A relação entre a baixa variabilidade comportamental e um padrão dependente afetivo

Você tem variabilidade comportamental? Você sabe o que realmente isso quer dizer? Bem, iremos chamar de variabilidade comportamental a quantidade de repertorio existente na vida de cada pessoa para lidar com situações diversas e adversas, ou seja, a existência de variação nas formas como realiza atividades, soluciona problemas e discrimina o que gosta e faz na vida.

O mundo contemporâneo exige muito das pessoas. Por vezes ouvimos relatos de pessoas alegando que o dia poderia ter mais de 24 horas. A necessidade de se realizar muitas atividades ao mesmo tempo é algo crescente no cotidiano e, naturalmente, favorece o contato com contingências diversas. Nos dias atuais as crianças cumprem várias atividades esportivas, culturais e de lazer porque os pais acreditam que essa é a melhor maneira de criar os filhos, mas nem sempre foi assim, muitas coisas mudaram, principalmente nas últimas décadas. Hoje, as contingencias são muito diferentes porque existe uma gama de variação no comportamento humano. A liberdade de expressão, a autonomia, os desejos e os objetivos aumentaram as oportunidades de avanços e conquistas para mulheres, crianças e adolescentes, sobretudo na garantia de direitos. Ainda assim, é possível encontrar pessoas que não foram incentivadas, “motivadas” ou que não aprenderam como criar ocasião para que essa variabilidade no comportamento ocorresse. Não sabem sequer do que gostam, quando gostam e porque gostam.

É observado nas pessoas uma falta de autoconhecimento o que significa que elas não sabem tatear (descrever) seus próprios comportamentos ou identificar a falta deles. É muito comum receber em nossos consultórios clientes sem essa habilidade. Saber observar, identificar e descrever o próprio comportamento é fundamental para adquirir autoconhecimento o que favorece o desenvolvimento individual.  Entretanto, muitas vezes, as pessoas seguem regras que não cabem na sua própria vida, regras muitas vezes imprecisas e inadequadas para a realidade em que estão inseridas. Comportamentos assim, certamente, foram aprendidos e modelados. Na tentativa de proteger os filhos, os pais os ensinam o que pensam ser o melhor, porém, muitas vezes esquecem de lhes ensinar a experimentar, a vivenciar e a desenvolver a autonomia plena para entrarem em contato com a mais genuína das consequências de seu próprio comportamento e assim aprenderem a solucionar problemas, criar alternativas e variar.

Diante desta falta de autoconhecimento notamos um repertório empobrecido e com pouca variabilidade comportamental. Quando falamos em relacionamento amoroso fica mais clara ainda essa ausência. Por se tratar também de um tipo de relação que é cercada de regras e modelos sociais que em grande parte nos são impostos para serem seguidos, percebemos uma forma de controle que não favorece a variação do comportamento. Falando de um dos maiores problemas das relações amorosas, a dependência, logo vemos que a ausência de variabilidade se torna algo determinante para a manutenção de uma relação doentia e dependente. Variar o comportamento, nesse caso, além de solucionar problemas, seria não focar apenas na relação, seria caminhar por vários setores da vida. Na dependência afetiva, termo utilizado para caracterizar o comportamento de cuidado e atenção excessivos ao outro, com consequente renúncia aos interesses antes valorizado tornando o outro o foco da vida de um dos pares (Bastos, Santos, Stein, 2014). É um quadro que pode acometer homens e mulheres, mas a sua maior incidência acontece com as mulheres.

Bem, é possível verificar na nossa sociedade um padrão de relacionamento afetivo com algumas regras bastante estabelecidas. O amor e o seu excesso sempre foram mais aceitáveis do que a falta dele. A independência de um casal dentro do próprio relacionamento, muitas vezes é punida pelo grupo por ser considerada falta de sentimento, como se o que mantivesse o relacionamento amoroso fosse apenas o exagero, o amor excessivo (Riso, 2013). Essa é uma regra que tem se mostrado ineficaz a cada dia. As pessoas geralmente se relacionam não somente por amor, ao contrário do que mostra os contos de fadas, que ainda estão bastante presentes em nossa cultura. Viver um relacionamento e levar em conta outros fatores e não somente o amor tem ficado cada dia mais presente nas escolhas dos pares.  Porém, a questão da variação do comportamento está diretamente ligada à aquisição do comportamento por meio de regras, o que de acordo com Matos, 2001 citado em Luna e Marinotti (2014), faz com que o indivíduo seja mais insensível às contingências. Para que o ocorra sensibilidade às mudanças, é importante que o sujeito tenha história de variação nas contingencias vividas e aprendidas.

A mudança social em que os relacionamentos se encontram vem favorecendo uma independência nas escolhas e certo desapego de compromissos, o que para alguns, pode ser considerado uma banalização das relações tradicionais, mas é isso mesmo: as mulheres apresentaram mais autonomia financeira, profissional, afetiva e sexual, as relações homossexuais e bissexuais foram assumidas. Uma liberdade de escolha está mais presente nessa sociedade. Então essa mudança social tem variado. É possível perceber um maior número de possibilidades de se relacionar e se viver uma relação saudável. Embora tudo isso aconteça e se modifique, ainda é possível encontrar mulheres e homens que vivam numa relação de dependência patológica.

Então, o quanto a ausência de variabilidade comportamental favorece um padrão dependente? É claro que cada indivíduo é único, cada caso é um caso, mas é possível verificar que pessoas que não aprenderam ao longo da vida a gostar e vivenciar outras coisas prazerosas na vida tem esse padrão dependente mais presente. Tendo como base a análise do comportamento, onde é entendido que comportamento é aprendido, podemos entender que esse é um padrão que muito provavelmente foi estabelecido na história de vida de cada um. Pessoas com padrões dependentes, provavelmente, não apreenderam a ser autônomas, independentes e a entrarem em contato com as contingencias da vida real ou, ainda, não precisaram de, alguma forma, variar o comportamento. De acordo com Abreu-Rodrigues (2005), os indivíduos variam somente o mínimo necessário para que seus comportamentos produzam o efeito que esperam.

Podemos supor também que são pessoas que tiveram seus comportamentos modelados por um padrão onde “fazer tudo pelo outro”, “amar é o mais importante numa relação”, “viver para outro” são regras que foram modeladas em seu comportamento. Se voltarmos um pouco ao passado, iremos entender que esse modelo social foi e continua muito presente. Dentro de um contexto histórico, servir aos homens, não trabalhar fora de casa para se dedicar somente aos afazeres domésticos, era papel da mulher em sociedades anteriores. Infelizmente, muitas mulheres ainda vivem nesse passado por terem aprendido que isso faz parte da vida das mulheres, portanto, é o mais certo a se fazer. Mas, será que as mulheres sequer sabiam o que queriam? Ou não tiveram oportunidade de saber do que gostavam e eram impedidas de entrar em contato com as contingencias e por consequência variar o comportamento. O tempo passou e muitos homens e mulheres ainda mantem em suas relações padrões como esses. A variabilidade comportamental é muito desejada quando envolve situações de resoluções de problemas. Em outras situações, o comportamento esperado é o comportamento preciso, exato, que vai depender da variável de controle e diante disso as vezes punido. (Abreu-Rodrigues, 2005).

Então podemos supor que ao promover um repertorio comportamental diverso, sobretudo original e criativo, estamos contribuindo para a ocorrência de processos adaptativos mais efetivos e eficazes. (Abreu-Rodrigues,2005). Dentro de um relacionamento é importante que essa habilidade apareça para manter a relação de uma forma saudável, como para solucionar problemas que acontecem na vida conjugal. Se o ambiente não apresentar essa demanda na variação, a tendência é seguirmos uma rotina quase aproximada de rituais e chegar ao sofrimento. Por isso, a dependência talvez tenha mesmo uma ligação direta com a ausência de repertório, por exemplo: uma pessoa que aprendeu apenas que se relacionar era o mais importante na vida, deixou de valorizar e viver outras contingências de reforço tão prazerosas quanto ter um parceiro, vive apenas essa dependência. Uma coisa não exclui a outra porque os prazeres na vida não são comparáveis.

O comportamento normalmente é variável, mas a variabilidade é controlada por contingencias de reforço. Uma vez que o ambiente é mutável, a existência de um repertorio comportamental variado sugere maiores chances de adaptação. Dessa forma, uma pessoa que numa relação encontra um equilíbrio entre várias áreas da vida, pouco provavelmente será um dependente afetivo, saberá que a vida é feita de muitas outras coisas prazerosas e importantes ou terá repertorio para no momento em que a relação entre nesse padrão, contorne e solucione uma situação como essa. Parece claro que quanto maior a diversidade de respostas selecionadas na história do indivíduo, maior a probabilidade de que venham a ser emitidas sob novas circunstâncias (Luna & Marinotti, 2014).

Referências bibliográficas:

Abreu-Rodrigues, J. (2005). Variabilidade comportamental. Em: J. Abreu-Rodrigues e M. R. Ribeiro (Orgs.). Análise do comportamento: pesquisa, teoria e aplicação (pp.189-210). Porto Alegre: Artmed.

Bastos A. C., Santos M. M, Canaan, S.([PC7] 2014). Atendimento Psicoterápico Comportamental de uma mulher adulta com comportamentos característicos de dependência afetiva. Comportamento em foco v 4 (pp. 91- 106)

Luna, S. V., & Marinotti, M.) Ensino da resolução de problemas: questões conceituais e metodológicas. Em E. Z. Tourinho e S. V. Luna (Orgs.). Em: Tourinho, E. Z. e Vasconcelos S. (Orgs). Análise do Comportamento: investigações históricas, conceituais e aplicadas (pp. 1993- 217).  Reimpresso. São Paulo: Roca.

Riso, W. (2013). Amar ou depender? Como superar a dependência afetiva e fazer do amor uma experiência plena e saudável. Porto Alegre: L&M.

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Escrito por Amona Lima

Graduada em psicologia pelo Centro Universitário de Brasilia - UniCEUB, Especialista em Análise do Comportamento pelo IBAC- Instituto Brasiliense de Análise do Comportamento e mestranda pelo Centro Universitario de Brasilia -UniCEUB. Atua no consultório realizando atendimentos de adultos e adolescentes, no formato de terapia de casal, família e também atua em projetos de grupos terapêuticos para dependentes afetivos. É também coordenadora Institucional da Atitude Cursos,

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