Ensino de autoclíticos como estratégia de fortalecimento de habilidades sociais

Não é incomum um terapeuta se deparar com a questão de habilidades sociais no contexto clínico; seja enquanto queixa principal seja enquanto um fator secundário concomitante a outra queixa, é provável que o terapeuta tenha que lidar com possíveis incompetências sociais (e relatos de incompetências sociais) trazidas por clientes em sessão.

Para Del Prette e Del Prette (2007) a competência social se mostra em padrões de comportamento que “contribuem na maximização de ganhos e na minimização de perdas para si e para aquelas com quem [essas pessoas socialmente competentes] interagem” (p. 33) e, ainda de acordo com Del Prette e Del Prette (2013) tal compreensão nos leva a pensar habilidades sociais enquanto padrões de comportamentos específicos em situações específicas que são julgados como eficientes no cumprimento de dadas tarefas sociais.

As habilidades sociais são, então, um conjunto de competências sociais, a depender do julgamento de eficiência e efetividade que se categoriza em padrões de comportamento que facilitem a interação do indivíduo com outros de maneira positiva e que, por outro lado, facilitem a fuga e esquiva de comportamentos socialmente inadequados, isso influencia desde o estabelecimento e manutenção de relações sociais saudáveis, até a aceitação pelo grupo e desempenhos em ambientes sociais específicos (como escola, empresas etc) (Del Prette & Del Prette, 2013).

Caballo (2016) nos apresenta, então, uma sumarização de padrões de comportamento que contemplam habilidades e competências sociais que podem ser nomeadas passividade, assertividade e agressividade. Cada um desses padrões sumarizados em definições operacionais possuem suas características e possíveis consequências a serem examinadas.

Na passividade, o indivíduo geralmente é pouco ambicioso, tem dificuldade de expressar opiniões e reivindicar direitos, lidar com situações que envolvam exposição como expressar sentimentos (sejam eles positivos ou negativos), há a dificuldade em negar pedidos ou estabelecer limites com relação ao outro, dentre outras inabilidades[1].

Uma pessoa assertiva consegue entender quais são seus direitos, consegue reivindica-los bem como respeitar o direito do outro, geralmente é uma pessoa cooperativa e ambiciosa, consegue fazer amizades e mantê-las, recusa pedidos não razoáveis e sabe expressar-se positiva ou negativamente.

Na agressividade, o indivíduo é, geralmente, desrespeitoso com relação aos direitos do outro; impõe suas vontades e desejos, age de modo com que os outros realizem tudo aquilo que ele deseja, “a minha maneira ou nada” (Caballo, 2016, p. 373).

O problema da agressividade e da passividade é que tais padrões fazem com que o indivíduo não consiga estabelecer relações sociais que são genuínas, envolvendo intimidade e confiança, padrões estes cruciais para que se possa cultivar relações saudáveis (Kohlenberg & Tsai, 2006).

Sabendo que, dentre todos os exemplos de padrões de resposta citados, a falta de exposição e de se expressar verbalmente diante de uma comunidade verbal dificultam, para o indivíduo, a conquista de relações genuínas e saudáveis, talvez seja interessante abordar o papel do comportamento verbal para o estabelecimento de padrões assertivos de comportamento.

Dentre os operantes verbais, existem os que são categorizados por Skinner (1957) como operantes verbais de segunda ordem, sob o rótulo de autoclíticos. Esses operantes verbais têm como uma de suas funções principais, colocar o ouvinte sob maior controle daquilo que o falante diz. Dessa forma, se o indivíduo deseja se expressar, ser ouvido pelo outro, compreendido e busca reforçamento social por todos esses comportamentos descritos, um repertório autoclítico sólido e bem estabelecido é crucial.

Os autoclíticos, como todo comportamento verbal, não envolve só palavras nem só aquilo que é vocal. Eles podem gerar controle sobre o ouvinte por meio de gestos, olhares, expressões faciais, entre outros. Isso é de especial importância visto que Caballo (2016) discute componentes de comportamento interpessoal que envolvem o olhar, a expressão facial, os gestos, a postura, volume, entonação e fluência da voz, entre outros, que estão intimamente relacionados com padrões verbais autoclíticos (Skinner, 1957; Gomes, Lovo, Rolim, Callonere & Hübner, 2011).

Deduz-se, então, que um treino autoclítico que faça com que o indivíduo consiga modular a dinâmica da fala, o volume e entonação da voz, fluência da fala, gesticular, sorrir, olhar nos olhos de seu ouvinte seja uma possibilidade estratégica no fortalecimento de um repertório social assertivo, visto que por meio da instalação e manutenção desse comportamento, o cliente que procura terapia em função de padrões passivos, terá mais chances de se tornar mais sensível ao seu ouvinte, se expor socialmente e expressar sentimentos com mais segurança e, possivelmente, autoconfiança. Por conseguinte, conseguirá fazer com que suas relações com terceiros tenham maior probabilidade de se construir de forma genuína e íntima.

Imaginemos um caso clínico em que um cliente, do sexo masculino, 30 anos, gerente de produção, chega ao consultório com a queixa de não conseguir falar em público, com dificuldade de conversar em grupos de duas ou mais pessoas além dele, relata que não se sente ouvido e que sua autoestima e sua autoconfiança estão abaladas por conta disso.

É papel do terapeuta buscar estratégias e técnicas que, de alguma forma, facilitem a exposição do cliente a contingências sociais, mas com preparação e treino. Dentre diversas estratégias, Caballo (2016) sugere alguns passos como, por exemplo, treinar o uso de técnicas de relaxamento diante de contingências sociais, definir operacionalmente os comportamentos que são assertivos e que poderiam ser fortalecidos, imaginar a contingência social à qual vai se inserir e planejar, encobertamente, quais comportamentos gostaria de exibir na contingência social aberta, e, claro, o ensaio comportamental.

Entretanto, no que diz respeito ao treino autoclítico, devemos pedir para que o cliente em questão se exponha em todas essas contingências, mas que esteja atento a algumas dimensões do seu comportamento verbal (o quanto eu olho nos olhos do outro enquanto converso? Eu sorrio ao abordar alguém? Eu gesticulo demais ou toco demais na pessoa com quem interajo? Meus movimentos parecem “robóticos”? Estou falando baixo demais? Rápido demais? Estou respirando adequadamente enquanto falo?) que podem ser treinadas, a priori, em sessão com o terapeuta. No momento em que o cliente fortalece essas respostas no decorrer das sessões, planeja-se a generalização para contextos fora do contexto do clínico.

Pede-se, então, que o cliente interaja com desconhecidos sem atividade dirigida[2]e que perceba a forma como aborda esse alguém e se está fazendo contato visual, falando de forma pausada e compreensível, respirando adequadamente e mantendo todos esses comportamentos durante todo o episódio verbal.

Além de treinar esses aspectos, temos nos autoclíticos, verbais que, pela função que exercem, torne nosso cliente sensível ao ambiente social que o cerca; Suponha-se que nosso cliente, gerente de produção, precise relatar um problema de departamento ao seu chefe. Ele chega à sessão procurando formas de abordar e colocar o assunto de forma a ser compreendido por seu superior.

Primeiro treinaria-se a forma como ele abordaria o chefe, usar de vocativos é uma forma de preparar o terreno e sinalizar que se quer começar uma conversa “Chefe, você teria um tempinho para conversar?” poderia ser um verbal que, além de estabelecer o início de um episódio verbal, colocaria o chefe sob maior controle daquilo que o cliente teria para falar. Em seguida, sinalizaria o assunto e utilizaria-se de autoclíticos que dariam o “tom” da conversa: “Estou preocupado com o desempenho de alguns colaboradores do setor de vendas”, isso sinaliza uma operação estabelecedora bem como cria a contingência para que o chefe fique atento a possíveis problemas da empresa.

Esses dois exemplos, relativamente superficiais e até “bobos”, associados à atenção às outras nuances autoclíticas já mencionadas (olhar, gestos, expressões faciais etc.) colocam nosso cliente em ao menos duas posições: 1) de ser social ativo numa contingência que envolve outras pessoas e 2) alguém que tem a oportunidade de avaliar o quanto seu comportamento está sendo eficaz na lida com o outro quando expressa sentimentos negativos (no caso do exemplo, visto que o cliente aborda uma preocupação).

Os próximos passos são de fazer o cliente perceber como o outro age com relação a seu comportamento, como ele responde a isso e, em contrapartida, como o outro continua reagindo a suas interações. Além de, claro, continuarmos com técnicas que continuem a instalar e fortalecer repertórios socialmente competentes.

Entende-se que o texto é superficial em comparação ao tema, o que se buscou é apenas elucidar a importância de dados operantes verbais no fortalecimento de repertórios socialmente assertivos, servindo como estratégia aplicada para criação de habilidades sociais que façam com que o cliente torne-se sensível a seu ambiente social, consiga reivindicar seus direitos por meio da exposição, aumento de autoconfiança e, consequentemente, autoestima.

Referências

Caballo, V. E. (2016) O treinamento em habilidades sociais. In Caballo, V. E. Manual de Técnicas de Terapia e Modificação do Comportamento. São Paulo: Santos Editora.

Del Prette, A; Del Prette, Z. A. P. (2007) Psicologia das relações interpessoais: vivências para o trabalho em grupo. 6 ed. São Paulo: Editora Vozes.

Del Prette, A.; Del Prette, Z. A. P. (2013) Psicologia das Habilidades Sociais: diversidade teórica e suas implicações. 3 ed. São Paulo: Editora Vozes.

Gomes, F.; Lovo, L. A.; Rolim, S.; Callonere, A.; Hübner, M. M. C. (2011) O efeito de histórias contextualizadas e descontextualizadas com autoclíticos sobre o comportamento não verbal. In Hübner, M. M. C. (2013) Comportamento Verbal de Ordem Superior: Análise Teórico-Empírica de Possíveis Efeitos de Autoclíticos sobre o Comportamento não verbal. Tese de Livre Docência. Departamento de Psicologia da Universidade de São Paulo: USP.

Kohlenberg, R. J.; Tsai, M. (2006) Psicoterapia Analítica Funcional: criando relações terapêuticas intensas e curativas. Santo André: ESETec Editores Associados.

Skinner, B. F. (1957) Verbal Behavior. Cambridge: Copley Publishing Group.

[1]Muitas vezes, a passividade pode ser confundida, pelo senso comum, com introversão e/ou timidez. Embora esses padrões possam acontecer de forma concomitante, isso não significa que uma pessoa introvertida ou tímida é necessariamente passiva.

[2]Sem atividade dirigida significa que é para o cliente interagir com uma pessoa qualquer sem uma interação que seja pré-determinada. O cliente pode abordar alguém num supermercado, por exemplo, mas não pedir um refrigerante a um garçom, que está lá para executar justamente essa função.

 

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Escrito por Renan Miguel Albanezi

Graduado em Psicologia pelo Centro Universitário Cesumar (UniCesumar), especialista em Análise do Comportamento e Psicoterapia Cognitivo-Comportamental pelo Núcleo de Educação Continuada do Paraná (NECPAR) e em Terapia Comportamental pela Universidade de São Paulo (USP). Tem como principais áreas de estudo o Behaviorismo Radical e a Análise do Comportamento com interesse em comportamento verbal, agências controladoras do comportamento, psicoterapia comportamental e psicoterapia analítica funcional.

19ª JAC – MG

O Mindful Eating (Comer atento) na DBT dos Transtornos Alimentares