se a FAP foi fundamental para produzir os resultados de tratamento (Montaño et al., 2018).

De qualquer modo, a integração da BA e da FAP parece um caminho promissor quando a conceituação clínica de um caso de depressão indica problemas interpessoais que dificultam tanto a solução de problemas na vida do cliente como o andamento do processo de psicoterapia. Mas, este caminho ainda precisa de estudos que avaliem quais variáveis do processo realmente são importantes, bem como para o aperfeiçoamento da prática clínica e das descrições de tal prática.

Referências

Kanter, J. W., Manos, R. C., Busch, A. M., & Rusch, L. C. (2008). Making behavioral activation more behavioral. Behavior Modification, 32(6), 780-803.

Manos, R. C., Kanter, J. W., Rusch, L. C., Turner, L. B., Roberts, N. A., & Busch, A. M. (2009). Integrating Functional Analytic Psychotherapy and behavioral activation for the treatment of relationship distress. Clinical Case Studies, 8(2), 122-138.

Montaño, O., Montenegro, M. & Muñoz-Martínez, A. M. (In press). Functional Analytic Psychotherapy Enhanced Behavioral Activation for Depression: A Concurrent and Non-Concurrent Between-Participants Study. Psychological Record. doi: 10.1007/s40732-018-0263-6. Available in: https://link.springer.com/article/10.1007/s40732-018-0263-6


[i] O termo “eventualmente” foi adotado porque a integração da FAP à outras terapias pode ser ou não ser realizada. Cabe ao terapeuta, a partir da conceituação do caso clínico e dos materiais já produzidos sobre as psicoterapias integradas, avaliar se o uso da FAP para determinado cliente pode ser mais efetivo isoladamente, ou de forma integrada a outro modelo de intervenção.

[ii] Optou-se pelo termo “transtorno mental” para referir-se àqueles descritos pelo Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais (DSM-V).

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Escrito por Mônica Camoleze

Psicóloga (CRP 08/15023), graduada pela Universidade Positivo. Especialista em terapia analítico-comportamental pelo Instituto de Análise do Comportamento de Curitiba. Formação em psicoterapia analítica funcional e terapia de aceitação e compromisso pelo Instituto Continuum. Cursou terapia comportamental dialética, pelo Dialectica Psicoterapia Baseada em Evidências. Mestre em psicologia pela Universidade Federal do Paraná, com pesquisa sobre psicoterapia analítica funcional. Atua como psicóloga clínica em Curitiba, atendendo crianças, adolescentes, adultos e casais.

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