A vida de B.F. Skinner parte VIII: Indiana

Este é o oitavo artigo de uma série que discute a vida de Burrhus Frederic Skinner. Recomenda-se que o leitor interessado leia os artigos anteriores disponibilizados pelo Comporte-se, para que consiga compreender melhor o texto. Quem é o homem por trás da teoria que inspira tantas pessoas até hoje? O objetivo desta série é reconstruir o caminho percorrido por Skinner, apontando aspectos de sua vida pessoal que determinaram seu comportamento e, consequentemente, o de muitos outros. Espera-se que esta narrativa possa não apenas cativar o leitor, mas também tornar natural e humano aquilo que mais nos fascina.

Ao longo da década de 40 o trabalho de Skinner estava ganhando visibilidade nacional. Em um encontro de psicologia experimental em Urbana, Illinois, Skinner conheceu Robert Kantor, o famoso criador do interbehaviorismo. As afinidades e admiração mútua levaram a um convite para Skinner lecionar na Universidade de Indiana em Bloomington. O salário seria praticamente o dobro que Skinner ganhava na época em Minnesota, enquanto a carga letiva seria baixa e as condições para pesquisa seriam boas (assim como em Minnesota). Além disso, Skinner seria chefe do departamento, enquanto em Minnesota suas perspectivas de crescimento seriam bem mais lentas (era professor assistente).

No entanto, sua esposa, Eve, estava finalmente acostumada com a vida em Minnesota depois de um árduo período de adaptação. Apesar de estará realizada como mãe, Eve não queria passar novamente pelo período de isolamento social que foi submetida durante a primeira mudança, seu medo é que uma cidade ainda menor tornasse sua vida ainda menos estimulante. Skinner e os Kantors fizeram o possível para que Eve se sentisse acolhida em Bloomington, mas Eve nunca se sentiu em casa em Indiana.

Em 1944, com o frustrante final do Project Pigeon (ver artigo anterior), Skinner se lançou para um novo empreendimento: a invenção de um berço chamado de Air Crib. A marcante inventividade de Skinner continuou como pai, agora com a segunda filha a caminho, Deborah. Ter uma filha se mostrou ser um trabalho árduo, mas como behaviorista, Skinner se perguntou como poderia mudar seu ambiente de forma que ele pudesse controlar o comportamento de pais e filhos de forma mais eficaz. Durante os primeiros meses, parecia fundamental que houvesse um ambiente limpo, espaçoso, seguro, confortável e com temperatura agradável. Um ambiente assim, permitiria que os pais tivessem contato físico com a criança e desfrutassem de momentos prazerosos, ao invés de sempre estarem correndo atrás para limpar, aquecer e proteger a criança.

Em seu porão, Skinner desenvolveu um berço artesanal que buscasse suprir as lacunas que um berço tradicional tinha. A sua segunda filha, Deborah, seria a primeira a experimentar o berço durante seus primeiros anos de vida. Vale mencionar que houve rumores espalhados de que sua filha teria se suicidado quando adulto, em parte por causa de ter sido submetida a experimentos de condicionamento no Air Crib. Obviamente, todas essas afirmações são falsas.

Debbie brincando no berço construído por seu pai.

No entanto, Skinner não se contentaria com uma invenção caseira para sua filha, gostaria de tornar este um produto produzido em larga escala por profissionais. Skinner contatou General Mills (empresa que fundou parcialmente o Project Pigeon) visando buscar investimento para seu empreendimento, mas recebeu uma negativa, devido ao receio de falhas possivelmente fatais (e.g. desregulação na temperatura do berço).

Em uma tentativa de buscar investidores, Skinner escreveu um artigo para a revista Ladies’ Home que chamava “O cuidado com bebê pode ser modernizado” (Baby care can be modernized) foi intitulado pelos editores da revista como “Bebê na caixa” (Baby in a box). No artigo, Skinner discorreu sobre as vantagens do berço criado por ele, em oposição aos berços tradicionais, enfatizando as facilidades que o produto traria para os pais. Apesar das do título induzir a um mal-entendido (como se o berço fosse similar a uma caixa de condicionamento), em geral, o texto foi muito bem recebido. Tanto que, Skinner recebeu inúmeras cartas de interessados em adquirir uma Air Crib, além de diversos leitores construírem suas próprias com base no modelo de Skinner.

Um administrador de Cleveland, James Judd, se interessou por comercializar em larga escala a invenção de Skinner. Animado por encontrar alguém com tempo e disposição para tornar seu plano realidade, Skinner aceitou prontamente a ajuda de James. Além dele, Julian Bobbs, procurou Skinner com o interesse em investir no projeto, em troca de metade do lucro envolvido. Precisando de um gerente operacional e dinheiro, Skinner aceitou a ajuda dos dois e cedeu os direitos de produção para James.

O que antes parecia um sonho distante, agora se tornava um plano concreto. No entanto, Skinner começou a ter sinais de que James Judd não era tão confiável quanto parecia. Uma checagem do passado de Judd feita por um amigo de Eve mostrou um homem misterioso, praticamente sem registros. Além disso, quando as encomendas foram aceitas e o dinheiro começou a entrar, Judd parou de responder as cartas dos consumidores, que se voltaram para Skinner exigindo explicações sobre os atrasos nos prazos. Apesar disso, Judd enviou a primeira encomenda para uma colega de Skinner da Universidade de Indiana. Skinner ficou muito decepcionado com a má qualidade do trabalho de Judd:  o termostato não funcionava direito, as luzes estavam expostas, o vidro tinha uma ponta afiada – nada parecido com o modelo desenvolvido. Skinner escreveu para Judd, recomendando que as alterações fossem feitas imediatamente, antes que a produção continuasse.

Após alguns dias, colegas de Judd que também estavam envolvidos na produção escreveram para Skinner dizendo que Judd havia desaparecido. Incrédulo, Skinner partiu para Cleveland em busca de mais informações. Chegando lá, visitou a oficina e viu que a produção em larga escala dos Air Cribs nunca foi uma possibilidade real: a capacidade de produção não era nem um décimo do que Judd afirmava ter. O sócio de Skinner que se descrevia como um trabalhador, na verdade era conhecido por tirar longas sonecas durante o expediente e ele nunca, ao contrário do que afirmou, criou sua filha em um Air Crib.

Assim como o Project Pigeon, mais um empreendimento de Skinner ia por água abaixo, e com ele, todas as expectativas de sucesso financeiro e social fomentadas ao longo destes dois anos. Pelos próximos anos, Skinner ainda tentou por mais duas vezes tornar seu projeto comercialmente viável, mas o alto preço de sua produção e a incerteza da aceitação do público, foram determinantes para que o projeto não fosse para frente.

Em oposição ao fracasso no mundo dos negócios, a vida acadêmica de Skinner ia muito bem. Foi nesta época, que a análise do comportamento foi crescendo institucionalmente. Após suas experiências com pombos durante o período da Guerra, Skinner passou a utilizar eles como sujeitos experimentais, as investigações tratavam principalmente de reforçamento negativo. Uma curiosidade trazida apontada por Björk (1997), é que Skinner obtinha seus sujeitos experimentais através de uma armadilha colocada na cobertura do prédio em que ficava o laboratório. A prática só foi interrompida pois os animais capturados às vezes traziam parasitas que afetavam outros animais.

O isolamento de Skinner e dos poucos behavioristas radicais da época ia se solucionando na medida em que o intercâmbio entre eles aumentava. Um passo importante para isso, foi a primeira conferência em análise experimental do comportamento, realizada em 1947, na Universidade Indiana. Segundo Cruz (2011):

“O evento, porém, não tinha como função apenas ser um espaço de discussão para os pesquisadores que não estavam conseguindo publicar suas pesquisas [principalmente por causa da rejeição das revistas da época ao delineamento de sujeito único] e tinham dificuldades de estabelecer contato uns com os outros. Era, sobretudo, um momento de demarcar a identidade daquela nova ciência do comportamento” (p. 83).

Como produto deste evento informal, destaca-se a criação de um boletim informativo sobre os progressos da área (sob responsabilidade do próprio Skinner) e a criação do primeiro livro texto para sistematizar a divulgar os principais conceitos da área (assinado por Keller e seu colega de Columbia, Schoenfeld).

Ao final da década de 40, portanto, se dava início a organização social de uma ciência ainda incipiente. Seus membros estavam cada vez mais unidos e a produção da área aumentava cumulativamente. Apesar das ótimas condições de Indiana, os Skinners não permaneceriam lá por muito tempo. Em 1948 voltariam a um saudoso local…

Não perca os próximos capítulos!

Referências:

Bjork, D. W. (1997). B.F. Skinner: A life. Washington, DC, US: American Psychological Association.

Cruz, R. N. D. (2011). Da informalidade à formalidade: o percurso inicial da organização social da análise do comportamento. Perspectivas em Análise do Comportamento, 2, 77-89.

Skinner, B. F. (1979). The shaping of a behaviorist: Part two of an autobiography. New York: Alfred A. Knopf.

 

 

 

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Escrito por Cainã Gomes

Formado em Psicologia pela PUC-SP e especialista em Clínica Analítico-Comportamental. É pesquisador do Paradigma - Centro de Ciências do Comportamento, onde também atua como terapeuta. Tem experiência na área de Análise do Comportamento, com ênfase com Comportamento Governado por Regra e RFT (Relational Frame Theory). Foi coordenador da Comissão de História de Análise do Comportamento da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental (ABPMC) na gestão 2015-2016. Além disso, é mestrando do programa de Psicologia Experimental: Análise do Comportamento da PUC-SP com período sanduíche na Universidade de Gent, sob orientação do Prof. Dermot Barnes-Holmes. Está cursando o Intensive Training em DBT do Behavioral Tech, Linehan Institute.

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