“Ensine os homens a não estuprar”: quais os caminhos da prevenção da violência sexual para os homens?

O caso do estupro coletivo de uma adolescente no Rio de Janeiro tem levado a uma discussão séria e importante na nossa sociedade: o que pode ser feito para evitar a violência sexual? Como ensinar aos homens que a violência sexual não é aceitável (além de ser crime)? Os modelos tradicionais de prevenção focaram em trabalhar com as mulheres para que elas apresentassem melhor percepção de sinais de risco e comportamentos protetivos em situações de potencial perigo. Contudo, pouco foi feito em relação aos homens, isto é, quais seriam as formas de prevenção ou ainda quais os principais antecedentes e contextos em que a violência sexual é praticada pelos homens e ainda, quais etapas devem ser realizadas para eliminar a violência sexual ainda são questões em aberto.

Segundo Farris e colegas (2008) uma das razões que facilitariam a violência sexual seria uma interpretação equivocada dos homens sobre o interesse sexual das mulheres. Segundo os autores, para a maioria dos indivíduos errar sobre o interesse sexual de uma mulher não ultrapassa uma vergonha social e momentânea. Contudo, para um grupo de homens há um aumento da probabilidade da coerção sexual devido à frustração e não compreensão sobre o consentimento das mulheres. Essa visão equivocada dos homens sobre a sexualidade feminina poderia ser um dos iniciadores da agressão sexual (Abbey, 1982).

Obviamente, que não somente uma percepção errada sobre o interesse das mulheres explica a violência sexual, ainda mais em taxas tão alarmantes quanto a que são observadas em todo o mundo. Em uma pesquisa com adolescentes e universitárias da Caroline do Norte nos Estados Unidos, Smith, White e Holland (2003) encontraram que 21,1% das participantes sofreram um estupro sobre ameaça (com uso de arma branca ou de fogo) sendo os perpetradores, em especial das mulheres adultas, na maioria das vezes um parceiro amoroso. No Brasil, segundo Minayo, Assis e Njaine (2011), 43,8% dos adolescentes afirmaram já terem sofrido alguma forma de violência sexual. Ou seja, as taxas de violência sexual são elevadas na maioria dos países e o problema enfrenta uma resistência para ser discutido pela sociedade ou é discutido de maneira rasa.

Uma das questões centrais da Psicologia é que os programas de prevenção não deveriam focar somente nas mulheres e suas habilidades de proteção, mas sim nos homens e seus comportamentos violentos. Essa visão é corroborada cientificamente por diversos autores. Devemos considerar que a maior parte das violências sexuais ocorre dentro de um relacionamento estável ou casual ou com uma conhecida. Ou seja, temos que mais de 90% dos casos de violência sexual ocorrem com uma pessoa conhecida pela vítima (Gidycz, Warkentin, e Orchowski, 2007), tal qual o ocorrido no Rio de Janeiro no qual um parceiro amoroso da vítima a levou para o local em que ocorreu a violência.

Mas, qual seria a forma de atuar com esses homens? Segundo Gidycz, Warkentin, e Orchowski (2007), o ideal é a realização de intervenções precoces que enfatizem aspectos mais sutis de comportamentos interpessoais e padrões de comunicação, em especial o consentimento da parceira para atividades sexuais. É provável que crenças sobre aceitação da violência sexual apresentem variação, e as pesquisas devem avaliar as normas e crenças desses homens sobre mulheres e comportamentos agressivos. Com isso, temos três etapas fundamentais a serem iniciadas para a construção de programas de prevenção em nossa sociedade: 1) investigar as crenças e normas sociais dos homens brasileiros sobre violência em relacionamentos amorosos; 2) identificar os principais contextos e comportamentos problemáticos e oferecer comportamentos alternativos não violentos; 3) incluir toda a sociedade nos projetos de prevenção, em especial, para que ocorra participação ativa para a prevenção, como no caso da intervenção pela testemunha (bystander intervention).

Segundo O’Leary & Slep (2011) temos uma necessidade real de programas que busquem a modificação de comportamentos violentos dos homens de maneira específica, identificando as reais necessidades e obstáculos para as mudanças para comportamentos não violentos para o sexo masculino.

Segundo Thompson (2014), estratégias múltiplas e duradouras têm maiores chances de serem efetivas em reduzir a violência bem como fatores de risco para outras formas de violência. Dessa forma, podemos afirmar que não há somente um caminho para que a violência sexual seja eliminada de nossa sociedade, mas toda caminhada começa com um primeiro passo. A sensibilização para as consequências da violência parece ser fundamental na sociedade brasileira para atingir esse objetivo máximo de uma vida sem violência para as mulheres.

Para saber mais:

O’Leary, K., & Slep, A. (2011). Prevention of Partner Violence by Focusing on Behaviors of Both Young Males and Females. Prevention Science, 13(4), 329-339. http://dx.doi.org/10.1007/s11121-011-0237-2

Thompson, M. P. (2014). Risk and protective factors for sexual aggression and dating violence: Common themes and future directions. Trauma, violence & abuse, 1-6. doi: 10.1177/1524838014521025

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Escrito por Sidnei R. Priolo Filho

Psicólogo, Mestre e Doutor em Psicologia pela Universidade Federal de São Carlos. Professor do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Forense da Universidade Tuiuti do Paraná em Curitiba.

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