A dor de uma vida sem sentido

Não é a dor penetrante, viva, ocasional de se importar e às vezes perder, mas a dor maçante, sufocante e constante de não viver a vida de uma forma que é verdadeira para si mesmo (Hayes & Smith, 2005).

Se você tivesse que escolher entre uma vida totalmente livre de sofrimento, mas também desprovida de qualquer satisfação, ou uma vida rica, plena e cheia de significado, mas que não excluísse a possibilidade da dor, qual seria sua opção?

A resposta parece um tanto óbvia. Poucas pessoas conscientemente escolheriam uma vida insípida. Na prática, contudo, a maioria de nós já se encontrou, muitas vezes, bem distante da vida que gostaria de levar. Por que será que isso acontece?

Uma das razões é que nosso cérebro se desenvolveu na base do “seguro morreu de velho”. Em termos evolutivos, uma boa discriminação de perigos iminentes e a emissão de respostas de fuga diante dessas situações foram grandes trunfos que garantiram a sobrevivência de nossos ancestrais e, dessa forma, permitiram que eles deixassem descendentes (nós, por acaso!).

Assim, não é de se estranhar que nossas cabecinhas sejam tão povoadas por pensamentos negativos e imagens tenebrosas.

Imagine dois homens da caverna, Nean e Derthal, observando uma árvore cheia de amoras maduras à distância.

Nean propõe:

– Veja, Derthal! Vamos apanhar aquelas amoras!

Derthal retruca:

louco, Nean? Nessa escuridão? Pode ter um urso escondido lá atrás.

Nean insiste:

– Deixa de ser pessimista, cara!

E corre destemidamente em direção às frutinhas, enquanto seu amigo escolhe não arriscar. Supondo que Nean estivesse certo, no máximo, Derthal teria perdido o banquete e precisado esperar um pouco mais para comer. Mas se as previsões pessimistas de Derthal estivessem corretas, quem teria levado mais vantagem?

Como essa lógica pessimista salvou muitas peles, nós vivemos sob o lema de que é melhor estar seguro do que se arrepender depois. E assim vamos levando vidas protegidas, elaborando planos cada vez mais complexos para não ter que enfrentar nenhum tipo de aborrecimento. É claro que essa habilidade fantástica do ser humano de se organizar, produzir soluções e promover melhorias ao seu redor produziu um progresso admirável, além de ter nos colocado em posição bem mais confortável do que a dos outros animais. Mas será que conseguimos ficar totalmente livres de problemas? É possível controlar perfeitamente o ambiente à nossa volta?

Na realidade, não. Se pararmos para pensar, a vida é repleta de situações incontroláveis. Há coisas que não podemos evitar: todos nós estamos sujeitos a ver pessoas que amamos morrerem, isso se não morrermos antes delas. Por mais que sejamos cuidadosos, acidentes acontecem. Podemos ficar doentes a qualquer instante. De um resfriado leve a doenças mais graves, por mais que tomemos precauções, não passaremos por esta vida imunes a algum grau de desconforto. Faz parte da existência humana experimentar emoções, sentimentos ou sensações que preferiríamos não conhecer.

Fugir ou evitar desconfortos não é, em si, uma coisa ruim. É evidente que não foram somente nossos antepassados das cavernas que se beneficiaram desses mecanismos. Há inúmeras situações em que essa é a melhor atitude a se tomar. O problema é quando nosso repertório passa a ser tão dominado por respostas de fuga ou de esquiva, que não nos sobram recursos para lutar por uma vida melhor.

Vamos pensar em termos de contingências de reforço: quando nossos comportamentos são mantidos por reforçamento positivo, o produto final é a obtenção de reforçadores positivos. No caso dos comportamentos de fuga/esquiva, em que um esquema de reforçamento negativo está atuando, o produto final é somente a remoção, adiamento ou evitação do um estímulo aversivo. Posto de forma bem simples, não sofremos o “choque”, mas nada nos é acrescentado. Ou, nas palavras de Sidman (2011):

No reforçamento positivo, a ação de uma pessoa é seguida pela adição, produção ou aparecimento de algo novo, algo que não estava lá antes do ato. No reforçamento negativo, uma ação subtrai, remove ou elimina algo, fazendo com que alguma condição ou coisa que estava lá antes do ato desaparecesse (p. 55).

O problema é maior quando as respostas de fuga/esquiva são dirigidas àquilo que ocorre sob nossa pele. Estudos demonstram que a tentativa de controlar e/ou de evitar as emoções, além de não funcionar, acaba intensificando-as (Hayes, 1996). Muitos psicólogos consideram que a tentativa constante e ativa de controlar experiências privadas indesejadas está na raiz de muitos transtornos psicológicos.

Vejamos, por exemplo, o que acontece com a ansiedade. Como a maioria dos organismos, nós tendemos a evitar coisas perigosas. De acordo com a Teoria das Molduras Relacionais (RFT), as relações verbais são bidirecionais, então se evitamos algo, tendemos a derivar a relação de que aquilo é perigoso. Desse modo, o ato de evitar a ansiedade pode ajudar a defini-la como mais perigosa, colocando-a em uma moldura de coordenação com coisas perigosas. Como a ansiedade é o que nós sentimos quando estamos próximos de algo perigoso, ansiedade torna-se equivalente a coisas perigosas e, assim, ficamos ansiosos em relação à nossa própria ansiedade! Para completar, a regra “não sinta X”, inclui “X”. Cada vez que tentamos evitar “X”, estamos evocando “X” mais uma vez. E assim, cria-se um círculo vicioso do qual é difícil de sair, podendo inclusive culminar em um Transtorno do Pânico.

Para Ferster (1973), a dominância de um repertório de fuga/esquiva e a consequente perda de reforçadores estão na base da depressão:

A pessoa deprimida se engaja em uma alta frequência de esquiva e fuga de estímulos aversivos, usualmente na forma de reclamações ou pedidos de ajuda, junto com uma frequência reduzida de comportamentos positivamente reforçados (p. 858).

Sidman (2011) explica a lógica subjacente de maneira bastante clara:

Uma pessoa que é amplamente mantida por reforçamento positivo, frequentemente produzindo ‘coisas boas’, sentirá a vida de maneira muito distinta da de uma pessoa que está em contato mais frequentemente com reforçamento negativo, tendo constantemente de fugir ou evitar ‘coisas ruins’ (p. 57).

Quanto menos operamos sobre o mundo à nossa volta, menos reforçadores positivos produzimos. De repente, nos vemos envoltos no vazio. A dor do nada é muito grande, é assustadora. Precisamos evitá-la. Então, encontramos saídas que nos aliviam, mas nos deixam cada vez mais distantes das coisas que poderiam nos fazer voltar a sorrir. Quando percebemos, estamos presos numa teia que consome todas as nossas forças numa luta interminável. É como se estivéssemos enxugando gelo. E assim, vamos nos exaurindo e nos afastando cada vez mais do que poderia resgatar o sentido de nossas vidas.

Skinner (1971) define a liberdade como produto de certas contingências de reforçamento. Sob controle aversivo, sentimo-nos escravos. Quando nossos comportamentos são mantidos por controle apetitivo, exp
erimentamos a sensação de liberdade. Em termos mais leigos, quando nossas ações geram reforçadores positivos, sentimos que estamos indo em direção ao que é importante para nós, que estamos escolhendo o nosso rumo.

Por essa razão, a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) foca tanto na clareza de valores. Nessa abordagem, valores são entendidos como direções de vida escolhidas livremente. Podemos tentar atribuir uma série de justificativas racionais para seguir um caminho, mas não existe melhor guia para saber se estamos indo na direção certa do que a sensação de plenitude que experimentamos em alguns momentos de nossa vida, quando estamos conectados com aquilo que realmente importa para nós.

É importante ressaltar que viver uma vida plena não significa se sentir bem o tempo todo. Nenhuma jornada será feita somente de flores. Só não experimenta nada desagradável quem já morreu! Estar vivo pressupõe vivenciar sentimentos diversos: alguns bons, outros ruins ou mesmo neutros. Ser capazes de experimentar emoções, sentimentos ou sensações é um sinal de que estamos vivos.

A partir do desenvolvimento de habilidades de aceitação e desfusão, podemos estar diante do que surge, com flexibilidade para escolher persistir ou mudar de comportamento, guiados por nossos valores. Desse modo, é possível decidir conscientemente o rumo que queremos tomar e responder com mais convicção à pergunta do primeiro parágrafo.

E você? Já escolheu que tipo de vida quer levar?

Referências:

Ferster, C.B. (1973) A Functional Analysis of Depression. American Psychologist, 857-870.

Haves, S.C et al. (1996). Experiential Avoidance and Behavioral Disorders: A Functional Dimensional Approach to Diagnosis and Treatment. Journal of Consulting and Clinical Psychology, Vol. 64 No. 6, 1152-1168.

Sidman, M. (2011). Coerção e suas implicações. Ed. Livro Pleno.

Skinner, B.F. (1971). Beyond Freedom and Dignity. Hackett Publishing Company, Inc.

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Escrito por Mônica Valentim

Graduação em Psicologia pela UNESP Bauru (1996), mestrado em Psicologia Experimental - USP (2001) e doutorado pela Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP (2006). Participou de diversos treinamentos em Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), Teoria das Molduras Relacionais (RFT) e Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) no Brasil e no exterior com Steven Hayes, Kirk Strosahl, Kelly Wilson, Benjamin Schoendorff, Matthieu Villatte, Mavis Tsai, Robert Kohlenberg, entre outros.
Foi professora da Universidade do Sagrado Coração e UNESP, em Bauru (SP), e da Laureate/IBMR, no Rio de Janeiro (RJ). É supervisora clínica no Paradigma - São Paulo (SP).

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