Transtorno de Personalidade Esquizoide: Interpretação Analítico-Comportamental

A área dos transtornos de personalidade ainda se encontra pouco explorada pela Análise do Comportamento. Com exceção do transtorno de personalidade borderline (De Sousa, 2003; De Sousa & Vandenberghe, 2005; Da Cunha & Vandenberghe, 2016) e do transtorno de personalidade obsessivo-compulsivo (Abreu & Prada, 2004), os demais ainda carecem de investigações mais sistemáticas e alguns sequer figuram entre aqueles submetidos a apreciação, como é o caso do transtorno de personalidade esquizoide.

O transtorno de personalidade esquizoide (TPEZ) é caracterizado, essencialmente, por “um padrão difuso de distanciamento das relações sociais e uma faixa restrita de expressão de emoções em contextos interpessoais” (APA, 2014, p. 653). Seus critérios diagnósticos, conforme o DSM-V (APA, 2014, pp. 652-653), são os seguintes:

Critérios Diagnósticos                                                                            301.20 (F60.1)
1.      Não deseja nem desfruta de relações íntimas, inclusive ser parte de uma família.

2.      Quase sempre opta por atividades solitárias.

3.      Manifesta pouco ou nenhum interesse em ter experiências sexuais com outra pessoa.

4.      Tem prazer em poucas atividades, por vezes em nenhuma.

5.      Não tem amigos próximos ou confidentes que não sejam os familiares de primeiro grau.

6.      Mostra-se indiferente ao elogio ou à crítica de outros.

7.      Demonstra frieza emocional, distanciamento ou embotamento afetivo.

 

Os indivíduos com TPEZ são tidos como “associais”, ou seja, teoricamente, não necessitam de contatos interpessoais e a solidão não é uma forma de evitar estímulos aversivos de tais contatos, mas resultado de uma escolha própria. De acordo com Caballo (2008), eles “são indiferentes aos vínculos emocionais que geralmente unem as pessoas, por isso é pouco provável que tenham um parceiro ou uma relação estreita de amizade” (p. 77). Este autor acrescenta, ainda, outras características destes indivíduos, como ausência de empatia, obtenção de reforçamento apenas quando sozinhos, maior grau de “racionalidade” ao agir e tomar decisões, despreocupação em relação a qualquer evento social, dando a impressão de que levam uma vida triste e aborrecida, expressão facial neutra, pouca cordialidade no trato social, introspecção, dentre outras.

Segundo Khan (1960), o transtorno esquizoide é a condição mais grave de todos os estados psicopatológicos, muito embora estes indivíduos tenham uma capacidade maior de “insight” do que as outras pessoas, com ou sem transtorno psicológico. Além disso, em uma extensão de comportamento social mais ampla, é comum que os esquizoides se tornem fanáticos, revolucionários, perturbadores da ordem e até mesmo criminosos (Khan, 1960).

Tendo apresentado algumas características gerais do TPEZ, propõe-se, neste momento, compreender o fenômeno de uma perspectiva analítico-comportamental. Em princípio, vale a pena enfatizar que qualquer explicação analítico-comportamental de um fenômeno deve ser buscada fora do indivíduo, no seu ambiente imediato e na sua história ambiental. (Skinner, 1953/2003). O próprio termo “transtorno” é problemático para a Análise do Comportamento por remeter a ideia de um comportamento desadaptativo, uma situação desordenada que não obedece a leis e uma “doença”, noções incompatíveis com os pressupostos da área.  Deve-se, ao invés disso, considerar os três níveis de seleção do comportamento esquizoide, ou seja, o filogenético, ontogenético e cultural (Skinner, 1953/2003, 1981) e equacioná-lo em termos de uma análise funcional (Banco, Zamignani & Meyer, 2010). Esta é a base conceitual primária que direciona o olhar do analista do comportamento para determinadas relações comportamentais que irão constituir o que é tradicionalmente denominado TPEZ.

Assim, presume-se que padrões de comportamento culturalmente nomeados de esquizoides são produto de processos seletivos que determinam o que é considerado patológico socialmente. No entanto, ao investigar a história de vida de um indivíduo classificado como esquizoide, é provável que alguns processos comportamentais típicos tenham operado no desenvolvimento e manutenção do quadro. Por exemplo, se o indivíduo foi condicionado desde a infância pelo uso excessivo de estímulos aversivos sociais, é provável que o mesmo se torne um adulto que evite contatos sociais. Conforme exemplifica Lundin (1977), “todos nós conhecemos o caso do indivíduo ‘distante’ e reservado que fica em tensão com a aproximação de um amigo e foge das pessoas como um cão amedrontado. Os efeitos do condicionamento inicial ainda estão operando” (p. 293).

A aquisição de padrões esquizoides certamente está relacionada a processos de condicionamento em que estímulos aversivos seguiram-se às interações sociais desde cedo, ao mesmo tempo em que tais interações não produziram reforçameto positivo para que comportamentos interpessoais adequados se mantivessem. Indivíduos esquizoides têm, na esquiva social, um poderoso mecanismo de evitação de consequências sociais aversivas que não permite o desenvolvimento de repertórios de interação que produziriam reforço positivo. Lundin (1977), chega a utilizar a expressão “inválidos psicológicos” para se referir a indivíduos que apresentam esquiva social excessiva. A expressão “inválidos sociais”, embora possa parecer pejorativa, se aplica bem para designar indivíduos esquizoides, uma vez que estes praticamente não participam do meio social ou suas participações são ínfimas. “Embora vivam em um mundo cercado por estímulos humanos, isolam-se de seu ambiente do mesmo modo que um eremita se afasta da sociedade” (Lundin, 1977, p. 294).

O comportamento de fantasiar excessivamente, por exemplo, também apontado na literatura como sendo comum no TPEZ (Caballo, 2008), pode ser interpretado como uma forma excessiva de esquiva dos contatos sociais. Tal comportamento privado seria, supostamente, reforçador para o indivíduo, substituindo, de forma crônica, o reforçamento que seria obtido através de respostas públicas de interação social (Lundin, 1977). Como foi mencionado, é importante notar que as respostas esquizoides não ocorrem sob controle de variáveis relacionadas a aprovação social, como no caso do transtorno de ansiedade social (TAS) ou do transtorno de personalidade esquiva (TPE). Ou seja, as respostas de fuga/esquiva das interações sociais que o indivíduo esquizoide emite não tem como função principal a remoção ou prevenção de críticas, avaliações negativas e rejeições, de modo que, neste transtorno, este repertório parece ter uma função muito mais ampla, no sentido de evitar estímulos sociais de qualquer natureza, não só ligados à desaprovação ou rejeição social.

Uma característica bastante citada destes indivíduos, a frieza ou distanciamento emocional, não acrescenta praticamente nada para a compreensão do analista do comportamento. As respostas emocionais são fenômenos complexos que envolvem processos respondentes – eliciação de condições corporais específicas – e processos operantes – emissão de comportamentos controlados por estímulos consequentes com ênfase em processos verbais de discriminação e nomeação destes estados corporais (Darwich & Tourinho, 2005). Deste modo, pode-se presumir que o que é designado como “frieza emocional” diz respeito a baixa capacidade de estímulos eliciadores produzirem certas condições corporais específicas e ausência de comportamentos operantes emocionais públicos e privados, como discriminar e relatar o que sente para outra pessoa.

Com efeito, para compreender, de fato, o que significa TPEZ, o analista do comportamento deve operacionalizar o conjunto de respostas que definem a sua estrutura – os critérios do DSM – e analisar funcionalmente cada unidade de resposta. Desta forma, poderá estabelecer e elaborar as estratégias de intervenção baseado em um raciocínio funcional e não topográfico, compatível com os pressupostos da Análise do Comportamento.

A prevalência deste transtorno no contexto clínico é baixa (APA, 2014) e a literatura sobre ele é extremamente escassa, mesmo em outras abordagens teóricas. Isto dificulta bastante um contato maior com o tema e consequentemente o desenvolvimento de modelos explicativos e de intervenção para o mesmo. Este artigo pretendeu, antes de tudo, sinalizar para a existência deste transtorno, ainda que de forma bastante sucinta e, quem sabe, despertar o interesse para futuras pesquisas de base analítico-comportamental que sistematizem este quadro tão intrigante e tão pouco conhecido pela população em geral. Para finalizar, duas questões se impõem quando entramos em contato com o tema. O que leva os indivíduos esquizoides a se comportarem de forma antagônica à forma com que sempre se acreditou, desde a Grécia antiga, que os seres humanos se comportam, ou seja, em direção à socialização? Eles estariam pondo a prova a crença de que os seres humanos são mesmo seres sociais?

 

Referências:

Abreu, P. R., & Prada, C. G. (2004). Transtorno de ansiedade obsessivo-compulsivo (TOC) e transtorno da personalidade obsessivo-compulsivo (TPOC): Um diagnóstico analítico-comportamental. Em Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, vol. 6 (2), pp. 212-220.

APA (2014). DSM-V: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. Porto Alegre: Artmed.

Banano, R. A., Zamignani, D. R., & Meyer, S. B. (2010). Função do comportamento e do DSM: Terapeutas analítico-comportamentais discutem a psicopatologia. Em E. Z. Tourinho & S. V. de Luna (Orgs.), Análise do comportamento: Investigações históricas, conceituais e aplicadas (pp. 175-191). São Paulo: Roca.

Caballo, V. E. (2008). Manual de transtornos da personalidade: Descrição, avaliação e tratamento. São Paulo: Santos.

Darwich, R. A., & Tourinho, E. Z. (2005). Resposta emocionais à luz do modo causal de seleção por consequências. Em Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, vol. VII (1), pp. 107-118.

Da Cunha, O. R., & Vandenbergue, L. (2016). O relacionamento terapeuta-cliente e o transtorno de personalidade borderline. Em Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, vol. XVIII (1), pp. 72-86.

De Sousa, A. C. A. (2003). Transtorno de personalidade borderline sob uma perspectiva analítico-funcional. Em Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, vol. 5 (2), pp. 121-137.

De Sousa, A. C. A., & Vandenberghe, L. (2005). A emergência do transtorno de personalidade borderline: Uma visão comportamental. Em Interação em Psicologia, vol. 9 (2), pp. 381-390.

Khan, M. M. R. (1960). Clinical aspects of the schizoid personality: Affects and technique. International Journal of Psychoanalysis, vol. 41, pp. 430-437.

Lundin, R. W. (1977). Personalidade: Uma análise do comportamento. São Paulo: E.P.U.

Skinner, B. F. (1953/2003). Ciência e comportamento humano (J. C. Todorov, & R. Azzi, trads.). São Paulo: Martins Fontes.

Skinner, B. F. (1981). Selection by consequences. Science, vol. 213 (4507), pp. 501-504.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Escrito por Pedro Gouvea

Psicólogo. Especialista em Análise Comportamental Clínica pelo Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento. Especialista em Docência do Ensino Superior pela AVM Educacional/UCAM. Especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental pelo Centro de Psicologia Aplicada e Formação/UCAM. Atua como psicólogo clínico e em instituição de acolhimento para idosos. Tem interesse principalmente pelos seguintes temas: Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) e Psicopatologias/Comportamentos que envolvem a ansiedade social, como o transtorno de ansiedade social (fobia social), timidez, introversão e personalidade evitativa. E-mail para contato: pedrow.gouvea@gmail.com

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