Intervenções FAP para adolescentes com comportamento antissocial

Texto escrito em colaboração com Gibson J. Weydmann

O tema desse artigo está de acordo com a minha proposta de, nessa coluna, abordar a aplicação da Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) para a terapia de adolescentes. Dessa vez, pretende-se abordar uma classe de respostas denominada comportamento antissocial e analisar algumas situações em que se pode utilizar FAP na intervenção com adolescentes que apresentam comportamento antissocial.

O comportamento antissocial pode ser considerado uma classe ampla de respostas ligadas à impulsividade, à agressividade e ao não seguimento de regras que costumam estar presentes em diagnósticos nosográficos chamados Transtornos Disruptivos (APA, 2014), embora estes não configurem, em si, um diagnóstico. O comportamento antissocial é um padrão de resposta que possui uma função na interação com o ambiente, em geral, produz reforçadores imediatos e adia contingências aversivas (Patterson, Reid & Dishion, 1992), dessa forma, é selecionado pelas consequências. A história de aprendizagem de comportamentos antissociais inicia na infância e, principalmente, na interação com a família. Kazdin e Wassel (2000) identificaram fatores intrafamiliares (e.g., baixa qualidade de vida, comportamento antissocial na família e diagnóstico psiquiátrico nos familiares) como preditores de um resultado negativo no tratamento de crianças com comportamentos disruptivos.

A classe de respostas denominada antissocial é adquirida através de procedimentos de modelagem, modelação, controle por regras ou reforçamento direto. Durante a adolescência, observa-se um agravamento de comportamentos antissociais, que já estavam presentes desde a infância, devido a componentes desenvolvimentais, como maior autonomia, menor supervisão parental e proximidade maior com o grupo de pares.

Em termos gerais, o comportamento antissocial é mantido por necessidades humanas comuns, como aceitação, atenção, evitação de contextos aversivos e gratificação. Alguns indivíduos aprendem habilidades que produzem essas consequências de forma efetiva e sem ferir o direito dos outros; outros apresentam um déficit em habilidades interpessoais e utilizam repertórios antissociais, produzindo tais consequências.

Para adolescentes que apresentam condutas antissociais, o tratamento deve focar na inserção escolar, na construção de habilidades sociais e de resolução de problemas e em atividades que promovam e mantenham um estilo de vida pró-social. O treino de pais também é, há muito tempo, considerado uma intervenção eficaz (Serketich & Dumas, 1996). Alguns estudos indicam que o aumento de habilidades sociais e de estratégias de resolução de problemas favorece a diminuição das condutas antissociais (Kazdin & Wassel, 2000).

Uma abordagem de terapia capaz de aumentar o repertório social e desenvolver relações saudáveis é a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP – Kohlenberg & Tsai, 1991/2001). A FAP enfatiza comportamentos clinicamente relevantes, incluindo aspectos idiográficos (i.e., particulares ao caso do paciente) e funcionais (i.e, da interação do indivíduo com os reforçadores ambientais). O pressuposto da FAP é que o cliente emite, na sessão terapêutica e na relação com o terapeuta, comportamentos com funções semelhantes àqueles que costuma emitir em seu ambiente natural. Com clientes que apresentam comportamento antissocial isso não será diferente. Como exemplo, podemos considerar que um cliente que costuma quebrar normas sociais irá, provavelmente, violar o contrato terapêutico. A semelhança entre estes comportamentos está na função da classe de respostas “quebrar-normas”, que pode ser receber do terapeuta o mesmo tipo de repreensão que os pais costumam fornecer – como a única forma de reforço social conhecido pelo cliente.

Quando os comportamentos problemas, no caso, antissociais, são identificados na relação terapêutica, são chamados de CCR1 (comportamento clinicamente relevante) e quando são identificados na vida diária do cliente são chamados de O1 (Outside of session behavior – comportamento de fora da sessão) (Villas-Boas, 2013). Da mesma forma, o terapeuta busca identificar na relação terapêutica os comportamentos que apresentam a mesma função das melhoras ocorridas fora de sessão. Os que ocorrem na relação terapêutica são chamados CCR2 e os que ocorrem fora dela são chamados de O2 (Villas-Boas, 2013). Fazer o paralelo entre o repertório apresentado pelo cliente dentro e fora da sessão é muito importante para que o terapeuta possa consequenciar adequadamente, bem como, modelar respostas funcionais.

A literatura sobre a aplicação da FAP em clientes com comportamento antissocial ainda é bastante restrita, indicando a necessidade de estudos sobre o tema. Newring e Wheeler (2012) apresentam uma discussão sobre o uso de estratégias FAP com jovens abusadores sexuais. Embora o artigo seja bem direcionado para o tratamento dessa população, os autores afirmam que um aspecto encontrado nesses jovens é a presença de repertórios antissociais, sendo o conjunto desses um objeto importante da intervenção, visto que se constituem em preditores para a continuidade do comportamento sexualmente abusador.

Com base no trabalho de Newring e Wheeler (2012), apresentamos a seguir exemplos de comportamentos frequentemente observados em adolescentes com comportamento antissocial, seus possíveis paralelos na sessão terapêutica e procedimentos com base na FAP que podem ser adotados pelo terapeuta. As seguintes classes de respostas serão analisadas: comportamentos que indicam autocontrole e inibição de respostas agressivas, repertórios pró-sociais e comportamentos de violar normas.

Dificuldades com repertório de autocontrole e inibição de respostas agressivas

O1 e O2: O1 pode incluir brigas com pares, ameaças dirigidas a irmãos e pais, inconformidade com regras e frequente mau humor. O2 pode incluir estratégias efetivas de resolução de problemas com pares, iniciativas de time out ou retiradas estratégicas de ambientes que podem evocar comportamentos antissociais.

CCR1 e CCR2: CCR1 pode incluir agressão verbal ou física (ou outro comportamento extremo) dirigido ao terapeuta, equipe ou a outros membros do grupo (em caso de intervenção em grupo); envolvimento frequente em conflitos ou ‘luta de poder’ na sessão; abandono abrupto da sessão; e não participação durante a sessão. CCR2 inclui demonstrar respeito à fala dos outros, realizar solicitações de apoio emocional da equipe ou dos pares; interromper espontaneamente uma resposta de desregulação emocional.

Procedimentos da FAP: manifestação genuína do terapeuta sobre os sentimentos produzidos pelo cliente durante respostas físicas ou verbalmente agressivas. O terapeuta pode fornecer relatos reais sobre as ações “impulsivas” do cliente, salientando os efeitos destas na relação terapêutica. O terapeuta também deve identificar, evocar e responder ao CCR2 de forma colaborativa e consistente, reforçando comportamentos que se relacionem com autocontrole e inibição de respostas agressivas. É possível que o terapeuta tenha de fornecer descrições ao paciente sobre reações emocionais que este não consegue perceber.

Fraco repertório de comportamentos pró-sociais

Segundo Newring e Wheeler (2012), a questão básica aqui é se o adolescente tem laços duradouros, significativos, pró-sociais e efetivos com seus amigos, família, escola ou comunidade. Considerando que os comportamentos socialmente habilidosos ou pró-sociais são aprendidos na interação social e a família é um ambiente privilegiado para isso, é importante que o terapeuta também observe esse tipo de repertório nos pais e demais familiares próximos do adolescente.

O1 e O2: O1 pode envolver violação de regras em casa e na escola, absenteísmo escolar, fuga, desconsideração pelos direitos e sentimentos dos outros, isolamento social ou socialização com colegas com problemas de comportamento. Com relação à família, é importante observar os conflitos familiares, presença de cuidador inconsistente e relacionamento pais-filhos(as) conflituoso, que podem contribuir para as topografias de O1 descritas. O2 inclui aceitação de regras em casa e na escola, demonstração de consideração pelos outros, relação com pares com comportamento pró-social, revelação de suas próprias emoções aos outros, cooperação com professores e pares.

CCR1 e CCR2: CCR1 pode incluir apresentar comportamentos disruptivos com o grupo, encorajar os pares a não aderirem ao tratamento, esquecer as sessões, recusar a revelar-se na terapia. CCR2 inclui encorajar os pares a dividir experiencias emocionais, dividir suas experiencias emocionais, apoiar os esforços da equipe e dos membros do grupo com o tratamento, comparecer às sessões, e estabelecer um ambiente de tratamento seguro e de apoio.

Procedimentos da FAP: Para um cliente relutante em obter apoio social, o terapeuta deve incentivar o cliente a pedir ajuda e reforçar naturalmente quando tal pedido ocorrer, oferecendo atenção e apoio genuíno. O terapeuta deve observar as mudanças no cliente e comentar o impacto e a função do cliente pedir ajuda, além de reforçar respostas que aumentem a aliança terapêutica. O terapeuta também pode relatar como se sente ou sua percepção sobre os efeitos da mundança do comportamento do cliente para as sessões. O terapeuta pode fornecer pistas emocionais que servirão, após estabelecimento de regras, de estímulos discriminativos para respostas empáticas do cliente e serão naturalmente reforçadas pela reação (comportamento) do terapeuta.

Violação e inconformidade com as regras

O adolescente pode ter dificuldade para seguir regras e, portanto, em se engajar de forma adequada ao tratamento.

O1 e O2: O1 inclui violar regras em casa, na escola e na comunidade. Quanto à família, os pais não levam seus filhos para a sessão, se recusam a participar de terapia familiar e não cumprem combinações realizadas com o terapeuta. O2 envolve seguir regras e combinações; questionar de forma socialmente habilidosa as regras; assumir a responsabilidade pelas consequências de seu comportamento; identificar fatores de risco pessoais para continuar se comportamento de forma antissocial e desenvolver comportamentos alternativos.

CCR1 e CCR2. CCR1 inclui negar responsabilidade sobre os comportamentos antissociais, responsabilizar outras pessoas por seus problemas, inclusive o terapeuta; engajar-se pouco no tratamento; questionar ou não cumprir combinações quanto ao funcionamento da terapia, como horários, frequência e formas de comunicação com o terapeuta. CCR2 inclui verbalização de aceitação de responsabilidade pelas consequências de seus comportamentos; cumprimento de combinações acerca da terapia; realização de eventuais tarefas de casa indicadas pelo terapeuta; redução de comportamentos opositores na relação com o terapeuta; participação significativa no tratamento.

Procedimentos da FAP: O terapeuta deve reforçar o novo repertório comportamental do cliente com relação a regras normas relacionadas ao tratamento. O contranto terapêutico estabelecido no início do tratamento pode servir de linha de base para o monitoramento das respostas de seguir normas, combinações ou instruções. Ao longo do processo, o terapeuta pode reforçar respostas, do cliente, de seguir as combinações, mesmo quando este não é o foco da sessão, visando fortalecer esse repertório.

A intervenção baseada em FAP com adolescentes com comportamento antissocial utiliza os princípios da abordagem, iniciando a intervenção por uma análise funcional dos comportamentos do cliente. Os comportamentos terapêuticos envolvem aqueles presentes na psicoterapia em geral e relacionados à mudança, como atitude empática, diretiva, respeitosa e flexível; responsividade emocional genuína; autorrevelação; e encorajamento à participação na terapia. Especificamente na intervenção FAP com adolescentes, o terapeuta deve ser sincero, consistente e cuidadoso, porque os adolescentes percebem a falta de sinceridade e de espontaneidade e podem agir de forma muito negativa a isso prejudicando o transcorrer da intervenção (Newring & Wheeler, 2012).

Referências:

American Psychiatric Association (2014). Manual diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais-: DSM-5. Porto Alegre: Artmed.

Kazdin, A. E., & Wassell, G. (2000). Predictors of barriers to treatment and therapeutic change in outpatient therapy for antisocial children and their families. Mental health services research2(1), 27-40.

Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1991/2001). Psicoterapia analítica funcional: Criando relações terapêuticas intensas e curativas. Santo André: ESETec.

Newring, K. A., & Wheeler, J. G. (2012). Functional Analytic Psychotherapy with juveniles who have committed sexual offenses. International Journal of Behavioral Consultation and Therapy, 7(2-3), 102.

Patterson, G. R., Reid, J. & Dishion, T. (1992). Antisocial boys. Eugene: Castalia Publishing Company.

Serketich, W. J., & Dumas, J. E. (1996). The effectiveness of behavioral parent training to modify antisocial behavior in children: A meta-analysis. Behavior therapy27(2), 171-186.

Villas-Boas, A. (2013). FAP e seus paralelos. Disponível em https://comportese.com/2013/03/fap-e-seus-paralelos. Acessado em 09 de junho de 2017.

 

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Escrito por Janaína Thais Barbosa Pacheco

Psicóloga, Mestre e Doutora pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Realizou Estágio de Pós Doutorado (Bolsista PNPD/Capes) na Pontíficia Universidade Católica/RS. Atualmente, é professora do Curso de Psicologia da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA) e do Programa de Pós Graduação em Psicologia e Saúde (UFCSPA), responsável pelas disciplinas de Behaviorismo Radical e Terapias cognitivas e comportamentais.
Atua como terapeuta e como supervisora. Desenvolve pesquisas com relação a psicopatologia e adolescência, avaliação psicológica de adolescentes e intervenção psicoterapêutica.

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