[Entrevista Exclusiva]: Maria de Lima Wang fala sobre Mídia e Análise do Comportamento

Um assunto recorrente nas discussões em fóruns online e rodas de conversa sobre Análise do Comportamento são os equívocos sobre a abordagem, difundidos em livros introdutórios de Psicologia e na mídia em geral. Para falar sobre o tema, convidamos a Jornalista e Analista do Comportamento Maria de Lima Wang, que desde seu mestrado vem estudando o controle da mídia sobre o comportamento humano. A entrevistada falou também sobre que caminhos podem seguir os interessados em estudar o tema.

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Foto: Arquivo Pessoal

Maria de Lima Wang é Jornalista (FIAM/FMU, 1994), mestre, doutora e pós-doutoranda pelo Programa de Psicologia Experimental: Análise do Comportamento da PUC-SP. Integra a diretoria da Associação Brasileira de Psicologia e Medicina Comportamental (ABPMC), gestão 2015-2016, como segunda secretária, na qual tem como principal atribuição coordenar as atividades da Comissão de Comunicação da instituição. É associada da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (Intercom). Como jornalista, atuou em emissoras de rádio, meios impressos (jornal e revista) e em portais na internet, cobrindo notícias em geral e temas relacionados com negócios, carreira, medicina, saúde. No mestrado e doutorado,  estudou interações verbais em blogs jornalísticos. No pós-doutorado, desenvolve no momento pesquisa relacionada com política de pós-graduação.

Comporte-se: Diferente da maioria dos Analistas do Comportamento, você cursou Jornalismo e não Psicologia. Em uma área tão distinta daquela na qual se formam a maioria dos estudantes, profissionais e pesquisadores comportamentalistas, como conheceu a Análise do Comportamento e o que te levou a buscar ampliar sua formação na abordagem?

Maria Wang: Sempre quis fazer uma pós-graduação fora da comunicação, pois achava que conhecer outra área ampliaria minha visão e minhas habilidades como jornalista. Ao longo de minha carreira, frequentemente escrevia sobre temas relacionados com comportamento humano. Depois de uns dez anos atuando como jornalista, e observando problemas na área, comecei a procurar de forma mais sistemática um curso de pós-graduação relacionado com comportamento humano. Considerava que compreender melhor princípios comportamentais ampliaria meu olhar sobre minha área original. Foi assim que, em agosto de 2005, cheguei ao Programa de Pós-graduação em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento da PUC-SP (PEXP). Terminei o mestrado em 2008 e em 2009 iniciei o doutorado, concluído em 2013. Não poderia ter tomado decisão mais acertada. O modelo da seleção comportamental/cultural pelas consequências alargou não só minha compreensão sobre o jornalismo, mas minha visão de mundo em geral. É como se o mundo antes fosse nublado e de repente ficasse claro. Se eu tivesse de estabelecer um marco em minha carreira seria antes de minha formação em Análise do Comportamento e depois de minha formação em Análise do Comportamento.

Comporte-se: De seu ponto de vista, como o conhecimento e as ferramentas do jornalismo podem contribuir com a Análise do Comportamento?

Maria WangJornalistas são ensinados a tornar pública informação de interesse público (apesar de a definição de interesse público não ser consensual). Não importa a complexidade do tema, jornalistas são orientados a tratá-lo de forma simples, clara, de modo que um leigo compreenda as implicações do assunto em questão. Fazem isso, em geral, contando histórias. Bons jornalistas são bons contadores de histórias, preferencialmente, histórias que sejam relevantes socialmente, que aumentem a capacidade de ação do público-alvo. Claro que uma coisa são as contingências de ensino e outra são as de atuação profissional. De qualquer forma, especificidades à parte, o estilo jornalístico pode contribuir com o estilo científico (e vice-versa). Assim como a orientação de tornar pública informação de interesse público (em linguagem simples, clara) é útil para psicólogos também que podem difundir conhecimentos psicológicos úteis para o bem-estar individual e social.

Parece-me que o que há de comum entre pesquisadores científicos que são grandes divulgadores de ciência é o domínio dos estilos jornalístico e científico, aliado ao conhecimento aprofundado da própria área e do idioma em que realizam a comunicação. Richard Dawkins sintetizou as habilidades de um bom comunicador de ciência em uma dedicatória do livro The Oxford Book of Modern Science Writing. Escreveu assim: “For Charles Simonyi, who loves science, loves language, and understands how to put them together”. Numa tradução livre, “Para Charles Simonyi, que ama ciência, ama linguagem, e sabe como colocar as duas juntas”.

Comporte-se: Não são raras as publicações contendo equívocos sobre a abordagem, tanto na mídia, quanto no material didático utilizado em cursos de graduação e pós-graduação. Em sua opinião, qual o impacto destes equívocos sobre o interesse da sociedade e de outras categorias profissionais pela abordagem? Como poderíamos lidar com os equívocos já publicados?

Maria Wang: Essa é uma pergunta difícil, pois desconheço pesquisas em que equívocos sobre a área tenham sido sistematizados. Mas para contribuir com essa discussão, indico a leitura do artigo “The Aim, Progress, and Evolution of Behavior Analysis”, de Edward Morris, em que ele discute problemas – internos e externos – que afetam a Análise do Comportamento. Morris trata da questão dos equívocos na representação da Análise do Comportamento numa perspectiva empírica (do tipo: mostre-me os dados), que é coerente com o modo de trabalho analítico-comportamental. Talvez uma forma de lidar com a questão dos equívocos (já publicados e futuros) seja criar um observatório de mídia e de mitos sobre a Análise do Comportamento. Seria um espaço em que equívocos e mitos sejam descontruídos, de forma que o público leigo possa entender.

Comporte-se: Em sua opinião, como Jornalista e Analista do Comportamento, qual tem sido a contribuição dos profissionais e pesquisadores da área para que os equívocos sejam tão comuns? Que atitudes podemos mudar para, a longo prazo, modificarmos isso?

Maria Wang: Não diria que os analistas do comportamento contribuem para a ocorrência de mal-entendidos sobre a própria área. Novamente aqui podemos nos inspirar nas discussões de Morris no artigo já referido. Para enfrentar problemas como esse, precisaria antes caracterizar o problema. Paralelamente, desenvolver estratégias de comunicação com públicos específicos (jornalistas de áreas como ciência, saúde, educação; gestores de políticas públicas), sem perder de vista a comunicação com o público em geral. Hoje, com a facilidade de publicação de conteúdo surgida com a internet, sobretudo com as mídias sociais, não dependemos de grandes corporações para produção e disseminação de conteúdo. Já não dependemos tanto da mediação do jornalista para falar com o grande público. A mídia social está em nossas mãos. Tomando-se a criatura pelo criador, podemos dizer que “a mídia” somos todos nós.

Comporte-se: Na atualidade, quais são os principais temas e linhas de pesquisa unindo Análise do Comportamento e Mídia?

Maria Wang: Tenho conhecimento de iniciativas individuais (por exemplo, na PUC-SP, na UFBA, na UNB), além dos estudos de Richard Rakos, nos EUA, nos anos 1990, em que os pesquisadores trataram[MW1]  a mídia numa perspectiva analítico-comportamental. Nessas pesquisas, em geral, a mídia é descrita como agência de controle. Há tentativas também de caracterizar efeitos dos meios de comunicação de massa sobre a construção social do conhecimento, conforme discussões de Bernard Guerin no artigo Análise do Comportamento e a Construção Social do Conhecimento. Geralmente, os pesquisadores se baseiam na análise de conteúdos da cobertura da própria mídia sobre eventos específicos. Há estudos também em que os autores propõem análises teóricas em que tratam, por exemplo, da aplicação do conceito de metacontingência na análise da mídia ou discutem estratégias de educação do público para a mídia.

Comporte-se: Quais as maiores dificuldades enfrentadas pelos pesquisadores da área, atualmente?

Maria Wang: À parte a escassez de literatura, trata-se de um objeto difícil de ser estudado experimentalmente e para o qual não existem, na Análise do Comportamento, métodos de estudos bem estabelecidos. Além da falta de modelos, há outro problema que talvez seja comum a pesquisadores de outras áreas que adotem uma perspectiva multidisciplinar em seus estudos: a falta de revisores que possam avaliar adequadamente os trabalhos realizados. Embora exista, aparentemente, uma tendência para estimular a multidisciplinaridade – como proposto, por exemplo, no Plano Nacional de Pós-graduação (PNPG 2011-2020) – na prática a coisa é diferente. Muitos concursos públicos exigem do candidato graduação e pós-graduação na mesma área. O fato é que quando acendemos uma única vela para santos diferentes corremos o risco de ficar sem bênção de ambos os santos.

Comporte-se: Que referências indica para quem estiver interessado em estudar mais sobre a interlocução entre Análise do Comportamento e mídia?

Maria Wang: Como ponto de partida sugiro a leitura de uma série de artigos publicados no volume 25 da Coleção Sobre Comportamento e Cognição. Com a leitura dos artigos dessa coleção, o leitor terá acesso às principais referências da área até 2010. Não aparece nessas referências um artigo cujo autor apresenta uma perspectiva bastante singular para falar sobre interações entre mídia e Análise do Comportamento. Refiro-me ao artigo “The media and control in the future”, de Terry Knapp, publicado em 1981. Para Knapp, estudar a mídia implica descrever interações entre a mídia e outras agências de controle (ele cita governo, economia e religião), sem perder de vista o controle do público-alvo sobre a mídia. Knapp enfatiza os efeitos da agência econômica sobre a mídia. Afirma que a mídia é o que é em razão de contingências econômicas. E tem importância perante a agência econômica e outras agências em razão da audiência que detém.

Como a literatura de Análise do comportamento nessa área ainda é escassa, recomendo que o interessado tenha noção de como a mídia é tratada em outra áreas da Psicologia. A Associação Americana de Psicologia (APA) mantém, desde o início da década de 1980, uma divisão cujo objetivo é aproximar profissionais das áreas de Psicologia, mídia e tecnologias de comunicação. Trata-se da Divisão 46: Society for Media Psychology and Technology, que agora declara interesse em compreender relações envolvidas na comunicação mediada por qualquer dispositivo eletrônico, como o celular, e não só a comunicação realizada pela grande mídia. Indico também o trabalho de Giuseppe Mininni, pesquisador italiano que atua na área de Psicologia da Comunicação e Psicologia da Cultura. Mininni é autor de um livro traduzido para português com o título “Psicologia cultural da mídia”. O livro é bastante instrutivo para psicólogos e jornalistas. Indicaria ainda Douglas Kellner como bom interlocutor para pesquisadores de Análise do comportamento interessados no estudo da mídia. Kellner critica um aspecto bastante comum na literatura sobre mídia que é tratar o público de forma idealizada. E propõe também programas de educação para a mídia.

Por fim, recomendaria que o interessado nesse tema tenha em vista que a mídia é produto, produtora e reprodutora de práticas culturais dominantes. Que evite tratá-la como representante de novas formas de tirania ou como salvaguarda da democracia e sim, como instituição capaz de ações que podem variar ao longo desses dois extremos.

Referências:

Associação Americana de Psicologia – APA Div. 46: Society for Media Psychology & Technology.http://www.apadivisions.org/division-46/index.aspx.

Dawkins, R. (2008). The Oxford Book of Modern Science Writing. Oxford University Press: New York.

Kellner, D. (várias datas) https://pages.gseis.ucla.edu/faculty/kellner

Knapp, T. J. (1981). The media and control in the future. Behaviorists for social action Journal, 3 17-19.

Mininni, G. (2008). Psicologia Cultural da mídia. São Paulo: Edições SESC SP.

Morris, E. K. (1992). The Aim, Progress, and Evolution of Behavior Analysis. The Behavior Analyst, 15, 3-29.

Hübner, M. M.C. et al. (2010). Sobre Comportamento e Cognição. Análise experimental do comportamento, cultura, questões conceituais e filosóficas. Santo André, SP:ESETec.

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Escrito por Portal Comporte-se

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