Razões para agradecer: reflexões sobre o sentimento de gratidão

Essa semana na América do Norte, mais especificamente nos Estados Unidos, celebrou-se o dia de Ação de Graças ou Thanksgiving Day. Apesar de não ser uma tradição no nosso país, a reflexão que decorre a partir das celebrações desse dia vale a pena ser considerada.

O Thanksgiving Day foi celebrado pela primeira vez no estado de Massachuttes no ano de 1621. Após um rigoroso inverno e uma colheita pouco produtiva no ano de 1620, os colonos que residiam naquela região obtiveram uma colheita farta no verão do ano seguinte. Para celebrar a fartura, os líderes daquele povo ordenaram que fosse feito um grande banquete para comemorar o que havia sido produzido. Desde então, celebrações de agradecimento são realizadas em reuniões familiares. Portanto, a celebração desse dia tem o seu significado e importância dentro do contexto e da história desse povo. As Contingências de Reforçamento (CR) que operaram dentro desse contexto cultural produziram essa prática.

E como nós, psicoterapeutas comportamentais podemos analisar a classe de respostas de agradecer ou o sentimento de gratidão? Comportamentos e sentimentos são produtos de contingências de reforçamento, por isso nossa análise deve partir daí. Podemos dizer que respostas de agradecimento e o sentimento de gratidão são produtos de contingências de reforçamento amenas e de reforço positivo.

Quais são, então, os processos comportamentais envolvidos na emissão de tais respostas? No meu entender, agradecer é um dos elos de uma cadeia comportamental que se inicia com o perceber e se atentar e é preciso, portanto, que um estímulo tenha passado a exercer influência sobre o organismo para que ele possa percebê-lo ou, em outros termos, responder de forma discriminativa a ele. Segundo Rico, Goulart, Hamasaki e Tomanari (2012), perceber diz respeito ao responder (ou não) a certos eventos ambientais. Para Skinner (1974), o que caracteriza a forma como os organismos respondem a certos estímulos são as CR às quais os indivíduos são submetidos ao longo da vida. Perceber, de certa forma, se refere a entrar em contato ou ficar sob controle de parcelas do ambiente ou de relações entre as parcelas do ambiente. Em outros termos, perceber é responder discriminativamente a um determinado evento-estímulo. Atentar, por sua vez, é uma resposta que coloca o organismo em contato com um estímulo discriminativo, permitindo que o organismo responda de forma apropriada na presença desse estímulo. Ou seja, poderíamos dizer que atentar se refere a ficar sob controle de estímulos relevantes.

De forma mais simples, eu me arriscaria a dizer que perceber envolve identificar ou reconhecer (entrar em contato) um estímulo discriminativo e o se atentar se refere à emissão de uma resposta apropriada na presença do estímulo discriminativo que foi identificado. (As duas respostas estão relacionadas, entrelaçadas, mas creio que para a análise em questão elas podem ser vistas sob essa ótica)

Em termos do comportamento de agradecer, a resposta de reconhecer um determinado evento ou uma determinada ação de outro organismo que tem função reforçadora condicionada é pré-requisito para que o organismo se comporte sob controle desse estímulo, ou seja, emita uma resposta (que pode ser verbal ou não) de agradecimento. Uma vez emitida a resposta de agradecimento, um dos seus efeitos é a sensação de ser grato ou o sentimento de gratidão. Uma pessoa é grata quando reconhece, aprecia e valoriza eventos ou ações de outras pessoas que estão presentes em sua vida e que podem ter função reforçadora positiva condicionada. Um esboço de uma contingência de reforçamento para o comportamento de agradecer, poderia ser feito como se segue:

ANTECEDENTE

RESPOSTA

CONSEQUÊNCIA

Eventos do ambiente que possam ter função reforçadora

Ações/Respostas do outro que possam ter função reforçadora

“Benefício” em função da resposta emitida pelo outro

Eliminação de algum evento-estímulo aversivo através da resposta emitida pelo outro

Perceber e se atentar (discriminar) as respostas emitidas pelo outro e/ou os eventos do ambiente

“Reconhecer” os estímulos antecedentes

Respostas verbais ou não verbais de aradecimento

Reforçadores sociais

Aquele a quem eu agradeço fica feliz, contente

Probabilidade aumentada do outro emitir as respostas com função reforçadora novamente

Manutenção e fortalecimento das relações

 

Ao analisar a contingência proposta e os exemplos de respostas de gratidão descritas por João Doerdelin, notamos que as respostas da classe de agradecer envolvem respostas de sensibilidade ao outro ou respostas de terceiro nível de seleção. Mas apenas essas respostas fazem parte dessa classe? Estamos falando de classe de resposta, portanto, nos referindo a uma variabilidade de respostas. Diversas fontes de reforçadores podem evocar respostas de agradecer e produzir sentimentos de gratidão. Vai depender da história de CR de cada um. Quando praticamos esportes, tocamos um instrumento, realizamos um trabalho voluntário, fazemos uma viagem para um lugar bonito, cumprimos as metas do trabalho, retomamos uma atividade física podemos nos sentir gratos e expressar esse sentimento, uma vez que estejamos sob controle ou discriminemos os efeitos da presença desses estímulos em nossas vidas.

Podemos ensinar uma pessoa a ser grata? Ou seja, emitir respostas de agradecimento e ter sentimentos de gratidão? A resposta é sim, podemos! Como para qualquer outro comportamento, é necessário que sejam manejadas CR para a instalação e fortalecimento desses comportamentos. Enquanto psicoterapeutas, ao manejar CR verbais na sessão de psicoterapia, promovemos as discriminações de eventos-estímulos públicos e privados por meio das perguntas que fazemos aos nossos clientes, das análises funcionais que são apresentadas e isso, consequentemente, produz autoconhecimento. É necessário que haja uma comunidade verbal que estabeleça contingências para que os indivíduos discriminem estímulos relevantes e passem a se comportar em função deles.

E por que considerar as respostas de agradecer e os sentimentos de gratidão tão importantes? Pesquisas da área (Harvard Health Publishing,2011) tem sugerido uma relação entre os sentimentos de gratidão e bem-estar, fortalecimento das relações interpessoais (ao reconhecer respostas desejadas do outro e emitir respostas que possam ter função de reforço positivo ou ter suas respostas desejadas reconhecidas e reforçadas positivamente), diminuição do estresse e dos sintomas de depressão. Todos esses efeitos positivos decorrem do fato de que ao cultivar comportamentos de agradecer e sentimentos de gratidão há uma alteração no controle de estímulos. Ou seja, passa-se a ficar mais sob controle das CR amenas e reforçadoras positivas do que das CR aversivas e coercitivas. Vamos incentivar nossos clientes a cultivas o jardim da gratidão? Que tal questionar pelo que eles são gratos hoje? Que tal ajuda-los a ficar mais sob controle dos estímulos reforçadores disponíveis em suas vidas? Será esta uma tarefa fácil? Se é fácil ou não, nossa tarefa enquanto psicoterapeutas é auxiliar os nossos clientes a se expor e a fazer esse exercício.

Vamos lá? Pelo que você é grato hoje? Eu sou grata por você ter lido o meu texto até aqui e por ter podido escrever sobre essa reflexão.

 

Referências Bibliográficas
Harvard Health Publishing (2011). In praise of gratitude. Disponível em https://www.health.harvard.edu/newsletter_article/in-praise-of-gratitude

Rico, V. V. ; goulart, P. R. K. ; HamasakI, E. I. de M. ; Tomanari, G. Y. (2012). Percepção e Atenção. (p. 42-55). Em: Maria Marta Costa Hübner; Márcio Borges Moreira. (Org.). Fundamentos de Psicologia – Temas clássicos da Psicologia sob a ótica da Análise do Comportamento. 1ed.Rio de Janeiro : Guanabara Koogan.

Skinner, B.F. (1974/2006). Sobre o Behaviorismo. São Paulo: Cultrix.

*Sugiro que vocês também leio o meu texto no Blog A CidadeON Campinas: http://blogs.acidadeon.com/blogs/emocionar-se/ e assistam ao vídeo do Canal Minutos Psíquicos: https://www.youtube.com/watch?v=h2HuMveeXls

 

2 1 vote
Article Rating

Escrito por Florença Justino

Psicóloga graduada pela Universidade Federal de São Carlos. Doutora em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos. Especialista em Psicologia Clínica Comportamental pelo Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento (ITCR-Campinas). Psicoterapeuta de adultos e crianças. Supervisora clínica e professora do Curso de Especialização em TCR.

Psicologia da UFSC está com edital para seleção de professores

Curso Terapia Comportamental Dialética (DBT): Teoria e Prática