Luto: Quando ouvi que meu filho era Autista, o chão se abriu sob os meus pés…

O casal planeja ter um filho, já sabe até que nome ele terá, espera o momento ideal na vida de cada um, assim que terminar o mestrado, quando conseguir aquela promoção, quando comprar um imóvel… Ou, então, são pegos de surpresa, ninguém esperava, mas logo nos primeiros dias os planos vão sendo feitos, um a um, como será o quartinho, com quem vai se parecer, onde vai estudar, que profissão vai ter (sim, até isso planejamos antes mesmo de ver uma imagem no ultrassom!). A família e os amigos começam a comprar presentinhos, uns mais fofos que os outros, vem o Chá de Bebê, só alegria. Tudo corre bem na gestação, na maior parte das vezes, sem nenhuma intercorrência. E chega o grande dia, o parto é perfeito, o bebê nasce saudável e, por mais “amassado”, são sempre lindos! Os primeiros meses de vida são recheados de aprendizagens, noites mal dormidas, dores na amamentação, choros incompreendidos, erros e acertos. Mas também são recheados de deliciosos sorrisos, seguidos de inesquecíveis gargalhadas e um amor incondicional e sufocante que cresce dia após dia no coração da mamãe, do papai e do bebê. Perto de completar 1 aninho ele dá seus primeiros passos em meio a câmeras e muitas palmas.

filhos

Tudo parece correr muito bem…, mas… então… em algum momento entre 1 e 2 anos de idade, algo começa a preocupar a mamãe ou o papai ou, ainda, um parente que entende um pouquinho mais de desenvolvimento infantil começa a apontar atrasos, ou a professora da creche chama para uma reunião. É como se, de repente, a criança parasse de se desenvolver e até perdesse habilidades já adquiridas. De repente ele fica distante, não interage com mais ninguém, parece que está em outro mundo. Como vimos no artigo publicado nesta coluna no dia 28 de dezembro de 2015, isso não acontece assim tão “de repente”, mas este é um relato bastante comum.

Então, a família começa uma trajetória angustiante por médicos psiquiatras ou neurologistas, fonoaudiólogo, psicólogo, etc. Até que um dia escutam a tão temida conclusão: “Seu filho é Autista.”. É incrível como o relato do sentimento vivido por pais e mães neste momento é parecido: “Eu fiquei sem chão”; “É como se o chão sob meus pés tivesse simplesmente sumido.”.

Este relato é uma metáfora para o luto vivido por todo pai e mãe que descobre que seu filho tem um transtorno sem cura. Os pais vivem o luto pela morte do sonho de um filho perfeito, por ver ir por água abaixo cada plano feito e entrar num mundo onde, na maior parte dos casos, tudo é muito desconhecido. Como todo luto, num primeiro momento, muitos pais vivem a negação, ou seja, não aceitam o diagnóstico e continuam buscando outras opiniões. Essa negação é natural, faz parte do luto e deve ser vivida. Mas é fundamental que os pais superem essa fase o mais rápido possível, porque quanto mais tempo durar a negação, mais tarde começará o tratamento da criança e, como já vimos em outros artigos desta coluna, uma das principais variáveis para um bom prognóstico do TEA (Transtorno do Espectro Autista) é a intervenção precoce. Por isso, estes pais recém-chegados neste mundo, precisam de todo o apoio de familiares, amigos e profissionais da saúde para entenderem o TEA, aceitarem esta condição e buscarem ajuda especializada o quanto antes.

Também é comum vermos mães que notam o atraso no desenvolvimento do filho bem cedo e logo buscam ajuda, são mães tão pragmáticas e racionais que entendem rapidamente que ficar prolongando este sofrimento não vai ajudar seu filho, e partem logo para fazer o que deve ser feito por ele. Muitas destas mães sofrem outro problema: a não aceitação e o julgamento do restante da família. É muito comum que estas mães sejam criticadas pelo pai, avós, tios e até pelo pediatra da criança, que dizem que elas são ansiosas, exageradas ou preocupadas demais, estão vendo problema onde não existe, algumas são até taxadas de “loucas” (por incrível que pareça, mas ouvimos isso muito mais do que gostaríamos). Estas mães são guerreiras, elas costumam ignorar estas críticas e continuar buscando ajuda para o filho, fazem bem, a elas se deve a intervenção precoce e grande parte do sucesso no tratamento da criança. Claro que pode ser o pai este que percebe cedo e é criticado, mas usei o exemplo de mães porque é tremendamente mais comum em nossa vivência profissional.

Nesta fase de diagnóstico e início de tratamento alguns pais que possuem esta predisposição podem desenvolver um quadro de depressão. É bastante comum. Por isso, recomendamos acompanhamento psiquiátrico e psicoterapia para as famílias de nossos clientes quando percebemos que isso está acontecendo.

Em casos extremos, infelizmente, assistimos à separação dos pais da criança. Claro que a separação de um casal não se deve unicamente às dificuldades do dia-a-dia com uma criança com necessidades especiais, mas obviamente esta variável contribui para este desfecho quando o relacionamento conjugal já não ia muito bem. Por isso, terapia individual e de casal é altamente indicada para pais e mães de crianças com TEA ou com qualquer outra necessidade especial.

Outro conselho precioso para superar o luto e partir para a luta é conhecer profundamente o transtorno e o tratamento pelo qual o filho está passando. Realmente ler sobre o assunto, discutir cada detalhe da intervenção com os profissionais da equipe, assistir às terapias, verificar registros e gráficos de desenvolvimento, ir a palestras ou fazer cursos de capacitação de pais, etc. Quanto mais conhecemos sobre o que nos aflige menos aquilo nos ameaça, porque temos mais controle do assunto, sabemos como lidar com ele.

Conhecer o assunto à fundo também permite que os pais participem intensamente do tratamento do filho, aprendendo os procedimentos e aplicando-os no dia-a-dia. Esta é outra variável que contribui para um bom prognóstico e um tratamento de sucesso. Afinal, como já vimos em outros artigos desta coluna, quanto mais horas de intervenção a criança tiver mais chances ela tem de se desenvolver de forma satisfatória. Vemos claramente mais resultado no tratamento de crianças cujos pais “vestem a camisa”, “arregaçam as mangas” e, eles mesmos, aplicam os procedimentos orientados pela equipe multidisciplinar, do que quando os pais não se envolvem e somente os profissionais aplicam os procedimentos.

Também ajuda muito dialogar com outras famílias de autistas, trocar informações, ouvir pais que já viveram algo que se está vivendo agora e como eles superaram. Por outro lado, também vale ajudar o outro a vencer o que eles já venceram e aprender com as experiências dos outros. Hoje em dia a internet facilitou muito isso, existem milhares de grupos de pais de autistas e profissionais ligados ao TEA nas diferentes redes sociais. Nestes grupos, os pais recém-chegados se sentem acolhidos, percebem que fazem parte de um mundo gigantesco de gente que vive exatamente as mesmas coisas dia após dia, descobrem que não estão sozinhos, têm acesso a informações valiosas sobre abordagens de tratamento, profissionais capacitados, valores do tratamento, eventos sobre o assunto, direitos dos autistas, etc.

Tenho assistido, com grande entusiasmo e esperança, verdadeiras lutas que se iniciam em tais grupos de pais de autistas nas redes sociais. Ultimamente, uma das principais metas destas lutas tem sido a garantia dos direitos destas crianças na inclusão escolar. Fazer parte destes grupos ajuda os pais recém-chegados a entrarem nessa luta com mais informações e conhecimentos sobre o tema, sem precisar “reinventar a roda”. Eles já pegam o processo encaminhado, já conhecem logo os direitos da criança e já recebem valiosas armas para lutar pelo seu filho.

Enfim, por mais difícil que seja, é preciso vencer o luto, aceitar o filho como ele é e amá-lo acima de qualquer coisa, para reunir forças e correr atrás do melhor tratamento que estiver dentro de suas possibilidades e fazer o que estiver ao alcance para dar a esta criança uma chance de aprender, de se desenvolver no limite de suas capacidades e de ter uma boa qualidade de vida. O que estes pequenos “anjos azuis” precisam, acima de tudo, é de amor e carinho. Se isso estiver garantido, o resto acontece como consequência.

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Escrito por Juliana Fialho

Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo no ano de 2006. Mestre em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Dissertação defendida em maio de 2009). Trabalha como psicóloga na Gradual (Grupo de Intervenção Comportamental), onde lida principalmente com crianças e adolescentes com desenvolvimento atípico. Tem experiência em Análise do Comportamento Aplicada. Já desenvolveu pesquisas de Iniciação Científica, Conclusão de Curso e Mestrado nos seguintes temas: desenvolvimento atípico, avaliação de repertório inicial, intervenção comportamental, comunicação funcional e alternativa e variabilidade comportamental.

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