A Relação no Setting Terapêutico: Um Caso Clínico

A FAP foi desenvolvida baseada nos princípios do behaviorismo radical, sendo assim, utiliza conceitos como modelagem, reforço, punição, discriminação, generalização para entender a própria relação terapêutica e utiliza-a como instrumento de mudança terapêutica. Segundo Kohlenberg e Tsai (2001), além do reforçamento a Análise do Comportamento também precisa observar comportamentos ocorridos em sessão, para isso usa-se o termo Comportamento Clinicamente Relevante (CCR), que se refere a comportamentos problemas e a comportamentos finais desejados ocorridos em sessão.

De acordo com Villas Boas (2012), os CCRs são essencialmente de três tipos a depender da função que apresentam. Os CCR1s são aqueles considerados como o comportamento problema do cliente ocorrendo dentro da sessão; os CCR2s são os comportamentos de melhora do cliente também apresentados em sessão; enquanto que os CCR3s são as análises feitas pelo cliente sobre seu próprio comportamento. Quando tais comportamentos aparecem na sessão, é possível que o terapeuta trabalhe diretamente a relação existente entre terapeuta e cliente, levando primeiramente a uma melhora nessa relação. Como o objetivo final da terapia é promover uma melhora na vida diária do cliente, depois de trabalhada a própria relação terapêutica, é necessário que se promovam estratégias de generalização, a fim de levar essa melhora às demais relações vividas pelo cliente. O alvo do terapeuta FAP é responder adequadamente aos CCRs dentro da sessão, com o objetivo de diminuir as ocorrências de CCR1 e aumentar as ocorrências de CCR2.

Em um caso de atendimento na clínica comportamentaluma cliente de trinta anos, casada, mãe de um casal e que estava fazendo acompanhamento com um psiquiatra com uso de medicamentos antidepressivos e ansiolíticos, apresentou uma rede social empobrecida, pois seus familiares residem em outra cidade, reside em cima da casa da sogra com a qual não tem uma boa relação, relata ter apenas uma amiga, demonstrou insatisfação na relação conjugal, mas diz ter boa relação com o marido. Os sintomas ansiosos apareceram desde o final da primeira gravidez.  No momento, a  cliente  está  trabalhando  como cuidadora em uma casa de família próxima à sua residência e às vezes tem episódios de ansiedade quando se encontra só na casa.

Durante os atendimentos foi possível observar que a cliente não possuía repertório de autoobservação, e não conseguia relatar de forma discriminada sobre seus sentimentos e pensamentos, além de uma autoestima baixa e intensa preocupação com as opiniões de outras pessoas a seu respeito. Outro fator observado foi sua conflituosa relação conjugal, bem como a relação coercitiva com a religião. A cliente ainda apresentou ideação suicida durante o processo terapêutico e repertório de fuga/esquiva e tatos distorcidos. A cliente tem facilidade em conversar e mostrou-se disposta a aderir à terapia.

Nas primeiras cinco sessões utilizou-se um quadro para registro de eventos ansiosos, com o objetivo da cliente desenvolver repertório de auto observação, com o intuito de identificar quais as variáveis que controlavam o seu comportamento e quais contingências contribuíam para a manutenção desse repertório comportamental. Diante da ineficácia do quadro de registro de eventos ansiosos para desenvolvimento de repertório de autoobservação foi decidido a priorização de outras intervenções como passar a focar em outras queixas trazidas pela cliente como tristeza, depressão…, através de exercícios de relaxamento e a própria relação terapêutica como forma de intervenção. Além de diminuir instruções diretas à cliente e não se tornar uma audiência punitiva, nem lançar mão de forma exacerbada dos reforços arbitrários. Segundo Skinner (1938citado por Medeiros, 2002), quando o terapeuta exerce a chamada audiência não punitiva, ou seja, não emite nenhuma consequência aversiva contingente às verbalizações do cliente, pode restabelecer o comportamento verbal suprimido pela punição.

A partir da sexta sessão a terapeuta passou a usar a relação terapêutica como forma de intervenção. Segundo Velasco e Cirino (2002 citado por Alves & Marinho, 2010), a partir da relação terapeuta e cliente é possível entender a função dos comportamentos diante das contingências governadoras da terapia e que estão ao longo da história comportamental de ambos. Ainda segundo Kohlenberg e Tsai (2001), a qualidade da relação terapêutica determinará a qualidade das análises feitas pelo terapeuta e a eficácia do processo terapêutico. Segundo Thibaut e Kelley (1959 citado por Bertani ,s.a), um bom relacionamento é aquele em que há equilíbrio entre o dar e o receber. É preciso focar nas questões mais difíceis, discutir as preocupações, descrever o próprio sentimento e solicitar mudanças no outro, não apenas criticar ou se queixar.

Os atendimentos começaram com grande foco nos episódios ansiosos da cliente e em seu diagnóstico, porém ao longo das sessões através do discurso da cliente e observações do terapeuta ficou claro ser este fator menos relevante e sim como se deve escutar as queixas trazidas pelo cliente e não seu diagnóstico.

Observou-se que a terapeuta estava utilizando-se excessivamente de instruções, o que fazia com que sua relação com a cliente seguisse o mesmo padrão das relações que a mesma possui em seu cotidiano, e que o melhor a ser feito era questionamentos reflexivos a cliente ao invés de instruções diretas.

Com a mudança de postura da terapeuta diante da cliente pode-se observar diminuição das ocorrências de CCR1: falta de repertório de auto observação, pouco repertório de tatos descritivos, ocorrência de episódios ansiosos (sudorese, tremedeira, pensamentos de morte), baixa autoestima.

Aumento das ocorrências de CCR2: aumento de repertório de auto observação, e tatos descritivos. A cliente passou a expressar sentimentos, inclusive em relação à própria terapeuta: em um dia a cliente achou a terapeuta “fria” ao falar com ela, a cliente tomou a iniciativa na terapia e contou o que havia ocorrido e disse ter “se sentido aliviada” ao conversar com a terapeuta.

Os comportamentos de Amanda (nome fictício) hoje estão sob maior controle dos eventos privados do que sob o controle do outro. Observou-se também o aumento de ocorrências de CCR3: A cliente passou a fazer relações com seus comportamentos e com a consequência dos mesmos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

MOREIRA, Borges Márcio; MEDEIROS, Augusto Carlos. Princípios Básicos do Comportamento. B. F. Skinner, análise do comportamento e o behaviorismo radical. Cap. 12 – Porto Alegre- Artmed, 2007.

VILLAS BOAS, Alessandra. Psicoterapia Analítica Funcional (FAP): entendendo o cliente na relação terapêutica. Disponível em: <https://comportese.com/2012/08/psicoterapia-analitica-funcional-fap.html> Acesso em 20 de Novembro de 2012.

KOHLENBERG, J. Rober; TSAI, Mavis. FAP. Psicoterapia Analítico Funcional. Criando Relações Intensas e Curativas. Suplementação. Aumentando a capacidade do terapeuta para identificar comportamentos clinicamente relevantes. Cap. 3. ESETec.

 

BERTANI, Alexandra. Terapia Familiar Comportamental. Disponível em: < www.psicologiamooca.com.br/…/terapia_familiar_%20comportamental>.Acesso em 12 de Junho de 2012.

 

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Escrito por Fernanda Cerqueira

Psicóloga Clínica. Mestre em Análise e Evolução do Comportamento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-Goiás). Especializada em Terapia Analítico Comportamental Clínica pela Unijorge. Psicóloga, formada pela União Metropolitana de Educação e Cultura (Unime) Salvador BA.
E-mail para contato:
nandacerqueira-@hotmail.com

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