Hoje eu usei Bhaskara! Ou elogio à diversidade curricular na educação formal

Eu não usei Bhaskara

Figura 01. Meme compartilhado em diversas redes sociais. Fonte: http://geradormemes.com/meme/prawov

Recentemente, em uma rede social, me deparei com o meme acima. Nele o famoso personagem de Roberto Gomés Bolagnos – o Chapolin Colorado – constata de forma sarcástica que mais um dia se passou sem que a fórmula de Bháskara (ferramenta matemática utilizada para obter a raiz de uma equação de segundo grau) lhe fosse útil. Esta imagem cômica pode ser fonte de reflexões que apontem em diferentes sentidos. Neste texto quero fazer um recorte sobre o valor de se ter uma matriz curricular vasta e diversa. Afinal, para que investir em um currículo com disciplinas tão diversas quanto literatura e física? História e matemática? Música e Química? Filosofia e Biologia?

Montar um currículo básico é um processo complexo. É preciso definir objetivos didáticos, elencar competências e habilidades a serem ensinadas, definir eixos temáticos, elencar e desenvolver métodos e indicadores de ensino e aprendizagem, além de sincronizar todas essas etapas com debates e conflitos de interesse de âmbito nacional e locais, interesses públicos e individuais, e de mercado e cidadania por exemplo. Não parece e nem é fácil (Córdão, 2011).

Todavia, à despeito dessas dificuldades, nós temos diretrizes curriculares (DC’s) que preconizam o ensino de línguas, matemática, ciências, artes e humanidades. E, reconhecendo que existem mil e um problemas com nosso sistema de educação, eu gostaria de valorizar a ambição dessas DC’s em abranger assuntos tão diversos.

Vivemos em uma época em que os meios de comunicação tornaram a informação um recurso imprescindível, instantâneo e infinito quando levamos em conta a capacidade individual de uma pessoa acessá-la a partir de qualquer dispositivo com acesso à internet banda larga. Dito isto, nos vemos em um cenário em que apesar de estamos a poucos passos de quase qualquer tipo coisa que quisermos conhecer, nossos interesses, atenção e escolhas são os verdadeiros condicionantes daquilo que vamos acessar. Num behaviorês mais direto, nossos cliques são produtos diretos das operações motivadoras, regras e do potencial discriminativo com que interagimos ao nos depararmos com situações em que esquemas concorrentes estão em vigor e precisamos tomar decisões como ao acessarmos um site, blog ou aplicativo.

Aquilo que conhecemos hoje – nosso conhecimento prévio – é a bússola e a âncora que, ao mesmo tempo, nos guiam e nos fixam na aventura de navegar pelas informações da rede mundial de computadores e que podem nos fazer encontrar e produzir conhecimento novo. Assim, se o conhecimento que temos é a bússola, estudar cada disciplina que encontramos em uma escola é como acessar um mapa diferente. Para sair do lugar basta soltar o barco do cais. Para chegar a um destino – qualquer que seja – é preciso ler o mapa, ver o mundo e checar a bússola. Nem tudo no mapa lhe será útil para chegar a um destino qualquer, mas para que seja possível chegar a qualquer destino é preciso que haja no mapa diversos tipos de informação tanto sobre a terra quanto sobre o mar.

Retomando o meme, Bhaskara é como um ícone entre tantos outros daqueles que encontramos no incrível mapa da matemática. O destino para um jovem aprendiz de marinheiro pode ser incerto, mas Bhaskara é como um farol que garante a ele que não importa que percurso faça, ao passar por Bhaskara, ele saberá qual o próximo passo. Terá em Bhaskara um porto seguro.

E não apenas Bhaskara, também Aristóteles, Marx, Mozart, Madame Curie, Newton, Darwin e quem mais for. Em seu percurso o marinheiro muitas vezes não encontrará esses grandes personagens, mas encontrará seu legado. Um teorema, um pensamento, uma sinfonia, uma substância, a representação de uma força da natureza ou a história da vida. Esse legado é a pista no mapa.

A diversidade curricular pode servir de base para a criatividade, flexibilidade e proficiência na habilidade de resolver problemas. Afinal, ninguém quer entrar num barco com um capitão que não sabe o que fazer caso uma tempestade nos empurre para fora do curso. Toda pista é bem-vinda quando não se conhece o caminho. E o que é a escola se não a oportunidade de reinventar o caminho? Nas palavras de Skinner (1964): “A educação é o que sobrevive quando se esquece o que fora aprendido”.

A diversidade curricular pode estabelecer as condições que promovem o “espírito científico” na medida em que pode elucidar como qualquer conhecimento é circunscrito por seu contexto e seu tempo e como o empreendimento de conhecer pressupõe algum desconhecimento e assim pede honestidade para reconhecer o que não se sabe e coragem para se lançar no novo e correr riscos. Para conhecer o mundo, navegar é preciso. É navegando que escrevemos os mapas que um dia guiarão alguém.

Referência

Córdão, F. A. (2011). As novas diretrizes curriculares nacionais para a educação básica e suas implicações na educação profissional técnica de nível médio. Boletim Técnico Senac: Revista de Educação Profissional, 37(3), 41-55.

Skinner, B. F. (1964). New methods and new aims in teaching. New Scientist, 122.

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Escrito por Luiz Henrique Santana

Psicólogo (UFPA). Mestre em Neurociência e Cognição (UFABC). Doutorando em Psicologia Experimental (USP). Pesquisador do Departamento de Psicologia na University of California in Los Angeles e Analista de Pesquisa Freelancer na Pearson Educacional. Ex-professor de Neuropsicologia e Psicologia Experimental (Análise do Comportamento) em Universidades pública e privada no Brasil. Ex-pesquisador visitante no Institute of Neuroscience (Chinese Academy of Sciences). Membro e Coordenador Estudantil de assuntos de Pesquisa (Student Research Coordinator) da Association for Psychological Science Student Caucus. Diretor do projeto The Online Museum of Psychological Science.

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