Autismo: A importância da capacitação de pais

O segredo do sucesso na intervenção comportamental com pessoas diagnosticadas com TEA (Transtornos do Espectro do Autismo) é composto de inúmeras variáveis. Segundo Maurice, Green e Foxx (2001) algumas destas variáveis são: 1) começar a intervenção antes dos 3 anos de idade; 2) a intervenção ser intensiva, isto é, com duração de 20h a 40h semanais (claro que todas estas horas não são dedicadas apenas a terapias individualizadas, mas sim à aplicação dos procedimentos orientados pela equipe de intervenção em todos os contextos da vida da criança – casa, escola, terapias, passeios, etc. – e por todas as pessoas que lidam como ela); 3) intervenção individualizada e compreensiva, ou seja, que atinja uma ampla gama de habilidades (comunicação, AVDs, controle de comportamentos inadequados, habilidades sociais, habilidades acadêmicas, brincar, etc.); 4) ter como objetivo multiplicar comportamentos usando o repertório de comportamento adaptativo; 5) garantir intervenção “um para um”, ou seja, um terapeuta para uma criança tanto em contexto individualizado terapêutico quanto em contextos de grupo e contextos naturais; 6) a intervenção deve seguir uma sequência de instalação de habilidades, garantindo a aquisição de pré-requisitos; 7) os pais devem ser co-terapeutas, ou seja, devem ser capacitados para também aplicarem procedimentos de ensino de novas habilidades e controle de comportamentos inadequados em ambiente natural.

Em nossa prática cotidiana, comprovamos o tempo todo o quanto a participação intensiva dos pais no tratamento dos filhos contribui para o sucesso da intervenção.  Vemos claramente como casos em que os pais realmente aprendem os procedimentos e “botam a mão na massa”, ou seja, aplicam eles mesmos procedimentos de ensino de habilidades novas e controle de comportamentos disruptivos, evoluem mais e com mais rapidez do que casos em que os pais não participam, apenas contratam funcionários para aplicarem os procedimentos orientados pela equipe de intervenção.

Bearss et. al. (2015) conduziram um estudo multicêntrico randomizado com duração de 24 Semanas, no qual participaram 180 crianças com idades de 3 a 7 anos diagnosticados com TEA e graves problemas de comportamento. Os participantes foram divididos em 2 grupos: 1) 89 crianças cujos pais foram submetidos a um “Treinamento de Pais” e 2) 91 crianças cujos pais passaram por uma “Educação de Pais”.

O grupo do “Treinamento de Pais” passou por 11 sessões de treinamento individualizado, com duração de 60 a 90 minutos cada, incluindo visita na casa da família. Para promover a fidelidade, foram entregues instruções escritas para a aplicação da terapia. Na primeira sessão, os pais foram ensinados a analisar a função do comportamento e, nas demais sessões, os pais foram treinados a prevenir comportamentos disruptivos. Para isso, os autores usaram as técnicas de vídeo modelação (mostrar vídeos dos procedimentos sendo aplicados), Role Play (dramatização da aplicação do procedimento) e instruções diretas.

Já o grupo que passou pela “Educação de Pais” teve 12 sessões de 60 a 90 minutos e 24 visitas a domicílio. Este grupo, porém, apenas recebeu informações sobre o TEA, avaliação, desenvolvimento, planejamento educacional e opções de tratamentos atuais, ou seja, não foram efetivamente treinados. A “Educação para pais” não incluía informações sobre gestão de comportamento.

Os resultados deste estudo mostraram que o programa de “treinamento para os pais” foi superior à “educação dos pais” para reduzir a frequência de comportamento disruptivos em crianças com autismo.

Reagon e Higbee (2009) também constataram que pais implementando o procedimento de script-fading (usar um script, ou seja, uma sequência de perguntas e comentários funcionando como dica para a interação verbal, que vai sendo retirada gradualmente, até a interação ficar independente) obtiveram resultados positivos. Estes autores basearam seu estudo no fato de que, mesmo após intervenções, as crianças com TEA continuam com iniciações verbais limitadas durante o brincar. O script-fading pode ser usado para ensinar iniciações, perguntas e comentários e o script pode ser retirado enquanto as respostas permanecem intactas. O script-fading pode ser composto por palavras, frases ou sentenças que podem ser impressas ou gravadas. Este estudo examinou os efeitos do script-fading sendo aplicado no ambiente doméstico pelos pais.

O procedimento geral consistiu em sessões de brincar conduzidas pela mãe de cada um dos 3 participantes. Nestas sessões, era usado um conjunto de brinquedos por 3 minutos, separando cada brinquedo por sessão. Os brinquedos foram apresentados em uma sequência pré-determinada. Antes das sessões a mãe retirava as distrações do ambiente. Na linha de base, as mães eram convidadas a brincarem com seus filhos e responder caso a criança falasse, mas sem iniciar conversação. Depois, as mães foram treinadas a usar os seguintes procedimentos: vozes gravadas, instruções, script-fading, modelagem, dicas e feedback. O treino continuou até que os pais conseguissem realizar estes procedimentos sem erros. As instruções gravadas eram frases do tipo: “Eu gosto da cor”; “Quebra- cabeça é divertido”, etc. A criança deveria apertar o botão, ouvir o script e repetir a frase. Quando ela fazia isso, era elogiada pela mãe, caso a criança não repetisse, a mãe dava a dica “fala” e a ajudava a apertar o botão. Se, mesmo assim, a criança não respondesse, a mãe dava a instrução inteira. Foram utilizados 3 scripts para cada conjunto de brinquedos. Quando a criança atingia o critério de aprendizagem, uma palavra era apagada do script. Após duas semanas, novos brinquedos eram adicionados.

Os resultados mostraram que crianças autistas podem ser ensinadas usando script-fading para aumentar a frequência de interações espontâneas. Os resultados também forneceram a primeira demonstração de que pais de crianças com autismo podem ter sucesso em implementar, eles mesmos, script-fading após serem treinados. As 3 crianças que participaram deste estudo aprenderam a iniciar o brincar com seus pais com brinquedos que não tinham sido fornecidos/ensinados, ou seja, elas generalizaram o aprendizado.

Wacker et. al. (2013) buscaram ensinar os pais de crianças com TEA a realizarem análise funcional experimental com o objetivo de identificar a função dos comportamentos inadequados de seus filhos. As crianças que participaram do estudo apresentavam os seguintes problemas de comportamento: agressão (jogar itens nas pessoas), autolesão (machucar a si mesmo), gritos, escalar mobílias e movimentos repetitivos. O treino de pais incluiu os seguintes temas: avaliação indireta, avaliação de preferência, análise funcional sob as condições tangível, atenção e fuga, e procedimentos de manejo comportamental. Os pais poderiam entrar em contato com o consultor caso tivessem dúvida sobre procedimentos. As reuniões aconteciam por vídeo conferência. Os resultados mostraram que o modelo de prestação de serviços por vídeo conferência forneceu uma estratégia alternativa de custo eficaz para oferecer um serviço comportamental a famílias de crianças com TEA.

Apesar destes dados e da nossa experiência prática diária de comprovada eficácia da capacitação de pais no tratamento do TEA, existem muitos desafios para a capacitação de pais no Brasil, tais como: 1) Faltam pais/cuidadores/profissionais capacitados para aplicarem os procedimentos; 2) Na saúde pública enfrentamos falta de recursos financeiros e dificuldades sócio-culturais para cuidadores serem treinados; 3) Autistas adultos tendem a apresentar comportamentos disruptivos crônicos, ou seja, que estão há muito tempo sendo reforçados e, por isso, ocorrem em alta frequência e com múltiplas funções, dificultando muito o manejo. Por isso, a intervenção ABA compreensiva/intensiva e precoce pode favorecer a menor emissão de comportamentos disruptivos ao longo da vida.; 4) Autistas adultos têm pouco repertório alternativo de respostas funcionais (comunicação, habilidades sociais, autonomia nas atividades de auto-cuidado, etc.) para que se possa reforçar comportamentos adequados; 5) Existem poucas pesquisas sobre modelos de capacitaçãode pais para implementarem esses procedimentos de manejo de comportamentos disruptivos com adultos.

 

Referências bibliográficas:

Bearss, K. et al. (2015). Effect of parent training vs parent education on behavioral problems in children with autism spectrum disorder: a randomized clinical trial. Jama, v. 313, n. 15, p. 1524-1533, 2015.

 

Maurice, C., Green, G. & Foxx, R. M. (2001). Making a difference: Behavioral intervention for autism. Austin: Pro-ed.

 

Mohammadzaheri, F., Koegel, L. K., Rezaee, M., Rafiee, S.M. (2014). A Randomized Clinical Trial Comparison Between Pivotal Response Treatment (PRT) and Structured Applied Behavior Analysis (ABA) Intervention for Children with Autism. Journal of Autism and Development Disorders, 44(11):2769-77,doi: 10.1007/s10803-014-2137-3.

 

Reagon, K. A. & Higbee, T. S. (2009). Parent implemented script fading to promote play-based verbal initiations in children with autism. Journal of Applied Behavior Analysis, 42, 659- 664.

 

Wacker, D. P., Lee, J. F., Dalmau, Y. C., Kopelman, T. G., Lindgren, S. D., Kuhle, J., Pelzel, K. E., Waldron, D. B. (2013). Conducting functional analyses of problem behavior via telehealth. Journal of Applied Behavior Analysis, 46(1): 31-46, doi: 10.1002/jaba.29.

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Escrito por Juliana Fialho

Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo no ano de 2006. Mestre em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Dissertação defendida em maio de 2009). Trabalha como psicóloga na Gradual (Grupo de Intervenção Comportamental), onde lida principalmente com crianças e adolescentes com desenvolvimento atípico. Tem experiência em Análise do Comportamento Aplicada. Já desenvolveu pesquisas de Iniciação Científica, Conclusão de Curso e Mestrado nos seguintes temas: desenvolvimento atípico, avaliação de repertório inicial, intervenção comportamental, comunicação funcional e alternativa e variabilidade comportamental.

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