“Quero utilizar a FAP. E agora?” – Sugestões para se desenvolver na Psicoterapia Analítica Funcional

Tive a oportunidade de ser uma das primeiras do grupo a escrever e me perguntei por (muitos) dias de que forma expor sobre Psicoterapia Analítica Funcional (FAP). Ideias aqui e ali, até que cheguei a uma conclusão. Para um início que possa agradar, quero enumerar alguns aspectos para quem – assim como eu – tenha se encantado pela FAP e se pergunta sobre quais passos dar para utilizar e se desenvolver nessa estratégia. E para quem ainda não se encantou e quer conhecer mais, acredito que esse texto fornecerá direções.

Para alcançar esse objetivo, acho importante me apresentar, já que falo de minhas experiências como estudante, recém-formada e não tão mais recém-formada assim (o tempo passa e a gente nem vê…). Sou graduada e mestra em Psicologia pela Universidade Federal do Paraná, tendo participado desde a graduação de pesquisas como terapeuta utilizando a FAP, bem como auxiliando na formação de categorizadores de falas na interação terapeuta-cliente. No mestrado, verifiquei prováveis relações entre tarefas de casa e a melhora clínica também com a FAP. Atualmente, sou psicóloga clínica em consultório particular em Curitiba-PR e psicóloga na área de saúde pública no município de São José dos Pinhais, região metropolitana da capital paranaense.

De forma alguma tenho a pretensão de apresentar tudo o que é necessário/importante para chegar lá. Quero apenas discorrer sobre o que considero relevante para a formação de terapeutas que se interessam por FAP. Também utilizo como inspiração as perguntas que eu me fiz quando iniciei minha formação como terapeuta. Espero que a leitura seja agradável!

Ler, ler e ler…

Como psicólogos e estudantes de psicologia, já sabemos que a leitura é fundamental para nosso aprimoramento profissional. Para a aprendizagem da FAP, isso não é diferente. Como minha intenção aqui não é “chover no molhado” e apresentar argumentos que demonstrem a importância da leitura, abro esse tópico para sugerir textos que considero básicos para o aperfeiçoamento na FAP.

Gosto de pensar em uma leitura cronológica para compreender o desenvolvimento dessa estratégia, identificando os avanços na aplicação da FAP. Por isso, sugiro inicialmente a leitura da primeira publicação em livro, “Functional Analytic Psychotherapy: creating intense and curative therapeutic relationships” de Robert J. Kohlenberg e Mavis Tsai, de 1991, seguida pelo segundo livro após duas décadas de desenvolvimento de pesquisas em FAP, “A guide to functional analytic psychotherapy: awareness, courage, love and behaviorism”, de Mavis Tsai e colaboradores, de 2009. Na sequência, sugiro os livros “The practice of functional analytic psychotherapy” de Johnatan W. Kanter, Mavis Tsai e Robert J. Kohlenberg, de 2010, seguido por “Functional analytic psychotherapy: distinctive features”, de Mavis Tsai e colaboradores, de 2012. Os dois primeiros livros sugeridos também têm suas versões em português.

Considerando que a FAP é uma estratégia terapêutica de base behaviorista radical, é necessário que os pressupostos dessa filosofia sejam compreendidos para o aproveitamento e aplicação da FAP. Para isso, recomendo a leitura inicial de Science and Human Behavior, de 1953, Verbal Behavior, de 1957, Contingencies of Reinforcement: a theoretical analysis, de 1969 e About behaviorism, de 1974, todos de B. F. Skinner. Todos possuem versões em português.

Obviamente que são apenas sugestões, pois há muitas outras leituras tão boas quanto essas (tanto do behaviorismo radical quanto da FAP). E se encontrar dificuldades para compreender os conteúdos ao ler? Sinta-se completamente normal, não se assuste! São leituras densas e que exigem muito aprofundamento conceitual. Para isso, criar grupos de estudo com colegas é uma ótima opção.

Ser terapeuta e ao mesmo tempo cliente? Sim!

Em um texto já publicado no comporte-se (você pode encontrá-lo aqui), fica clara a noção de que a história de vida do terapeuta pode impactar, positiva e/ou negativamente, na condução do processo terapêutico. Pode-se dizer que esse efeito é sentido mais intensamente com a FAP, já que ela é uma estratégia psicoterapêutica “com um foco único nos problemas interpessoais do cliente e na relação terapêutica” (Tsai, Callaghan, & Kohlenberg, 2013, p. 366). Assim, é muito importante que o terapeuta compreenda o impacto de seu comportamento no aqui-agora da sessão. Levando adiante esse raciocínio, podemos nos perguntar: qual é uma das maneiras eficazes de conseguirmos entender, como terapeutas, quais são os efeitos de nossos comportamentos emitidos em uma relação? Uma das respostas para essa pergunta seria: psicoterapia.

Assim como defendemos os efeitos positivos da psicoterapia para desenvolvimento de autoconhecimento e repertório de relacionamentos interpessoais, costumo brincar dizendo que um terapeuta não procurar psicoterapia é o mesmo que fazer jus ao ditado popular: casa de ferreiro, espeto de pau. Acredito que o comportamento de estar em um processo terapêutico é benéfico para estarmos atentos aos nossos comportamentos de terapeuta a serem melhorados (Ts1), bem como aos nossos comportamentos funcionalmente positivos para cada caso atendido (Ts2). Também compreendo que assim como nossos clientes, somos de carne e osso e não é fácil iniciar e dar continuidade ao processo. Porém, acredito que nossa formação requer esse cuidado e enfrentamento.

Supervisão

Quando eu estava no início dos estágios em psicologia clínica na graduação, pude ter acesso aos pressupostos da FAP (assim como DBT, ACT, TCR) em disciplinas de psicologia clínica analítico-comportamental. Concomitantemente, meu comportamento de terapeuta em formação foi sendo modelado a partir de belíssimas supervisões realizadas por minha professora e amiga dra. Jocelaine Martins da Silveira e na interação com meus colegas de turma. Nessa experiência, eram comuns vivências no aqui-agora que evocavam muitos de nossos Ts.

A supervisão em FAP auxilia, de um lado, na ampliação de conhecimento conceitual e crítico para o supervisionando, alcançado por meio de modelagem, de instruções específicas, definição de objetivos e feedback sobre o desempenho. De outro lado, contribui para o crescimento do conhecimento emocional, conseguido através de uma exposição direta à relação interpessoal com o supervisor, vista como o componente experiencial da supervisão em FAP (Tsai, Kohlenberg, Kanter, Kohlenberg, Follete, & Callaghan, 2009).

Desse modo, considero importante que após a graduação haja a procura por um supervisor. Se o interesse é ter a experiência com um supervisor FAP, vale a pena procurar alguém que contribua para sua ampliação de conhecimento conceitual e emocional. Profissionais que já vivenciaram workshops experienciais em FAP podem ser boas indicações. É sobre isso que, de alguma forma, falarei a seguir.

Exposição

Após minha graduação, tive a oportunidade de participar dos Workshops FAP nível I e II em Curitiba-PR, conduzidos pela Dra. Alessandra Villas-Bôas e Dra. Claudia Oshiro. Apesar de já ter sido exposta à FAP no início de minha prática clínica, a experiência nos workshops experienciais ampliou magicamente minha análise sobre os efeitos potenciais da FAP. No primeiro pude observar meus comportamentos em termos de CRBs (comportamentos clinicamente relevantes), enquanto que no outro pude vivenciar meu treino como terapeuta observando meus Ts.

Nos workshops experienciais, vejo muitas vantagens, mas há uma que mais me chama a atenção. Nesses espaços, a exposição de nossos CRBs e Ts ocorre em um ambiente com probabilidade mínima (em meu caso, vejo que foi nula) de consequências aversivas. Para um terapeuta em início, considero essa característica importante. Observamos profissionais com anos de formação e muitas vezes é possível se sentir inseguro quanto à própria condução de casos clínicos. No caso dos workshops, vejo que isso se mantém indiferente, já que o momento se configura como local de formação e aquisição de conhecimento conceitual e emocional de forma ética e responsável, com a preocupação sobre cada um que esteja presente.

De forma geral, participar de workshops, cursos de formação, mini-cursos, palestras, congressos, rodas de conversa, estudos de casos, grupos de estudos são maneiras de se expor e atualizar sua formação. Além de ser um espaço para trocar contatos muito legais. Vale muito a pena.

Referência é bom e eu gosto

“Ué, mas você já falou da parte das leituras e conhecimento teórico, não é?” Sim, eu falei. Mas quando menciono a palavra “referências”, não são somente aquelas que estamos acostumados na rotina acadêmica (apesar de essas serem essenciais). Acho necessário citar essa dica em separado, pois considero importante que o terapeuta, ainda mais em início de atuação, busque elementos que tragam exemplos para o aqui-agora da sessão.
Filmes, livros, músicas, poemas, temas polêmicos, novelas, etc. são ótimos exemplos e são bastante evocativos para comportamentos do cliente a serem melhorados. A psicologia clínica é um campo que necessita de atualização constante, sendo muito valioso que o terapeuta possua em seu repertório a habilidade de saber um pouco de tudo. Tal conhecimento pode auxiliar, em alguns casos, na formação de vínculo terapêutico.

O que costumo fazer: atualizo-me o quanto posso sobre as notícias do mundo; presto atenção nas músicas que ouço e as anoto sempre que posso; vejo filmes e listo aqueles que ainda não consegui ver, mas que podem ser ótimos para esse ou aquele cliente; leio histórias para usar como metáforas… Enfim, esses conhecimentos são úteis, não somente porque são recursos que podemos planejar para utilizar com o cliente, mas porque em muitos casos é ele mesmo quem traz tais conteúdos. Saber de que forma tal relato do cotidiano tem relação com a interação terapeuta/cliente colabora com a condução eficaz do processo.

Considerações…

Acho importante finalizar esse texto expondo algumas dificuldades que podem ser encontradas quando procuramos nos desenvolver na prática clínica. Pode até parecer fácil enumerar o que é importante fazer, como se fosse somente listá-los em um papel, fazer um visto de “ok” ao lado de cada item e está pronto. Porém, entendo que cada passo leva tempo e custo de resposta. Fazer psicoterapia e supervisões, participar de eventos e cursos de formação, ler livros e artigos quando o acesso não é gratuito… Requerem dinheiro. Penso que algumas estratégias podem ser utilizadas para que o aprimoramento não deixe de acontecer.

Quanto à psicoterapia, conheço profissionais que oferecem descontos a estudantes de psicologia ou a psicólogos recém-formados que ainda não dispõem do recurso fincanceiro integral para pagar as sessões. Em clínicas-escolas, também é possível conseguir o nome de profissionais que mantêm seus contatos na faculdade para que clientes com dificuldades financeiras acessem os serviços de psicologia.

No caso de supervisões, uma maneira de aprimorar o estudo é por meio da busca de supervisões coletivas. Grupos com o objetivo de estudar casos também contribuem para o desenvolvimento do conhecimento clínico. Contudo, essas vivências auxiliam na complementação da aprendizagem, mas não substituem a necessidade da supervisão individual.

Há, portanto, algumas alternativas que contribuem para o aprimoramento, mas há aquelas que precisam de custo financeiro para acessar. É como comprar ferramentas: há um investimento para que o refinamento e qualidade do trabalho se mostrem presentes. São investimentos que trazem benefícios para a carreira de psicologia.

Fiz um direcionamento para aqueles que gostariam de saber como se desenvolver na FAP, porém acredito que essas dicas são vitalícias, isto é, considero importante que o psicólogo as mantenha presentes no decorrer de toda sua trajetória profissional. E o mais cativante de nossa profissão é que se dicas como essas são seguidas, o conhecimento cresce à medida que nossa exposição a tais contingências se amplia. Acredito que com esses aspectos seja possível criar um repertório que envolva agir com consciência, coragem e amor na relação com nossos clientes.
REFERÊNCIAS

Kanter, J. W., Tsai, M., & Kohlenberg, R. J. (2010). The practice of functionalanalyticpsychotherapy. New York: Springer.
Kohlenberg, R. J. & Tsai, M. (1991). Psicoterapia Analítica Funcional: Criando Relações Terapêuticas Intensas e Curativas. Santo André, SP: ESETEc.
Skinner, B. F. (1953). Science and Human Behavior. NY: Macmillan Company.
Skinner, B. F. (1969). Contingencies of Reinforcement: A theoretical analysis. New York: Appleton-Century-Crofts.
Skinner, B. F. (1974). About behaviorism. New York: Vintage books.
Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follete, W. C., & Callaghan, G. M. (2009). A guide to functional analytic psychotherapy: awareness, courage, love and behaviorism. New York: Springer.
Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Holman, G. I. & Loudon, M. P. (2012). Functional analytic psychotherapy: distinctive features. Hove and New York: Routledge.
Tsai, M., Callaghan, G. M., & M., Kohlenberg, R. J. (2013). The use of awareness, courage, therapeutic love, and behavioral interpretation in functional analytic psychotherapy. Psychotherapy, 50, 366-370.

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Escrito por Gabriela Martim

Psicóloga, especialista e mestra em Psicologia Clínica. Treinadora e Terapeuta Certificada em Psicoterapia Analítica Funcional (FAP). Amante das relação terapêutica. Atua com psicologia clínica (presencial em Curitiba-PR e online), supervisora e professora.

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