[Entrevista Exclusiva] Diego Zílio, neurociências e análise do comportamento

Por ocasião da XIV Jornada de Análise do Comportamento da UFSCar, em São Carlos-SP, tivemos a oportunidade de realizar uma entrevista com o Diego Zílio, que apresentou a palestra Preenchendo as lacunas: o papel das neurociências na compreensão do comportamento. Confira a entrevista, feita por Priscilla Meireles, abaixo.

IMG_1193
Priscilla com o Diego Zilio na JAC UFSCar 2015

Priscilla/Comporte-se –> Diego, você encontrou dificuldades quando começou a estudar sobre neurologia e neurofisiologia com interface na AC? E como se interessou pelo assunto?

Diego –> Acho que é mais fácil começar por como eu me interessei pelo assunto. Eu estava fazendo mestrado em filosofia na Unesp de Marília, e o tema geral lá é contribuições da filosofia do behaviorismo radical ao problema da filosofia da mente, desde a própria definição do que seria mente ou não, ou à causalidade mental, o que seria consciência, problemas de associação do Behaviorismo Radical a outras formas de Behaviorismo dentro da filosofia incompatíveis. E um dos problemas que sempre aparecia na literatura é o do reducionismo – possibilidade de reduzir a mente ao sistema nervoso, é um tipo de discurso completamente diferente do que a gente encontra na Análise do Comportamento né, eles falam, aceitam a existência desse tipo de coisa chamada mente, cognição e pra eles tem um problema essencial aí, se nós aceitamos a existência desse negócio, nós não somos dualistas, esse negócio mente ou cognição precisa de alguma maneira estar relacionado estar relacionado ao sistema nervoso. Como se dá essa relação?  Acho que 90 da literatura em filosofia da mente tenta responder essa pergunta e atualmente essa literatura tem trazido cada vez mais dados ou pesquisas em neurociências pra discutir esse problema e por isso, por essa literatura que não tem relação nenhuma com Análise do Comportamento eu comecei a me interessar por neurociência. Na dissertação que depois virou um livro eu dediquei uma sessão exatamente pra esse problema do reducionismo, que envolvia a redução à fisiologia às neurociências e nessa sessão eu apenas disse que por um lado não fazia sentido o problema do reducionismo na Análise do Comportamento porque nós não estamos estudando cognição ou mente ou um processo que de alguma maneira é emergente ao sistema nervoso, nós estudamos contingências de seleção, o que é uma coisa um pouco diferente de sistema nervoso né, não é essa relação de dependência e interdependência entre uma coisa e outra que eles chamam de emergência. E então eu falei, não há aqui então o problema do reducionismo não se coloca a uma relação de complementaridade entre essas duas abordagens, entre essas duas maneiras de explicar o comportamento e parei por ali; mas tem muita coisa a ser explorada nessa área e da relação entre AC e neurociência e pouco foi falado sobre isso na época, quando eu comecei a tratar do tema e como eu disse na apresentação né, normalmente o discurso dos neurocientistas é os behavioristas não aceitariam de braços abertos uma explicação neurofisiológica, eles são críticos, antifisiologia é o termo. Por outro lado na AC, nós encontramos mais esse discurso da autonomia, “somos uma ciência autônoma, é possível fazer a análise do comportamento sem levar em conta as variáveis fisiológicas” e havia pouco material sobre… então tá bom, é possível uma ciência autônoma, as críticas são interessantes, mas não são críticas que impedem esse tipo de diálogo ou qualquer tipo de diálogo com as neurociências, então vamos tentar ir pra um discurso mais positivo, como que seria a relação entre uma área e outra, que é o tema da minha tese de doutorado, a possibilidade de diálogo entre uma área e outra e a proposição de uma síntese, que é a união de elementos conceituais teóricos e filosóficos tanto da dimensão neurocientífica quanto da dimensão comportamental numa explicação única do comportamento. Eu tive essa proposta para uma análise puramente conceitual e eu não quis fazer isso em departamento de filosofia, eu queria ver como os cientistas se comportavam, eu queria ter acesso e discutir essas explicações com cientistas do comportamento e neurocientistas, agora entrando na pergunta sobre a dificuldade para lidar com o assunto né, eu queria fazer um trabalho teórico conceitual em um departamento ou em um programa de Pós que não fosse filosófico e que tivesse uma tradição em pesquisa experimental, queria trazer esse problema, essas discussões para esta comunidade e felizmente foi possível realizar esse trabalho no Departamento de Psicologia Experimental da USP com a professora Tatu (Maria Helena Leite Hunziker) e o próprio nome do laboratório lá é “Laboratório de Análise Biocomportamental”, lá são feitas pesquisas que levam em conta essa manipulação de variáveis fisiológicas e comportamentais, então eu achei que seria o ambiente ideal para o desenvolvimento e foi onde eu realizei essa tese e ao mesmo aí também participando e vendo como se fazia não só a AC que eu já tinha um contato prévio mas principalmente neurociências, eu participei de… eu não diria estágio, mas eu aprendi algumas técnicas, eu fui no laboratório de neurociência molecular e celular pra tentar entender a lógica por detrás da produção do conhecimento neurocientífico. Isso contribui muito pra redação do texto pra discussão dessas possíveis, que é o que eu chamo de espaços da síntese aqui na palestra que podem levar em consideração variáveis de uma área ou de outra na produção do conhecimento. Então talvez eu não tive dificuldade porque, primeiro, é um assunto muito importante, não só pra AC mas pra Psicologia de modo geral e neurociência é um tema atual, então houve aceitação por causa disso, o que restringiu um pouco as opções foi justamente esta opção por querer realizar a pesquisa num departamento experimental, mas isso foi possível, eu tenho que agradecer à Tatu por ter aberto espaço e ter realizado a pesquisa lá.

Comporte-se –> Quais foram as conclusões mais relevantes que você pontuou na sua dissertação (o livro)?

O livro foi uma história mais interessante, curiosa, porque quando eu entrei no departamento de filosofia não haviam behavioristas. Você se formou em Bauru?

Comporte-se/ Priscilla: Sim.

Diego: O professor Jonas (professor da Unesp Bauru) foi meu orientador e ele não é estudioso do behaviorismo radical…

Priscilla: Ele é filósofo

Diego –> Ele é filósofo e sempre estudou até na sua produção acadêmica no sentido de dissertação de mestrado foi sobre Psicanálise, pensamento de Bergson e nunca estudou nada do comportamento, mas ele estuda filosofia da mente, então ele me orientou nesse trabalho num departamento, num contexto de departamento que não havia analista do comportamento ou pessoas minimamente interessadas na filosofia Behaviorista Radical, o professor Kester me co-orientou no trabalho, o Jonas fazia a parte de orientação em filosofia e o Kester a parte de orientação em Behaviorismo Radical. E logo numa das primeiras aulas, era sobre linguagem e falando sobre significado, se o significado estaria no objeto ou no sujeito, aquela foi uma questão que levou muita discussão em filosofia da mente, também a partir de uma dicotomia internalista o significado está no objeto, internalista… e eu comecei a falar sobre o comportamento verbal: “não, o significado não está numa coisa em outra, eu quero analisar o sentido, o significado dos termos que a gente utiliza, nós devemos analisar as contingências de seleção” no meio da minha fala a professora parou e falou “pare de falar sobre isso, nós não podemos falar sobre behaviorismo aqui, não é isso o importante, o seu estudo não está levando em consideração a questão aqui em voga”, aí eu falei “nossa né, tudo bem não vou mais falar das alternativas behavioristas”. Isso foi logo no começo, eu fui insistente, comecei a discutir questões de filosofia da mente a partir dessa perspectiva behaviorista radical. Coincidentemente havia um grupo muito forte de professores lá nesse departamento que estavam estudando a abordagem ecológica do Gibson aliada a uma perspectiva pragmatista do Pers em filosofia da mente e tanto Pers quanto Gibson apresentam propostas que possuem semelhanças com o Behaviorismo Radical e com a proposta Skinneriana, então se tornou cada vez mais fácil de discutir e desmistificar o que seria o Behaviorismo. Essa foi uma das principais experiências positivas durante o mestrado, tanto que levou à confecção da dissertação, a discussão com esses professores né e logo quando eu saí do mestrado veio o edital para a publicação de livros, o pessoal que ia avaliar qual ou quais livros do programa seria publicado foi justamente, ou seja, o conselho editorial, foi formado por esses professores que no início falavam “não se pode falar de Behaviorismo aqui!” e eles escolheram o texto pra ser publicado como um livro e isso foi um grande ganho, talvez eu possa ter contribuído de alguma maneira pra pelo menos, naquela comunidade, específica de filosofia da mente, pra desmistificar um pouco o bicho papão que era pra eles o Behaviorismo Radical e o Skinner de modo geral.

Comporte-se –> Atualmente, graças ao Pós Doutorado, você se filiou ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem da UNESP, campus de Bauru. Fale um pouco mais dessa parceria, quais são os objetivos?

Diego –> Junto ao programa de pós graduação especificamente, no momento eu estou ministrando uma disciplina sobre termos psicológicos e análise desses termos psicológicos ou problemas da Psicologia a partir da AC, então é uma disciplina que foca certos problemas clássicos da Psicologia e tenta analisar ou discutir pela perspectiva Behaviorista Radical e também aulas sobre consciência, aula sobre a própria definição do que seria comportamento, aula sobre a relação entre AC e neurociência , aula sobre liberdade… o que seria liberdade, escolha e determinismo. São problemas associados ao comportamento humano e a Psicologia, então cada aula é temática, possui uma linha de discussão sempre conceitual com os alunos acerca desses problemas centrais da Psicologia e da Filosofia e também acho que aí entra mais para o projeto do pós doutorado que não é mais sobre neurociência, ms sobre Análise Comportamental da Cultura e Comportamento Social. Eu estou desenvolvendo com o Professor Kester; primeiro numa dimensão conceitual filosófica, depois o plano é justamente delinear possibilidades de implementação de técnicas de delineamento cultural, a possibilidade de se estudar cultura sem se levar em consideração a unidade normalmente utilizada que é de metacontingência, estamos estudando a possibilidade de fazer estudos de cultura apenas a partir da nossa unidade básica de análise, que é a contingência. Estamos estudando a pertinência do modelo de metacontingência, tanto numa dimensão filosófica e conceitual, no sentido de como se originou o conceito de metacontingência. Foi um conceito guiado por dados experimentais ou não? Na verdade não foi… talvez isso seja um problema aí, a prática de construção de conceitos teóricos associada ao conceito de metacontingência e dos conceitos adjacentes é uma prática que foi amplamente criticada por Skinner e é muito diferente por exemplo, se você for comparar com os contingentes que levaram a proposição do conceito de operante, então tem esse problema aí. Outra questão que a gente vem debatendo é justamente a relação entre níveis de análise, porque uma das principais argumentações da literatura em metacontingência é que eles estariam lidando com um fenômeno em outro nível de análise e esse nível seria irredutível. Se o fenômeno é irredutível ele demanda uma unidade conceitual própria de análise e essa unidade seria a metacontingência e por isso a contingência não daria conta de explicar o fenômeno, então nós estamos estudando se de fato isso ocorreria, se não estamos falando de um terceiro nível qualitativamente distinto ou se estamos apenas falando de recortes maiores, o fenômeno que ainda é em nível de contingência comportamental e assim por diante. Até agora a nossa análise tem levado a crer que é possível uma análise da cultura e também do comportamento social apenas a partir do conceito de contingência, e o passo seguinte eu acho que é, se é possível isso faz sentido conceitualmente e filosoficamente que é onde a gente tá agora, agora a gente tá discutindo como isso seria feito, é uma pergunta pro futuro… como nós descreveríamos possíveis maneiras de fazer delineamento cultural apenas falando de contingência de seleção, em precisar de metacontingência, macrocontingência e assim por diante. Essa é a pergunta pro futuro porque também nós não podemos falar “é possível fazer análise com base em contingência e metacontingência você pode deixar por aí”. É preciso mostrar então como seria possível. Acho que um ponto importante nessa questão é trazer à tona, isso eu já estou sendo mais especulativo porque eu gostaria, mas quando você assume que análise de contingência é suficiente pra falar de seleção cultural, você tem que trazer então à tona, levar em consideração características centrais de contingências, principalmente pensando em comportamento humano e do sujeito se comportamento em grupo, e algumas dessas características que nunca vão ao nível da metacontingência são comportamento né, a distinções ou suscetibilidade do sujeito a reforçadores de curto e longo prazo. Então são discussões presentes na literatura sobre contingências e que normalmente são quase que deixadas de lado quando a gente passa pra uma análise em nível de metacontingências em que o procedimento experimental consiste na apresentação contingencial de uma consequência cultural, a produção de um produto agregado e normalmente é deixado de lado todos os entrelaçamentos (contingências entrelaçadas) responsáveis pela produção do produto agregado e talvez a estratégia mais interessante de manutenção ou de seleção de práticas culturais ou de instalação talvez seja mais importante, de instalação de novas práticas culturais esteja justamente na manipulação dessas contingências entrelaçadas e manipular contingência entrelaçada é manipular contingência, não é manipular outra coisa em outro nível. Então por isso eu acho que trazer à tona a possibilidade do estudo da cultura pra uma análise de contingência vai forçar a gente a trazer a esse tipo de discussão sobre cultura, aspectos do comportamento humano que normalmente não são discutidos ou não muito discutidos nessa literatura de estudo da cultura. É mais ou menos por aí que a gente tá agora, no momento.

Comporte-se –> Por fim, eu gostaria que você desse um panorama da área de interface entre a neurologia e a AC, na sua palestra você falou muito da história e do que o Skinner propunha e o que os neurofisiologistas propunham também, eu percebi que há uma série de equívocos, então eu queria de você como você considera o panorama da área neste momento.

Diego –> Eu acho que de modo geral na AC parece ter tido talvez uma aceitação maior da ideia de uma abordagem que integre tanto o que se produz em AC quanto o que se produz em neurociência, acho que isso tem aumentado, acho que o discurso da independência tem mudado um pouquinho para o discurso da integração e isso é interessante, importante… não só no Brasil, mas nos Estados Unidos também, e lá as contingências para esse tipo de discurso são bem mais presentes no sentido de financiamento de pesquisas. Lá há muitas pesquisas em neurociência ganhando financiamento, muito mais do que pesquisas puramente de análise experimental do comportamento, talvez até por uma questão que evoque a política do projeto de pesquisa do governo deles, associados a produção de conhecimento sobre o sistema nervoso, mas também à contingências associadas: eu preciso trabalhar, eu preciso ganhar financiamento pra realizar pesquisa experimental; então tem um número considerável de analistas do comportamento migrando para pesquisas que levem em conta também o estudo de variáveis fisiológicas. No Brasil eu acho que isso talvez ainda esteja um pouco insipiente, existem laboratórios que fazem essa interface, na USP nós temos a Tatu, temos a Miriam também, que trabalha principalmente com psicofarmacologia, mas é a partir de uma abordagem analítico comportamental. Então existe e eu acho que o principal aí é que existe interesse, acho que estar aqui hoje além de um prazer acho que demostre que seja um tema interessante ou que a comunidade de analistas do comportamento, seja de estudantes ou profissionais tenha interesse em discutir e problematizar essa relação entre AC e neurociência.

 

0 0 votes
Article Rating

Escrito por Raiane Alves

Acadêmica de Psicologia das Faculdades Integradas Pitágoras de Montes Claros / Montes Claros-MG, cursando atualmente o 10º período.

Boteco Behaviorista 43 – Autocontrole

Saiba como foi a XIV JAC UFSCar