O que é a Dialética na Terapia Comportamental Dialética?

No último texto publicado nesta coluna, minha colega Tamires escreveu sobre o uso de metáforas na DBT. Tenho que agradecê-la por ter explicado a vocês, além da importância, a aplicação de tal estratégia, pois isso irá me ajudar a cumprir com meu objetivo neste artigo. As metáforas na DBT fazem parte do grupo de estratégias dialéticas utilizadas ao longo de todo tratamento com a finalidade de trabalhar as tensões que existem entre opostos, contradições e polarizações na terapia e na vida do paciente (Linehan, 2010). Essas estratégias ajudam o terapeuta DBT a manter-se dialético. Mas afinal de contas, o que é manter-se dialético na DBT?

Muitos dos problemas enfrentados pelos pacientes levam os terapeutas a necessitar pensar claramente em situações extremas. Como podemos imaginar, diante de problemas complexos é natural que os indivíduos, no geral, tendam a buscar certezas, apoiando-se em padrões cognitivos, ou comportamentais antigos e com isso tornando-se menos flexíveis psicologicamente. Essa ausência de flexibilidade também pode ocorrer nos processos de psicoterapia.     Quando terapeutas e pacientes assumem formas de pensar e agir polarizados, ou seja, menos flexíveis e dicotômicos, é natural que tensões entre eles se criem. Vamos tomar como exemplo quando um paciente diz que irá abandonar a terapia, pois ela não está funcionando. O paciente diz que não voltará mais às sessões. Diante de uma situação assim, faz sentido que a apreensão do terapeuta o leve a se focar acentuadamente em ideias de que o paciente não pode abandonar a terapia e realize intervenções pautadas por tais pensamentos. Assim, paciente e terapeuta ficam em dois polos opostos: um deles na posição de que a terapia não é a solução e o outro no oposto de que a terapia é a única solução.

Vamos tentar falar disso através de uma metáfora utilizada por Linehan (2010) para explicar as tensões e movimentos dialéticos da DBT. Imaginem uma haste de bambu equilibrada sobre uma tênue linha no topo do Grand Canyon. Na terapia, é como se paciente e terapeuta estivessem nos extremos dessa haste. Enquanto o paciente se move continuamente para frente e para trás, da extremidade ao meio, e do meio a extremidade, o terapeuta se move também, tentando manter o equilíbrio da haste sobre a linha e evitando uma queda, ou que ela se quebre. A grande dificuldade é que se paciente e terapeuta se movem continuamente para trás, ou seja, assumindo posições opostas, na tentativa de manter o equilíbrio, os riscos de ambos caírem no Canyon aumenta. Portanto, a tarefa do terapeuta não é apenas manter o equilíbrio, mas sim mentê-lo de forma que ambos, paciente e terapeuta, se movem em harmonia para o meio, alcançando uma compreensão da realidade e ações mais balanceadas e menos polarizadas.

Se o terapeuta se mantiver no extremo oposto desta haste tentando convencer o paciente de que ele não pode abandonar a terapia, um desequilíbrio importante pode ocorrer. Nesse cenário, manter-se dialético envolve a habilidade de resistir às simplificações (como por exemplo “abandonar a terapia não será bom para você”, ou “a terapia não está adiantando”) e ir além de compromissos frágeis (como por exemplo “eu gostaria da sua palavra de que você não irá abandonar a terapia”) e no lugar disso, buscar a combinação dos polos: solução de problemas e validação; razão e emoção; e aceitação e mudança. Ou seja, é necessário compreender e validar a experiência do paciente de que a terapia não está funcionando, aceitá-la e compreendê-la de modo que alternativas possam ser pensadas para corrigir os problemas e solucionar as dificuldades. Mais uma metáfora, aqui, para nos ajudar. Imaginem um campo de futebol. Em sua essência, um jogo de futebol consiste em dialética, ou seja, na tensão entre dois times com um mesmo objetivo de vitória jogando em direções contrárias e contra um ao outro. Porém, no “jogo de futebol” da DBT, terapeuta e paciente não estão, necessariamente, em times opostos. Jogar contra o paciente não seria agir de maneira dialética; requer equilíbrio e coragem do terapeuta jogar em ambos os times procurando entender, genuinamente, a “sabedoria” na experiência de querer abandonar a terapia, ao mesmo tempo em que, siga promovendo a esperança e o engajamento do paciente no tratamento (Swenson, 2016).

Para atingir tal objetivo, o terapeuta se mantém dialético de duas formas: 1) abraçando uma visão de mundo na qual ele mantém a posição de aceitar completamente o que vem do paciente, assim como o momento, ao mesmo tempo em que se move em direção à mudança, e 2) vendo a polarização como algo natural e procurando pela validade em cada polo e no todo em que elas estão inseridas (Koerner, 2011). Ou seja, ser dialético diante da tensão do abandono da terapia é aceitar que o paciente está tendo a experiência de desacreditar no tratamento, ou de querer abadoná-lo e, ao mesmo tempo, propor a discussão de soluções de problemas para que essa experiência possa ser modificada. Trata-se de tentar identificar o que há de válido na experiência do paciente em querer abandonar a terapia e de reconhecer como essa experiência pode ser utilizada para fortalecer, ou potencializar o processo terapêutico.

É através da postura dialética que o movimento terapêutico é possível e que maior flexibilidade e equilíbrio são alcançados, quando se enfrentam impasses e conflitos. A dialética é a uma das bases da DBT, expressa na condução do tratamento pelo terapeuta, que comunica o tempo todo ao paciente que a verdade não é nem absoluta, nem relativa, mas sim desenvolvida e construída ao longo do tempo.

Referências:

Koerner, K. (2011). Doing Dialectical Behavior Therapy: A Practical Guide (Guides to Individualized Evidence-Based Treatment). New York: The Guilford Press.

Linehan, M . M. (2010). Terapia cognitivo-comportamental para o transtorno da personalidade borderline. Porto Alegre: Artmed.

Swenson, C. R. (2016). DBT® Principles in Action: Acceptance, Change, and Dialectics. Guilford Publications.

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Escrito por Julia Schafer

Possui graduação em Psicologia pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (2014), treinamento em Terapia Comportamental Dialética pelo The Linehan Institute/Behavioral Tech (2015) e mestrado em Psicologia, com ênfase em Cognição Humana e vinculação ao Núcleo de Estudos e Pesquisa em Trauma e Estresse (NEPTE) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Atualmente, é pós-graduanda em Terapia Cognitivo-Comportamental pela PUCRS.

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