Vejo a FAP em todos os cantos

Há semanas atrás me dei por conta que vejo FAP por todos os lugares. Estudando sobre terapia de casal através da IBCT (Terapia Comportamental Integrativa de Casal), me deparei com princípios muito semelhantes aos da FAP. Não é à toa que ambas fazem parte da Ciência Comportamental Contextual.

O artigo apresentava uma perspectiva geral sobre a IBCT, apontando o papel do terapeuta de evocar condutas de vulnerabilidade para gerar intimidade em um espaço de aceitação.  Logo, minha mente passou a fazer comparações e associações com o que eu já conhecia: a psicoterapia analítica funcional. Ao longo da leitura, ficou evidente o quanto a FAP pode ser útil para auxiliar casais a construírem uma relação de maior intimidade. Neste texto compartilho alguns pontos diferenciais na interação do terapeuta nas seguintes modalidades de psicoterapia – individual e de casal.

No livro The Practice of Functional Analytic Psychotherapy (Tsai, M; Kohlemberg, R.J.; Kanter J. 2010), os autores enfatizam que a abordagem pode facilitar o enriquecimento da intimidade em diferentes contextos de tratamentos. Ainda que a FAP tenha seu embasamento e sustentação teórica nos princípios behavioristas: controle de estímulo, reforçamento e generalização – medidas de sucesso das intervenções com foco no reforço de CCR2 em sessão (comportamentos de melhora do cliente) indicam maior intimidade nas relações de diferentes orientações terapêuticas, assim como em diferentes populações. Mesmo que a FAP seja muito mais do que uma técnica, ela pode ser usada por qualquer terapeuta que a domine ainda que utilize outro referencial teórico. Veja também

Se pensarmos que um dos principais desafios que o ser humano enfrenta é sustentar com vitalidade a escolha de construir uma relação de intimidade com um parceiro, aproveitar a ampla aplicabilidade que a FAP tem para o trabalho terapêutico com casais parece uma ótima ideia, e logo veremos o porquê.

As terapias de casal e família desenvolvidas desde a década de 50 já traziam a importância do contexto para a ocorrência de mudanças necessárias e desejadas. Porém, tais abordagens não enfatizavam a importância do reforço natural dos comportamentos de mudança que ocorrem na sessão terapêutica do mesmo modo que a FAP o faz. Para compreendermos melhor essa diferença, referencio aqui alguns aspectos apontados no capítulo sobre Terapia de Casal com FAP, do livro citado anteriormente.

FAP na terapia de casal

Já era de se esperar que conceitualizar o caso é fundamental para um bom trabalho, tanto na terapia individual quanto na de casal. Por isso, a análise funcional da interação interpessoal do casal é uma das chaves do tratamento. Um facilitador para o terapeuta é que ele tem a oportunidade de fazer tal análise não apenas baseado na sua interação com os clientes, mas visualizando as sequências relacionais ocorrendo entre os parceiros em tempo real.

O terapeuta deve ficar atento aos loops que regulam ou desregulam mutuamente a interação, identificando com cada um dos membros as respostas emocionais internas eliciadas à cada momento, clarificando, assim, o efeito que um tem sob o outro. O casal passa a estar mais consciente dos processos envolvidos nos conflitos. Deste modo, pode-se usar o setting terapêutico como espaço de construção da intimidade, não apenas entre terapeuta e cliente como na psicoterapia individual, mas entre os membros o casal. Todavia, a relação e postura do terapeuta com cada um deles tem forte impacto nesse processo.

Um dos pontos que diferencia a complexidade entre a terapia individual de uma terapia de casal (que, geralmente há mais enredamentos) para um terapeuta FAP é que na primeira modalidade, a relação de cura está centrada na interação com o cliente e na segunda a transformação irá ocorrer, principalmente, na troca ente os parceiros.

Porém, no início do processo, é vital que a vinculação ocorra individualmente entre cada componente e o profissional. O centro das interações nesta etapa deve se fixar entre o terapeuta e cada um dos membros do casal, oportunizando diversos aprendizados:

  • Os comportamentos de melhora de um dos membros é facilmente mais reconhecido pelo terapeuta do que pelo outro elemento. Isso aumenta a possibilidade de um CCR2 ser reforçado imediatamente após sua ocorrência na relação;
  • Sendo uma nova figura na relação, o terapeuta tem maiores chances de evocar comportamentos mais adaptativos e diferentes do que o parceiro usualmente evoca. Isso oportuniza que novos repertórios possam ser treinados na presença do outro;
  • Enquanto um dos membros observa a interação do outro com o terapeuta, o observador tende a não responder automaticamente. Assim, reações mais impulsivas que fazem parte da relação entre os dois (CCRs1) podem ser extintas;
  • Todas as interações centradas no Terapeuta – Cliente A e Terapeuta – Cliente B, nas quais há o reforço de CCRs2, servirão como modelo para o casal;

Ainda outras aplicações da FAP, como o uso das cinco regras, são de benefício a terapia de casal. Destaca-se que notar o que se passa nas interações requer do terapeuta muita sensibilidade. É importante que se esteja atento não apenas ao impacto que o outro tem sobre si, mas também ao impacto que um membro do casal tem sobre o outro. O foco deve estar em reforçar as respostas que se aproximam da forma de interagir que o casal deseja. Possivelmente assim,  as necessidades relacionais de ambos sejam mais facilmente reconhecidas e atendidas.

REFERÊNCIAS

Gaspar, Rafael Morón. Integrative Behavioral Couple Therapy.(2006) eduPsykhé, vol. 5, No. 2, 273-286.

Kanter, Jonathan W.; Tsai, Mavis; Kohlemberg. The Practice of Funcional Analytic Psychotherapy. (2010) Springer, New York.

 

 

 

 

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Escrito por Maria Eduarda Alencastro

Psicóloga graduada pela PUCRS, especialista em Terapia Comportamentais Contextuais pelo CEFI/CIPCO. Atua como psicóloga clínica e como coordenadora de grupos com as abordagens comportamentais contextuais. É membro da Association for Contextual Behavioral Sciences - ACBS.

XXVI Encontro Brasileiro de Psicologia e Medicina Comportamental

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