O Reflexo Aprendido e sua relação com os sentimentos

Reflexos, são relações entre estímulo e resposta, um tipo de interação entre organismo e o ambiente (MOREIRA & MEDEIROS, 2007, p.18). De forma mais específica, os Reflexos Inatos são classificados como características da espécie, explicados por sua própria filogenia (MOREIRA & MEDEIROS, 2007, p. 29).

Os reflexos são observados através da interação organismo-ambiente, contudo, essas relações ocorrem mesmo que o organismo não a perceba ou compreenda. Dado estímulo (ex. comida na boca) elicia uma resposta específica (ex. salivação). E, os reflexos respondem a Leis (ou propriedades) específicas como: Intensidade-Magnitude, Lei do limiar, Lei da latência (MOREIRA & MEDEIROS, 2007). Para um estudo mais específico sobre os Reflexos Inatos (link:https://comportese.com/2015/01/conceitos-basicos-i-paradigma-respondente-o-reflexo-incondicionado)

Podemos concluir a partir disso que os organismos da mesma espécie, em condições ambientais específicas, apresentam comportamentos inatos. São respostas filogênicas sobre como se comportar em determinada situação. Isso ocorre, por exemplo, quando em contato com peito da mãe o bebê suga, quando se assusta ao ouvir um barulho estridente, quando come algo estragado e tem vômito. Percebe-se que ninguém ensinou o bebê a sugar, a se assustar com barulhos ou a vomitar assim que algumas propriedades do alimento são absorvidas em seu estômago ou intestino. Estas respostas são eliciadas naturalmente à indivíduos filogeneticamente adaptados (MOREIRA & MEDEIROS, 2007).

Assim como descrito anteriormente, há respostas emocionas para estímulos ambientais. As emoções têm uma função ambiental, não ocorrem ao acaso. Quando uma emoção é sentida, há um conjunto de alterações ocorrendo no organismo e houve um estímulo ambiental para tal sensação. Por exemplo, o bebê ao ouvir um som muito estridente terá uma expressão facial de medo, o aumento de sua frequência cardíaca poderá ser observado, sua constrição capilar o deixará branco, haverá a secreção de adrenalina, todas estas características citadas fazem parte de um arsenal de respostas fisiológicas previamente selecionadas, que denominamos socialmente como o medo. Isso significa que em dado momento da evolução, apresentar estas respostas teve um valor de sobrevivência (MOREIRA & MEDEIROS, 2007).

Mais um fruto da evolução pode ser observado quando há o aprendizado de novos reflexos (MOREIRA & MEDEIROS, 2007). Isso ocorre quando se aprende a reagir de formas diferentes a estímulos novos. Um exemplo prático desta relação poderia ser observado quando alguém come algo estragado (estímulo) e têm respostas orgânicas de vômito, dores abdominais, diarreia (respostas eliciadas). E, depois disso passa a sentir náuseas sempre que vê/sente o cheiro do alimento que provocou estas respostas (reflexo aprendido), independente de que saiba, que apesar de ter passado mal com uma pizza não signifique que todas as pizzas que encontrará na vida lhe farão algum mal.

A descoberta sobre os reflexos aprendidos se deu através dos estudos de Pavlov, onde observou nos cães o seguinte emparelhamento:

Fonte: <http://comportamentalismo.com.br/wp-content/uploads/2016/01/pavlov-300×186.png> Acesso em dez. 2017.

Emparelhar significa apresentar um estímulo logo após o outro, fazendo com que qualquer um dos dois produzam o mesmo tipo de resposta no organismo. Se apresenta um estímulo que anteriormente era neutro, que não eliciava nenhuma resposta (como o som do sino) e logo em seguida, apresenta-se um estímulo que naturalmente elicia respostas, como por exemplo comida. (MOREIRA & MEDEIROS, 2007). Depois de várias repetições desta mesma série, apenas com o som do sino os cães apresentam salivação. Conclui-se aqui que os cães respondem à um reflexo condicionado, salivar na presença do som.

Se os organismos podem aprender novos reflexos, podem também aprender a sentir emoções (respostas emocionais) que não estão presentes em seu repertório comportamental quando nascem. (MOREIRA & MEDEIROS, 2007 p.33)

No início da vida há respostas inatas a situações previamente estabelecidas. A partir disso se constrói um arcenal novo, original, com reflexos condicionados, aprendidos.

Através do emparelhamento de estímulos, aprende-se a sentir medo em situações novas (como o medo de barata, náusea por um alimento específico), e o mesmo vale para raiva, alegria, tristeza, excitação sexual, entre outros. Esta análise é válida para observação de situações como: pessoas que se sentem felizes ou tristes ao ouvir determinada música, ao ver determinada imagem. O medo/tristeza/raiva não são emoções que ocorrem ao acaso, são aprendidas durante a vida. Não se decide sentir ou não uma emoção, se sente. (MOREIRA & MEDEIROS, 2007)

Quando uma resposta reflexa condicionada é estabelecida, estímulos fisicamente parecidos podem ocasionar a mesma resposta, a esse fenômeno dá-se o nome de generalização respondente. Uma pessoa que comeu uma pizza estragada poderá então passar a sentir nojo (náuseas, entre outros) ao ver uma esfiha aberta, salgados com o mesmo recheio da pizza, salgados com uma massa parecida com a da pizza. A magnitude da resposta (nojo, náusea, entre outros) dependerá do grau de semelhança do estímulo condicionado, quanto mais parecido, maior a magnitude da resposta. (MOREIRA & MEDEIROS, 2007)

Saban (2015), fornece um exemplo sobre como o reflexo condicionado e a generalização poderiam ser observadas em situações de sofrimento humano.


Essa é a metáfora do sofrimento humano. Era uma vez uma pessoa P que, num belo dia, comeu um pudim estragado. Passou mal, a barriga doeu e aquilo gerou um enorme mal-estar. P passou então a não gostar mais de pudim (primeira restrição de suas ações: fuga da classe de estímulos “pudim”), P passou a evitar outros doces parecidos com pudim, como doces de coco, manjar, gelatinas esbranquiçadas, bolos molhados de baunilha (segunda restrição: fuga de classes de estímulos fisicamente parecidos com a classe “pudim” – generalização). Um dia P estava com uma amiga que lhe ofereceu um doce que havia feito: um pão doce que em nada se parecia com um pudim. Porém a amiga lhe disse que o gosto era muito parecido com um pudim. P não comeu e passou a desconfiar dos pães doces (terceira restrição: relações verbais de comparação).


Fonte: SABAN, M. T. (2015) Metáfora do Pudim. O que é terapia de Aceitação e Compromisso? p.181

Fazendo um recorte específico para as situações de reflexo condicionado (medo de comer pudim), e generalização (estímulos fisicamente parecidos: manjar, doces de coco). Pode-se observar que nas relações de reflexo condicionado e generalização, aprende-se a sentir e, por conseguinte cria-se um “histórico” pessoal de respostas para as situações vivenciadas cotidianamente.

Saban (2015, p. 182) salienta que, é fundamental aprender a evitar ou fugir de algumas situações para a sobrevivência humana. Contudo, o pudim estragado era apenas um, o que dá a certeza de que novamente se frustrará com ele?

O mesmo vale para qualquer outro sentimento ou emoção. Sentir como se fosse a primeira vez expande o arsenal de comportamentos. O objetivo a curto prazo não é modificar imediamente o sentimento/emoção sobre os “pudins”, mas propiciar tolerância a sensações desagradáveis, assim como a experiência concreta de sensações agradáveis. Exercícios de desfusão, por exemplo, podem auxiliar este processo. Caso o comportamento seja o mesmo, a resposta ambiental também será a mesma, haverá a longo prazo a restrição não apenas de comportamentos, mas também de experiências.

O sentir não pode ser controlado, ele é fruto das contingências, da relação dos reflexos inatos com o ambiente, do aprendizado dos reflexos condicionados, emparelhamentos, generalizações, entre tantos outros fenômenos comportamentais. Mas, quando o cliente desenvolve um repertório de aceitação de seus sentimentos, autoconhecimento sobre seus valores há a possibilidade de expansão de suas experiências, ou seja, a longo prazo o que lhe causava medo poderá ser aprendido e generalizado produzindo sensações diferentes.

Nestas ocasiões, o cliente se expõe de forma gradativa a estímulos específicos, o que possibilita novos emparelhamentos e por conseguinte, novas generalizações. Não há a necessidade de querer controlar os sentimentos, estes são indicativos das contingências vivenciadas, podendo fornecer alertas sobre situações perigosas ou indicarem a necessidade de intervenções profissionais, como a da psicologia, por exemplo.

Referências:

MOREIRA, Márcio B. MEDEIROS, Carlos A. Princípios Básicos e Análise do Comportamento. – Porto Alegre: Artmed, 2007.

SABAN, M. T. O que é terapia de aceitação e compromisso?. Terapias Comportamentais de terceira geração: guia para profissionais. Novo Hamburgo: Sinopsys, 2015 p. 179-216

 

 

 

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Escrito por Giovana Pagliari

Mãe de 4 cachorrinhas lindas, adora falar - ainda mais quando o assunto é: obesidade, memória, maternidade. Prioriza um olhar humano que seja integral, não dispensa uma boa conversa entre a fisiologia e a AC. Seus textos são rechados de ACT e por vezes, gosta de explorar temas que podem parecer simples, mas são fundamentais para compreensão dos processos clínicos.

Graduada em Psicologia. Pós-graduada em Fisiologia Translacional. Co-autora no capítulo "Comportamentos Suicidas". Formação em Terapia de Aceitação e Compromisso (Operantis). Realiza atendimento psicológico e avaliação psicológica para procedimentos cirúrgicos em Cambé-PR, também realiza psicoterapia on-line.
E-mail: giovanapagliari.gp@gmail.com
Instagram: @giovanapagliari

Análise Funcional na Prática Clínica

Qualificação avançada em Clínica Analítico Comportamental