Meu paciente está ligando, e agora? – O Coaching Telefônico na DBT

Uma das coisas que, frequentemente, fui questionada quando comecei a trabalhar com a Terapia Comportamental Dialética (DBT) é: como você lida com as ligações telefônicas dos seus pacientes? Não é incomum que esse fator seja fonte de diversas dúvidas, e também inseguranças, de muitos terapeutas. Por isso, venho aqui hoje falar um pouquinho sobre esse assunto.

O coaching por telefone é um modo de tratamento da DBT extremamente importante e existem muitas razões para isso. As suas principais funções são 1) treinar a habilidade de pedir ajuda de maneira adaptativa, 2) generalizar as habilidades aprendidas durante o tratamento para as situações do dia-a-dia, 3) aumentar o senso de proximidade com o terapeuta, e 4) reparar a relação terapêutica quando necessário (Linehan, 2010).

Eu percebo com alguma frequência a noção errônea de que as ligações na DBT são úteis e necessárias especificamente nos momentos de crise, principalmente em crises suicidas. Faria sentido pensarmos que o paciente deve ligar quando estiver precisando, ou acreditar que precisa, porém essa não é a ideia por trás da perspectiva comportamental. Um dos principais pressupostos das ligações telefônicas na DBT é de que o paciente não precisa estar suicida para receber atenção, além das sessões, do seu terapeuta. As estratégias de coaching telefônico são utilizadas, justamente, para minimizar o contato com o terapeuta por telefone como um reforço para crises suicidas.

Pacientes com grandes dificuldades de regulação emocional frequentemente precisam de algum grau a mais de interação com seu terapeuta que vão além das sessões semanais. Além disso, devido a alta reatividade emocional e as histórias de aprendizagem de comportamentos desadaptativos em ambientes invalidantes, crises podem ser frequentes. Levando em conta que cada paciente é diferente, a aplicação e função da estratégia de coaching telefônico pode ser diferente para cada caso, precisando estar de acordo com os principais alvos e metas do tratamento. Diante disso, há três tipos de contato por telefone entre terapeuta e paciente na DBT que serão discutidos a seguir.

Ligações do paciente para o terapeuta devido uma crise, inabilidade de solucionar um problema, ou ameaça de ruptura da relação terapêutica:

Nessas ligações, quando o paciente procura o terapeuta devido a uma crise, ou dificuldades de resolver um problema, o foco da ligação é sempre voltado a prática, aplicação e generalização das habilidades aprendidas e treinadas na DBT. Essas ligações não têm o objetivo de compreender o problema, nem de analisa-lo, mas sim de focar nas estratégias que podem ser implementadas para soluciona-lo. Por essa razão, a ligação costuma ser mais diretiva e menos inquisitiva. Nessas ligações, o terapeuta precisa entender o contexto do paciente no momento da ligação (onde ele está, o que está sentindo, qual o seu impulso de ação e proximidade da rede de apoio), deve perguntar quais estratégias o paciente já tentou utilizar naquele momento e sugerir novas estratégias que podem ser utilizadas (principalmente, de sobrevivência a crise). Além disso, o terapeuta deve validar o paciente. Apesar do contato telefônico ser fortemente voltado para solução de problemas, a validação do sofrimento e das necessidades do paciente é crucial.

Os problemas desencadeadores da crise, ou aqueles que os pacientes estão tendo dificuldades para resolver podem ser, tanto problemas simples, quanto problemas complexos. No caso dos primeiros, focar em solução de problemas tende a resolve-los. Já no caso dos segundos, o foco é em como agir sem se engajar em respostas desadaptativas e piorar a crise, ou seja, em tolerar o mal estar. É importante que fique claro para o paciente que o problema não será resolvido, mas que será discutido na próxima sessão.

Em relação a essas ligações há um ponto importante a ser discutido: a regra das 24 horas. A combinação feita com os pacientes é a de que entrem em contato com o terapeuta antes de se engajarem em qualquer tipo de comportamento de risco. Caso o paciente se engaje nesse comportamento, não é permitido que ele entre em contato com o terapeuta pelas próximas 24 horas (a não ser que as lesões ameacem a vida). O pressuposto por trás é de que o terapeuta não é útil depois que o paciente se engajou nesses comportamentos e de que tais não devem ser reforçados. A meta é modelar para que o paciente ligue nos estágios iniciais da crise.

Esse primeiro tipo de ligações também se refere a ligações que são feitas quando a relação terapêutica está fragilizada e o paciente está se sentindo alienado do terapeuta. Acredita-se que seja importante ligar nessas ocasiões para falar “de coração para coração”. O papel do terapeuta é acalmar o paciente e assegurá-lo; análises devem ser feitas apenas na próxima sessão. Se ligações dessa configuração forem excessivas, análises em cadeia devem ser conduzidas e o terapeuta deve estar atento para validar e reforçar o paciente quando as coisas estiverem indo bem.

Ligações regulares e pré-agendadas do paciente para o terapeuta:

O segundo tipo de ligações se referem a ligações que são agendadas e pré-estabelecidas quando o paciente precisa de mais do que apenas uma sessão na semana. Essa combinação reconhece a necessidade do paciente de maior assistência, minimiza as consequências positivas de estar em uma crise (receber atenção) e insere um período de espera entre ligações e sessões, abrindo oportunidades do paciente praticar a habilidade de tolerar o mal estar até o horário do próximo contato. Se ligações são agendadas, o terapeuta deve evitar falar com o paciente em horários não agendados, mesmo se uma crise está presente.

Ligações do terapeuta para o paciente:

Por fim, este terceiro tipo de ligação é utilizado para extinguir conexões funcionais entre atenção do terapeuta e comportamento suicida do paciente, ou afeto negativo intenso, assim como interromper evitação da terapia ou do trabalho com algum problema. Essas ligações podem ser breves e devem focar em como o paciente está e em aplicar os princípios terapêuticos aos seus problemas do dia a dia.

O grande medo de muitos terapeutas que eu conheço é de que eles sejam chamados com muita frequência e fora do período de trabalho. De fato, em algumas circunstâncias, isso tende a acontecer. Porém, as ligações na DBT não são indiscriminadas e não funcionam pela premissa do “qualquer coisa, me avisa”. Como mencionado, o coaching telefônico tem funções e todas elas estão alinhadas as metas e alvos do tratamento de cada paciente.

Além disso, as habilidades de observar os próprios limites, assim como compreender comportamentos que interferem na terapia são recursos para lidar com momentos em que as ligações telefônicas se tornarem um problema. Mesmo que seja necessário que o terapeuta estenda seus limites eventualmente, qualquer combinação a respeito das ligações devem ser feitas e aceitas entre terapeuta e paciente, e é importante que o terapeuta sempre esteja atento as contingências dessa interação e que responda ao comportamento adequadamente. O terapeuta precisa estar observando seus limites e no caso de problemas quanto as combinações, esses problemas são trabalhados como comportamentos que interferem na terapia. Ao entendermos os princípios e pressupostos da DBT, assim como o modelo de tratamento, o coaching telefônico deixa de ser assustador para se tornar enriquecedor.

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Escrito por Julia Schafer

Possui graduação em Psicologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2014), treinamento em Terapia Comportamental Dialética pelo The Linehan Institute/Behavioral Tech (2015) e mestrado em Psicologia, com ênfase em Cognição Humana e vinculação ao Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trauma e Estresse (NEPTE) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Atualmente, é pós-graduanda em Terapia Cognitivo-Comportamental pela PUCRS.

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