Intervenção em Grupo: Faça você mesmo!

As intervenções psicoterapêuticas em grupo representam uma importante modalidade de atendimento, a qual em muitos contextos é a mais indicada para atender diferentes demandas, desde clínicas, até organizacionais e escolares. Além disso, os grupos são vantajosos por exigirem menos investimento de tempo e recursos financeiros, bem como por favorecerem a interação social, aproximando-se mais do ambiente natural dos participantes. Tal formato contribui para a modelação de comportamentos, na medida em que a dificuldade de um pode ser a facilidade de outro e também para a modelagem de classes de respostas, pois o terapeuta é capaz de fazer a observação direta da interação e intervir sobre os comportamentos-alvo (Delitti, 2008).

Justamente por não se restringir ao vínculo terapeuta-cliente, o grupo exige do profissional que o conduz o planejamento ao longo de toda sua execução, incluindo a seleção dos participantes, dos profissionais envolvidos, do local em que as sessões ocorrerão, tempo de sessão, quantidade de encontros, entre outros aspectos. Por ser muito mais do que a soma de suas partes, a constituição de um grupo requer que o terapeuta esteja atento a cada indivíduo e ao todo, buscando identificar os comportamentos-problema e de melhora particulares e do grupo em seu sentido mais amplo. Podem haver momentos em que o grupo está avançando na direção dos objetivos estabelecidos, ao passo que um dos membros especificamente não está atingindo o mesmo resultado. Em contrapartida, há situações em que alguns participantes passam a apresentar os comportamentos de melhora, enquanto o grupo em si não é capaz de validá-los.

Um dos fatores que pode contribuir ou dificultar essa adesão entre as partes e o todo é a própria seleção dos participantes. Primeiramente, é essencial que o terapeuta tenha o objetivo da intervenção claro. Com essa decisão tomada, estará em condições de definir a quem a proposta de atendimento se destina, quais serão os critérios de inclusão e exclusão dos participantes. Por exemplo, se o objetivo é trabalhar diante de uma queixa comum, o grupo será homogêneo quanto a demanda, para que a pessoa possa participar será preciso que seu comportamento-problema esteja relacionado ao que foi definido. Se o grupo for heterogêneo, poderá, por sua vez, incluir pessoas com diferentes queixas e características, sem que necessariamente tenham algum aspecto em comum.

Dentre os critérios  para a seleção dos participantes pode-se estabelecer faixa etária, sexo, se pode ou não estar em psicoterapia individual concomitante, escolaridade mínima, uso de medicamentos  etc. Em um grupo realizado com indivíduos diagnosticados com Transtorno Bipolar, por exemplo, definiu-se como critérios idade entre 18 e 60 anos, de ambos os sexos, que não estivesse realizando psicoterapia individual e fizesse acompanhamento psiquiátrico, eutímico (quadro de humor estável) e com funções cognitivas preservadas. Por se tratar de uma intervenção aplicada em uma pesquisa de mestrado, optou-se pela restrição quanto a psicoterapia para que não houvesse mais uma variável que pudesse interferir sobre os resultados. Quanto ao acompanhamento psiquiátrico, esse se fazia útil para manter a estabilidade do quadro, uma vez que nos períodos de crise, provavelmente os participantes não teriam condições de se engajar no grupo. No que se refere à capacidade cognitiva, sabe-se que a depender da gravidade do Transtorno Bipolar, esse pode estar relacionado a prejuízo nesse aspecto, o que também poderia dificultar a participação nas atividades. Cada critério foi embasado na literatura da área e na experiência dos profissionais envolvidos na elaboração e aplicação do grupo. O cuidado nessa etapa envolve até mesmo uma questão ética, pois a seleção daqueles que farão parte da intervenção não se dá ao acaso, mas sim de acordo com justificativas fundamentadas nos propósitos do atendimento (Costa, 2016).

Depois de definidos os critérios é preciso buscar formas de entrar em contato com os possíveis participantes e instrumentos que possam direcionar a observação dos critérios delineados. A realização de uma entrevista semiestruturada individual com os interessados na intervenção ofertada é uma das alternativas, nela pode-se levantar informações acerca de dados pessoais e históricos do entrevistado, verificar se atende aos critérios e explicar a proposta do atendimento. Quando pertinente aos objetivos do grupo, também podem ser aplicados questionários e escalas padronizadas. Lembre-se que em grupos voltados para a pesquisa é preciso que os participantes assinem o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e isso pode ser feito nesse momento. Durante a entrevista, além do relato verbal, é possível observar como a pessoa interage com o próprio terapeuta, se respeita o momento desse falar ou não, se tem facilidade para ouvir a opinião do outro, se demonstra ser mais passivo ou agressivo, dentre outras características.  Orienta-se que o terapeuta procure ficar atento a fatores que possam vir a influenciar na interação do grupo, o que deve ser avaliado para decidir se o entrevistado será ou não incluído no atendimento.

Além da seleção dos participantes, outro ponto a ser definido se refere à estrutura da intervenção. Caso os clientes possam iniciar sua participação a qualquer momento, diz-se que se trata de um grupo aberto. Se a entrada no grupo for previamente definida, classifica-se como um grupo fechado. No primeiro caso, geralmente a temática das sessões não é necessariamente interligada, de modo que o objetivo proposto é iniciado e finalizado no mesmo encontro. Diferentemente, os grupos fechados tendem a realizar sessões relacionadas entre si, sendo que um encontro pode focar o desenvolvimento de comportamentos pré-requisitos para os demais. Nesse formato, o vínculo entre os participantes também se configura enquanto um dos objetivos da intervenção e pode favorecer a adesão ao processo psicoterapêutico (Delitti, 2008).

A duração dos encontros geralmente varia entre 90 e 120 minutos. Dessa forma, as atividades programadas devem procurar respeitar esse limite de tempo para que os atendimentos não fiquem cansativos. O número de sessões pode ser delimitado ou não, ou seja, o grupo pode ter data para seu início e fim ou pode ter um cronograma contínuo, sem que se defina o prazo de término. No grupo para pessoas diagnosticadas com Transtorno Bipolar  exemplificado anteriormente, foram realizados 10 encontros de aproximadamente 90 minutos cada. Contudo, notou-se que a duração de algumas sessões deveria ser maior para que fosse possível abordar a demanda dos participantes. Tendo em vista a pesquisa de mestrado, precisou-se limitar o número de encontros que iria compor a intervenção, porém, fora dessa condição, seria interessante que o grupo tivesse continuidade, dada a afinidade entre os membros e as melhoras apresentadas ao longo do atendimento (Costa, 2016).

Para facilitar a condução do grupo cabe ao terapeuta planejar os encontros antecipadamente. No entanto, manter-se restrito ao programado, sem se atentar às contingências presentes, pode ser uma armadilha. A flexibilidade para identificar as demandas do grupo no momento presente é uma habilidade bastante valiosa para o terapeuta. Em algumas situações, abandonar uma dinâmica ou algum recurso que não foi eficiente para o perfil do grupo, é a melhor saída. Não adianta focar em dinâmicas e vivências extremamente abstratas se os participantes se engajam melhor em atividades práticas e concretas. Não basta fazer o que o terapeuta gosta ou tem facilidade, é preciso conhecer as pessoas que estão sendo atendidas para que essa ponte entre as partes e o todo seja construída. Destaca-se que o terapeuta faz parte desse grupo e que está ali na função de mediador e não como superior aos demais. Todos, em alguma medida, assumem a função de ajudar a si e aos outros (Conte, 2008).

É claro que nem todos se beneficiam de intervenções em grupo. Para alguns, diante de determinadas contingências, o mais indicado é o acompanhamento psicológico individual. Em outros casos, mesmo após a conclusão do grupo, é preciso que a psicoterapia em seu formato mais convencional, terapeuta-cliente, se mantenha. Há ainda outras situações que o cliente é primeiro atendido individualmente e depois o psicólogo responsável o encaminha para a modalidade grupal, tendo em vista que a mesma favorecerá o desenvolvimento de repertórios que são objetivo para o cliente. As possibilidades são diversas e devem sempre ser consideradas com cautela e ética. O grupo é uma experiência de troca, espaço onde relações genuínas e reais nascem e podem se fortalecer. Para que o contexto terapêutico e a estrutura da intervenção representem solo fértil, os detalhes no cultivo fazem toda a diferença. O psicólogo, certamente, vai adquirindo as habilidades necessárias para conduzir essa modalidade de atendimento à medida que se expõe a tal desafio. Portanto, faça você mesmo e aos poucos colherá os frutos dessa experiência singular que as intervenções psicoterapêuticas em grupo podem proporcionar para todos que dela fazem parte.

Referências Bibliográficas:

Conte, F. C. S. (2008). O uso da psicoterapia analítico funcional (FAP) em grupos terapêuticos. In A. M. C. Delitti & K. P. R. Derdyk (Orgs.) Terapia analíticocomportamental em grupo (pp. 127-156). Santo André: Esetec

Costa, R. S. (2016). Transtorno bipolar: contribuições de uma intervenção analítico-comportamental em grupo. (Dissertação de Mestrado). Universidade Estadual de Londrina, Londrina.

Costa, R. S.; Soares, M. R. Z., & Grossi, R. (no prelo). Estrutura das sessões de uma intervenção analítico-comportamental em grupo para pessoas diagnosticadas com transtorno bipolar. Acta Comportamentalia.

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Escrito por Roberta Seles da Costa

Graduada em Psicologia na Universidade Estadual de Londrina e Mestra em Análise do Comportamento pela mesma instituição. Com formação em ACT e FAP pelo Instituto Continuum de Londrina. Atualmente atende como psicóloga na Clínica Primed e faz parte do grupo "Iluminar - Análise do Comportamento e Psicoterapia" em Ponta Grossa. Também atua como professora do ensino superior.

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