Como estratégias comportamentais podem ajudar a desenhar ou como um curso de desenho pode te ajudar a aprender estratégias comportamentais

Há aproximadamente um ano me inscrevi no Curso Virtual de Desenhos Realistas do Charles Laveso [1]. Pensei em deixar registrado meu depoimento sobre a experiência como forma de talvez inspirar outras pessoas que gostariam de desenhar, que desejam inserir ou retomar uma atividade em sua rotina. Mas, principalmente, a ideia me pareceu apropriada porque o curso aplica inúmeras estratégias que os analistas do comportamento defendem, logo é um exemplo rico de como é viável arranjar tais contingências de aprendizagem.

O objetivo do curso é ensinar o aluno a reproduzir da forma mais fiel possível uma imagem realista: um objeto, uma foto de paisagem ou um retrato, por exemplo (chamamos esta imagem a ser reproduzida de “referência”). A estrutura geral do curso envolve um portal onde se tem acesso às vídeo-aulas e um grupo online onde todos podem trocar experiências e visualizar a postagem e correção dos exercícios dos colegas.

Nunca me amedrontou o fato do curso ser virtual. A oferta dos cursos online tem sido crescente, o que é um indicativo de que muitos têm aderido e, possivelmente, ficado satisfeitos com a qualidade e eficácia dessa modalidade de ensino. Além disso, eu tenho boas experiências com esse tipo de estratégia de aprendizagem graças aos cursos oferecidos no ITCR [2]. Lá trabalhamos com atividades de ensino on-line há algum tempo, e é possível verificar sua validade e as vantagens e dificuldades da modalidade. Na verdade, sempre vi como uma vantagem o curso de desenhos ser oferecido dessa forma, justamente pela possibilidade de ter acesso a artistas que de outra maneira eu não teria acesso em função da distância geográfica.

Apesar dos organizadores do curso não terem (acredito) uma instrução formal em Análise do Comportamento, é impressionante o quanto a estrutura do curso aplicas algumas estratégias ótimas de aprendizagem que os analistas do comportamento defendem [3]. Pra começar, eles usam modelação aliada à instrução: todos os exercícios iniciais derivam de detalhadas vídeo-aulas – investe-se na premissa de que muito se aprende por observação. Também usam esvanecimento ou fading-out: aos poucos, as aulas vão sendo encurtadas ou resumidas (focadas apenas naquilo que o exercício traz de novo ou de mais importante), para que eventualmente o controle de estímulos seja exercido somente pela imagem de referência que deve ser reproduzida, ou seja: para que o aprendiz seja capaz de prescindir dos modelos e instruções apresentados nas vídeo-aulas. Essa independência é incentivada, inclusive, com a proposta de exercícios-desafio, os quais promovem também a generalização, uma vez que os alunos têm justamente que reproduzir a referência sem qualquer dica por parte dos professores. O melhor desenho é premiado, mas todos são valorizados pela superação e esforço próprios.

Além disso, a ordem em que os exercícios são apresentados favorece a progressão gradual de respostas (modelagem). Iniciamos fazendo traços simples, degradês, sombreados e pequenas réplicas de objetos. Diferentes técnicas são introduzidas aos poucos. Os alunos gradativamente avançam até retratos completos e complexos. Mas vejam que interessante: só se pode avançar para o passo seguinte se tiver alçando o resultado esperado no anterior. O ritmo é determinado pela qualidade das respostas apresentadas individualmente pelo aluno (exatamente como Skinner propõe!) e por isso o tempo que cada um leva para concluir o curso varia bastante dentro de um intervalo limite que é dado.

Os professores também investem pesado em reforçamento diferencial. Não sabe o que isso quer dizer? Bom, é o que todo bom funcionário reivindica: “valorize meus acertos mais do que meus erros!”. Quando a gente submete um exercício no grupo do curso, os professores SEMPRE valorizam os acertos (ou, no mínimo, o esforço) do aprendiz e só então sinalizam o que poderia ser melhorado. Promovem consciência acerca do próprio desempenho ao apontar os erros de forma consistente, mas amena, e apresentam Sds (instruem detalhadamente) para emissão de respostas mais desejáveis, as quais também serão diferencialmente reforçadas.

Esses Sds instrumentam os alunos para que atentem cada vez mais para detalhes das imagens de referência (aumentam a percepção ou a discriminação dos estímulos relevantes). Se no começo você ignora uma manchinha na pele ou uma nuance de degradê, ok. Aos poucos, cada mínimo toque do lápis no papel conta. O arranjo de contingências de reforçamento também pode ser notado no seguinte critério: os alunos podem acessar livremente as vídeo-aulas no portal por um período de dois anos, mas só tem direito ao acompanhamento e às correções dos professores durante o primeiro ano. Essa condição seleciona o padrão de manter-se fazendo os exercícios em um ritmo constante.

O clima estabelecido pelos professores evoca, com frequência, comportamentos solidários dos participantes. Fica claro que respostas competitivas ou depreciativas não serão reforçadas (pelas regras iniciais para participação no grupo e pela postura condizente que os professores adotam ao longo das aulas e avaliações). Ao contrário, um clima cooperativo e de incentivo mútuo é rapidamente estabelecido. As pessoas logo se sentem seguras para expor dificuldades e falhas, pois rapidamente percebem que os professores (e, por consequência, os colegas) irão responder com mensagens de apoio ou dicas.

Outra coisa muito positiva é o que experimentadores chamariam de delineamento de sujeito único. Os professores avaliam a história de aprendizagem de cada aluno e fica claro que o nível de exigência se adequa ao seu desenvolvimento pessoal. A gente percebe que tem colegas que têm os exercícios aprovados mesmo com falhas, já outros têm que refazê-los em função de detalhes por vezes imperceptíveis. É que o parâmetro de comparação é o trabalho do próprio aluno e não do colega. Isso desestimula a competição e, ao contrário, aumenta o valor reforçador de superar-se. O objetivo é ir aumentando gradativamente o repertório técnico, mas de acordo com as habilidades individuais de entrada de cada um.

Isso tudo pareceu atrativo? Deu vontade de aprender alguma coisa nesses parâmetros? Pareceu simples e realizável – isto é, foi possível imaginar que muitas outras coisas poderiam ser ensinadas dessa maneira? Então fica aqui um convite à reflexão: quantos professores (ou pessoas!) você se recorda que tenham usado estratégias semelhantes ao ensinar-lhe coisas? Quantas vezes você próprio usou ou usa essas estratégias ao procurar ensinar algo a alguém (um filho, um aluno, um colega de trabalho)?
De minha parte, acredito que me senti tão à vontade no curso por ter reconhecido nessas práticas o que procuramos fazer e promover no ITCR – e espero que nossos alunos possam reiterar essa afirmação!

1. Site do Charles Laveso: http://desenhosrealistas.com.br/

2. Cursos oferecidos on-line pelo ITCR: http://www.itcrcampinas.com.br/cursos.html

3. Para saber mais sobre o que os Analistas do Comportamento dizem a respeito da aprendizagem:

Catania, A. C. (1999). Aprendizagem: Comportamento, linguagem e cognição. Porto Alegre, RS: Artmed.

Kienen, N., Mitsue Kubo, O., & Botomé, S. P. (2013). Ensino programado e programação de condições para o desenvolvimento de comportamentos: alguns aspectos no desenvolvimento de um campo de atuação do psicólogo. Acta Comportamentalia, 21(4), 481-494.

Skinner, B.F. (1972). Tecnologia do ensino. [R. Azzi, trad.]. São Paulo: E.P.U., Editora Pedagógica e Universitária. (Trabalho original publicado em 1968).

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Escrito por Renata Gomes

Psicóloga graduada pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Mestre em Psicologia Experimental pela Universidade de São Paulo (USP). Atua desde 2002 como psicoterapeuta, professora e supervisora de atendimento clínico no Instituto de Terapia por Contingências de Reforçamento (ITCR-Campinas). Atua também como psicoterapeuta na Clínica Selten.

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