Aprenda a descansar…

Como quase todos os outros comportamentos, descansar é (e deve ser) aprendido. Não levar o descanso a sério, ou não se preocupar em desenvolvê-lo como fazemos com outros comportamentos importantes da vida, traz muitos prejuízos bem conhecidos, como estresse, ansiedade, irritação, confusão e em situações mais críticas até desejo de desistir de tudo… Além de outros problemas que vão desde dificuldades em manter relacionamentos de qualidade, até uma série de problemas de saúde.

Muitas pessoas entendem que o sinônimo do descanso é o ócio, uma das topografias do comportamento de descansar mais conhecidas por realmente ser funcional: simples, barato e com baixo custo de resposta. Ou seja, descansar é ficar sem fazer nada, ficar no sofá, deitado na cama, na internet, jogando ou conectado nas redes sociais, assistindo qualquer coisa no Netflix, dormindo…

Ócio é o descanso fácil de fazer e funciona para muitos, principalmente quando há cansaço físico. Mas é comum ouvirmos, principalmente daqueles que o praticam como principal forma de descanso, que nem sempre traz a sensação de que foi suficiente para relaxar, ou pode levar ao tédio. E isso porque o ócio traz mais alívio (reforçadores negativos) do que prazer, ou seja, o ócio não permite acessar sentimentos de bem estar mantidos por reforçadores positivos mais poderosos.

Se o cansaço tem a ver com estresse do trabalho, com passar a maior parte do tempo na frente do computador com pilhas de coisas para fazer e preocupação com prazos, ou com pensar demais em problemas de relacionamento familiar ou afetivo, ou em dilemas em relação ao que se quer da vida, este cansaço não é principalmente físico. Descansar deste tipo de tensão usando o método mais simples de descanso, nem sempre é suficiente. E o problema, novamente, é que muitas pessoas só entendem como forma de relaxar a pratica do ócio.

Variabilidade comportamental é importante e eficiente em muitos contextos da vida e quando se trata de descanso não é diferente, e aí entender que também se descansa quando se está ativo, é um ponto de partida. Ou seja, é se comportando e variando a forma de se comportar que você aumenta a probabilidade de se engajar em atividades mantidas por reforçadores positivos e traz mais sentimentos de bem-estar – me refiro a “estar ativo” mesmo em atividades que tenham a ver com contemplação, a questão é ter acesso a outros reforçadores positivos provenientes de interação social, atividades intelectuais, ou físicas…

A dificuldade de descansar com eficiência pode ter relação com déficits comportamentais relacionados a várias questões, dentre eles:

a. Dificuldade de auto-observação. É comum ouvir de mães, quando está tarde e uma criança pequena fica chata e irritada, a frase: “ela está com sono…”. Por que a mãe sabe disso e a criança não? A mãe identifica o cansaço provavelmente porque conhece a rotina e naquele horário a criança já deveria estar dormindo, ou está há bastante tempo sem dormir… Ainda falta para a criança pequena auto-observação, ou seja, identificar o cansaço e reconhecer que precisa parar. Isso ainda acontece com muitas pessoas adultas. Auto-observação significa reconhecer, identificar e nomear como se sente, tanto quando se está irritado, quanto quando se está satisfeito e relacionar isso com atividades da vida do tipo: “se fico sem tirar férias, meu rendimento não é bom”, “se aproveito um fim de semana prolongado para fazer um passeio, volto com disposição, bom humor e inspiração” e a partir daí fazer escolhas;

b. Falta de modelos, ao longo da história da vida, que valorizem atividades alternativas fora do período dos compromissos e responsabilidades, assim deixam de planejar atividades reforçadoras de modo eventual ou frequente (como uma família que não planeja atividades prazerosas para um final de semana, não se engaja em atividades que possam desenvolver habilidades alternativas ao estudo e/ ou ao trabalho tradicional, tais como aprender um esporte, ou fazer trabalhos manuais, não planejam férias, ou passeios etc.);

c. A pessoa pode ter “autorregras” disfuncionais, do tipo, “viajar é perder tempo”, “para sair preciso de muito dinheiro”, “ficarei ainda mais cansado se for jogar no final de semana”, e acaba não criando condições para incluir em sua vida atividades prazerosas, se comporta de modo restrito, ou com pouca variabilidade.

O descansar mais eficiente, tem a ver com se comportar de modo mais vigoroso na busca de outros reforçadores positivos e assim conseguir alcançar reforçadores mais poderosos, isto é com o estabelecimento de contingências de reforçamento que atuem de forma a produzir sensações de bem-estar. Isso exige planejamento e persistência no começo, mas garante mais qualidade de vida e sentimentos de satisfação. Como bem sabemos… para mudar sentimentos é preciso mudar comportamentos!

 

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Escrito por Thais Barros Rocha

Psicoterapeuta de Adultos e Crianças desde 2005.
Supervisora Clínica e Professora do Curso de Especialização em TCR. Professora do Curso de Aprimoramento em TCR com crianças. Graduada pela UFSCar, São Carlos - SP. Especialista em Psicologia Clínica pelo ITCR- Campinas -SP. Com Formação em Intervenção em ABA, pelo ITCR e Grupo Gradual.

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