Considerações sobre a psicoterapia analítica funcional (FAP) para o seguimento excessivo de regras

Na literatura analítico-comportamental tem sido sugerido que intervenções por meio regras sejam evitadas no contexto clínico, e alguns dos argumentos nessa direção são de que ao fornecer regras para o cliente, o terapeuta não produz condições para que o indivíduo aprenda a solucionar seus problemas, possibilitando uma dependência do cliente com relação à terapia; de que o comportamento aprendido pela prescrição de uma regra tende a ser menos sensível às contingências, tornando mais difícil ao indivíduo adaptar-se às mudanças; de que o uso excessivo de regras pode produzir submissão ou baixa assertividade, visto que indivíduos com estes históricos tendem a aderir ou conformar-se com a opinião dos outros, aumentando a dificuldade de argumentar em seu favor e de discordar dos demais; e de que o terapeuta pode correr o risco de fornecer uma regra cujo reforço previsto para o seu seguimento não ocorrerá ou ocorrerá uma punição, e esta situação poderia enfraquecer o vínculo terapêutico. (Medeiros, 2010).

Visto estas questões, parece incongruente sugerir que regras sejam utilizadas para intervir em casos de seguimento excessivo de regras. De acordo com Meyer (2007), o comportamento de seguir excessivamente regras diz respeito a uma frequência alta na taxa de respostas de seguir regras e, por isso, pode ser entendido como “obsessivo, ansioso, dependente, insensível ou rígido” (p. 221). Desta forma, é esperado que intervenções terapêuticas evitem o seu uso, visando enfraquecer o controle de regras e aumentar o controle por contingências naturais.

Entretanto, Matos (2001) alerta que em alguns casos a exposição às contingências naturais não é suficiente para diminuir o controle por regras. Nestes casos, o que se verifica é um controle forte por contingências sociais, e é provável que o terapeuta se beneficie mais ao estruturar intervenções que possibilitem a mudança da regra do cliente. Assim, Meyer (2007) pontua que, para o seguimento excessivo de regras, o objetivo é aumentar a sensibilidade às contingências, e isso pode ser feito diminuindo o controle verbal ou alterando-o. Como estratégias, a autora sugere a terapia de aceitação e compromisso (ACT) e a psicoterapia analítica funcional (FAP), em que a primeira atuaria alterando o contexto em que as regras são criadas e mantidas (ao invés de buscar alterar a própria regra), e a segunda atuaria por meio do reforçamento natural de comportamentos-alvo (CRB2) ocorridos na sessão terapêutica.

Sobre a FAP, especificamente, consiste em um formato de psicoterapia analítico-comportamental voltada aos problemas de relacionamentos interpessoais. Neste modelo, o terapeuta analítico-comportamental deve atentar para os CRBs1 do cliente (comportamentos-problema que ocorrem em sessão terapêutica), os quais devem guardar semelhança funcional aos Os1 do cliente (comportamentos-problema que ocorrem no contexto extra consultório). A partir disso, o terapeuta deve abordar o CRB1 em sessão terapêutica, visando levar o cliente a perceber a equivalência funcional existente com o O1 e, principalmente, visando a modelagem dos CRBs2 (comportamentos-alvo apresentados em sessão terapêutica). (Kohlenberg & Tsai, 2006).

Uma terceira variável importante é a modelagem de CRB3 (quando o cliente descreve verbalmente as variáveis de uma contingência, sejam variáveis controladoras de CRB1 ou CRB2). Abreu, Hübner e Lucchese (2012), afirmam que os CRBs3 consistem em interpretações funcionais que o cliente faz sobre seus comportamentos, portanto, é uma resposta verbal que pode ser modelada pelo terapeuta por meio de reforçamento diferencial, na medida em que o cliente emite respostas verbais que se aproximam cada vez mais de interpretações funcionais sobre seu comportamento. Tais comportamentos-alvo, sobre os quais o cliente terá sua interpretação funcional modelada, estão em um continuum entre o CRB1 e o CRB2.

Portanto, a modelagem do CRB3 é importante porque permite ao cliente conscientizar-se das variáveis controladoras do seu comportamento e, principalmente, porque facilita a generalização dos CRBs2 para a vida cotidiana, aumentando a probabilidade de que o cliente emita Os2 (comportamentos-alvo que ocorrem no contexto extra consultório).

Abreu e colaboradores (2012) sugerem que um CRB3 é definido como estímulo especificador de contingência (CSS), pois aponta os três elementos de uma contingência e altera a função dos estímulos. Neste sentido, quando o terapeuta modela as emissões de CRB3 por parte do cliente, ele está ensinando a ele o repertório de identificar e descrever as variáveis relevantes que exercem controle sobre seus comportamentos. Assim, o cliente se torna capaz de formular CSS congruentes com as variáveis do ambiente extra consultório, facilitando a emissão de CRB2 e O2 diante dos estímulos especificados pelo CSS e, consequentemente, facilitando a ocorrência de reforçamento natural. Além disso, embora seja o terapeuta quem modele o CSS novo, é o cliente quem emite as respostas a serem reforçadas diferencialmente, assim, é ele quem chega ao CSS final, mesmo havendo o treino do terapeuta.

Deste modo, parece pertinente sugerir que o papel da FAP com o seguimento excessivo de regras possa ser tanto pelo reforçamento de CRB2 (Meyer, 2007), como também pela modelagem de CRB3, visto que os comportamentos prescritos por esses CSS novos (CRBs3) seriam sensíveis às contingências e, com isso, ocorreria uma diminuição do seguimento excessivo de regras.

Referências

Abreu, P. R.; Hübner, M. M. C.; & Lucchese, F. (2012). The role of shaping the client’s interpretations in functional analytic psychotherapy. The Analysis of Verbal Behavior, 28, 151-157.

Kohlenberg, R. J.; & Tsai, M. (2006). Cognições e crenças. In. R. J. Kohlenberg; M. Tsai. (Eds.), Psicoterapia analítica funcional: criando relações intensas e curativas. (pp. 107-136). Santo Andre: ESETec.

Matos, M. A. (2001). Comportamento governado por regras. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, 3, 51-66.

Medeiros, C. A. (2010). Comportamento Governado por regras na Clínica comportamental. In. A. K. C. R. De-Farias. (Eds.), Análise comportamental clínica: aspectos teóricos e estudos de caso. (pp. 95-111). Porto Alegre: Artmed.

Meyer, S. B. (2007). Regras e autorregras no laboratório e na clínica. In. J. Abreu-Rodrigues; M. R. Ribeiro. (Eds.), Análise do comportamento: pesquisa, teoria e aplicação. (pp. 211-228). Porto Alegre: Artmed.

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Escrito por Mônica Camoleze

Psicóloga (CRP 08/15023), graduada pela Universidade Positivo. Especialista em terapia analítico-comportamental pelo Instituto de Análise do Comportamento de Curitiba. Formação em psicoterapia analítica funcional e terapia de aceitação e compromisso pelo Instituto Continuum. Cursou terapia comportamental dialética, pelo Dialectica Psicoterapia Baseada em Evidências. Mestre em psicologia pela Universidade Federal do Paraná, com pesquisa sobre psicoterapia analítica funcional. Atua como psicóloga clínica em Curitiba, atendendo crianças, adolescentes, adultos e casais.

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