O papel da comunicação na diminuição de comportamentos disruptivos em crianças com TEA

Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtorno Mentais (DSM-V), uma das principais características presentes em indivíduos com Transtorno do Espectro Autista (TEA) é o déficit na comunicação verbal e não verbal. Tendo isso em vista, a intervenção comportamental de crianças com TEA deve ter como ênfase a capacidade do indivíduo no desenvolvimento do Comportamento Verbal, termo que utilizamos em substituição ao que usualmente chama-se de linguagem.

Comportamento Verbal foi definido por Skinner (1957) como comportamento operante de um indivíduo com a mediação de outro que foi, por sua vez, preparado por uma comunidade verbal. Sendo assim, a intervenção em ABA deve incluir o ensino de comportamento verbal através das técnicas que lhe são específicas, para propiciar a aquisição de repertório verbal. Dentre eles, destaca-se o ensino do mando.

O mando é um operante verbal cuja resposta é reforçada por uma consequência específica. Em outras palavras, o mando é um pedido para um evento preferido ou para a remoção de algo indesejado. É, por exemplo, o caso da criança que chega próximo a mãe e fala “bolacha” para pedir pela mesma, ou que, ao escutar um som desagradável, diz “desliga” para remover tal estímulo aversivo de seu ambiente. Portanto, a característica peculiar do mando em operar diretamente em benefício do falante (nesse caso, a criança), torna o ensino do mesmo de vital importância nas intervenções comportamentais. Weismer, S. E., Lord, C., & Esler, A. (2010) apontam que o mando deve ser o primeiro operante a ser ensinado uma vez que provê à criança o controle sobre seu ambiente social.

Crianças com desenvolvimento típico emitem centenas de mandos por dia, enquanto que crianças com atrasos de linguagem, muitas vezes, têm de passar por uma intervenção formal com o intuito de ampliar tal repertório. Portanto, a aquisição de mando pode ser bastante difícil para crianças autistas, especialmente aquelas que são não-verbais, sem a capacidade de se comunicar vocalmente.

Como consequência dos atrasos linguísticos, as crianças com TEA muitas vezes apresentam aumento da emissão de comportamentos disruptivos. A literatura sobre comportamento autolesivo e autismo supera qualquer outro tipo de transtorno. Observando, ainda, a correlação entre comportamento autolesivo e a gravidade do déficit, como falta de comunicação verbal, comunicação receptiva ou expressiva mínima, déficits sociais significativos, etc. Tais comportamentos restringem significativamente as vidas de indivíduos com TEA e suas famílias. Esses comportamentos representam um obstáculo para a reabilitação e reintegração social desses indivíduos. Algumas pesquisas – Carr, 1985; Carr & Durand (1985); Neel et al Al (1983); Reichle & Yoder, (1979) – afirmam que os problemas de comportamento podem ocorrer como formas de comunicação não-verbais com função de pedido, isto é, função de mando (solicitar reforçadores específicos mediados socialmente). No mesmo sentido, dentro do campo da psicolinguística, pesquisas – Bates, Camaioni, & Volterra, (1975); Leung & Rheingold, (1981) – sugerem que muitos comportamentos não-verbais emitidos por crianças muito novas, como apontar ou mostrar objetos a um adulto, têm função comunicativa.

Ainda mais recentemente, pesquisas desenvolvidas nos Estados Unidos -Cornelius Habarad, Sheila M. (2015) – apontaram a relação entre o aumento do repertório verbal de mando, e a diminuição de comportamentos autolesivos em um indivíduo com TEA.

No entanto, antes de qualquer intervenção que vise o ensino de mando para diminuição de comportamentos disruptivos, é fundamental a realização de uma análise funcional com o objetivo de identificar exatamente qual consequência reforçadora está sendo produzida e, portanto, mantendo tal comportamento. Posteriormente, a topografia de mando adequada para substituir o comportamento disruptivo poderá ser instalada.

Nesse sentido, Carr e Durand (1985) desenvolveram o chamado treino de comunicação funcional (FCT) que tem sido amplamente utilizado como forma de diminuir comportamentos disruptivos através do ensino de comunicação (especificamente, o mando).

O treino de comunicação funcional (FCT) é um procedimento de reforço diferencial (DR) no qual é ensinado uma resposta alternativa ao indivíduo que resulta na mesma classe de reforço produzido pelo comportamento disruptivo. Dessa forma, o comportamento disruptivo é colocado em extinção, uma vez que não produz mais o reforço. O treino de comunicação funcional difere de outros procedimentos de reforço diferencial na medida em que a resposta alternativa é, necessariamente, uma forma de comunicação socialmente reconhecível (por exemplo, uma vocalização).

As intervenções que utilizam treino de comunicação funcional (FCT) possuem três fases. Primeiramente, uma análise funcional é conduzida para identificar os eventos ambientais que servem como reforçadores para o comportamento disruptivo e as condições que evocam tal comportamento (isto é, as operações motivadoras relevantes que aumentam o valor do reforçador). Em seguida, uma resposta comunicativa socialmente reconhecível e adequada é ensinada e fortalecida através do treino que implemente tal resposta (através de dicas físicas ou ecóico como apontar ou dar o modelo vocal exemplo: “fala: quero bolacha”, etc.), e permita acesso aos reforçadores enquanto o comportamento disruptivo é colocado em extinção. Por fim, há ainda uma terceira fase na qual a intervenção é estendida aos cuidadores visando à generalização e manutenção dos repertórios ensinados.

Referências Bibliográficas:

American Psychiatric Association. (2013) Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders – DSM-V. American Psychiatric Association Press,

Carr, E. G., & Durand, V. M. (1985). Reducing behavior problems through functional communication training. Journal of Applied Behavior Analysis, 18(2), 111–126. http://doi.org/10.1901/jaba.1985.18-111

Cornelius Habarad, Sheila M. (2015). The power of the mand: Utilizing the mand repertoire to decrease problem behavior. Behavioral Development Bulletin, Vol 20(2), Oct 2015, 158-162.http://dx.doi.org/10.1037/h0101310

Leavens, D. A., & Hopkins, W. D. (1999). The Whole-Hand Point: The Structure and Function of Pointing From a Comparative Perspective. Journal of Comparative Psychology (Washington, D.C. : 1983), 113(4), 417–425.

Pickett, E., Pullara, O., O’Grady, J., & Gordon, B. (2009). Speech acquisition in older nonverbal individuals with autism: A review of features, methods, and prognosis. Cognitive and Behavioral Neurology22(1), 1-21. DOI: 10.1097/WNN.0b013e318190d185

Sério, T. M. de A. P. & Andery, M. A. (2010). Comportamento verbal. In: Sério, T. M. et al. Controle de estímulos e comportamento operante: uma (nova) introdução. São Paulo: Educ, pp. 129-151.

Skinner, B. F. (1957). Comportamento verbal. São Paulo: Cultrix.

Weismer, S. E., Lord, C., & Esler, A. (2010). Early Language Patterns of Toddlers on the Autism Spectrum Compared to Toddlers with Developmental Delay. Journal of Autism and Developmental Disorders, 40(10), 1259–1273. http://doi.org/10.1007/s10803-010-0983-1.

 

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Escrito por Renata Michel

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