Depressão: algumas considerações sobre o diagnóstico

Sabe aquele dia em que você acorda de mau humor, sem vontade de fazer nada, nem mesmo as coisas que você adora fazer, querendo ficar na cama o dia todo, desanimado, triste, com vontade de chorar, sem esperanças, não acha graça em nada, se sentindo feio, incapaz, angustiado, não consegue se concentrar ou se decidir, não quer sair de casa e muito menos ver ninguém? Não sabe? Que bom! Então de acordo com o DSM você não está sofrendo de depressão. O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM) é um instrumento que lista diferentes categorias de transtornos mentais e critérios para diagnosticá-los, e é utilizado por profissionais da área da Saúde Mental. De acordo com esse Manual, o indivíduo que apresenta esses (dentre outros que não foram citados) “sintomas” em média por mais de duas semanas, pode ser diagnosticado com depressão. Quase todos os itens listados podem ser observados em uma pessoa considerada deprimida, mas podem ser também observados, vez por outra, em uma pessoa não deprimida. O que distingue uma pessoa de outra é a frequência dos comportamentos em relação ao seu repertório total. (Ferster, 1977).

No entanto, não podemos reduzir um fenômeno tão complexo como a depressão a apenas uma lista de sintomas. Então, o que os profissionais da área podem fazer para diagnosticar? “Uma equipe de pesquisadores da Áustria descobriu uma forma de diagnosticar depressão em pacientes por meio de um exame sanguíneo – eliminando assim a necessidade das longas entrevistas para saber se a pessoa realmente sofre da doença.”(http://gizmodo.uol.com.br/cientistas-descobrem-metodo-para-diagnosticar-depressao-a-partir-de-exame-sanguineo/). Não se sabe se essa frase descrita na reportagem é uma releitura da opinião dos pesquisadores ou se é somente uma forma que o autor da matéria utilizou para expor a informação. De qualquer forma, a frase leva a entender que existe uma certa pressa em obter dados sobre a depressão e que esse procedimento pode acelerar o processo diagnóstico. É certo que as transformações tecnológicas estão modificando diversas maneiras de lidar com a saúde/doença humana, e isso com certeza oferece grandes benefícios, principalmente em relação à agilidade. Mas, no caso da depressão especificamente, será que não correm o risco de negligenciar processos importantes para o diagnóstico, como as “longas” entrevistas utilizadas pela Psicologia (dentre outras técnicas)?

Para a Análise do Comportamento a depressão está relacionada a uma redução generalizada no repertório comportamental do indivíduo e na sua responsividade ao ambiente (Cavalcante, 1997). “Como o conceito comportamentalista de depressão define os comportamentos da pessoa deprimida funcionalmente e não topograficamente, o dado mais importante é frequência” (Ferster, Culbertson & Perrot-Boren, 1977, p. 707). O tipo de informação fornecida pelo cliente que se queixa de depressão é extremamente relevante tanto para o diagnóstico quanto para a intervenção e não é encontrado no sangue, mas por meio de um processo terapêutico que inclui “longas” entrevistas com objetivos bem definidos. Além disso, a depender do tipo de contingência teremos um quadro diferente para cada indivíduo. A função do comportamento em questão pode ser completamente diferente para pessoas com o mesmo diagnóstico, pois, cada organismo possui uma história específica em três níveis de seleção que é exposto a inúmeras possíveis combinações de contextos aversivos.

Em outras palavras, uma pessoa com depressão possivelmente apresentará um baixo nível de serotonina encontrado no sangue e também apresentará os sintomas clássicos estabelecidos pelo DSM, mas um diagnóstico preciso não pode se limitar a isso, principalmente porque as “causas” da condição de saúde de uma pessoa são diferentes das “causas” de uma outra pessoa com o mesmo diagnóstico. Talvez sua depressão se manifeste mais em alguns dias, em algumas situações, com algumas pessoas, e talvez até ela se sinta feliz em alguns outros momentos, com algumas pessoas e fazendo algumas coisas. 


Embora estas classificações possam ser utilizadas como forma de diálogo com outras áreas, a Análise do Comportamento não se utiliza de um sistema nosológico de classificação. O procedimento utilizado pelo Analista do Comportamento para identificar o que deve ser tratado na clínica e dar forma ao caso é a análise funcional (Meyer, 2003; Torós, 1997) ou análise de contingências (Ulian, 2007).

A análise funcional em Análise do Comportamento é a identificação de relações de dependência entre eventos ambientais e ações do organismo. Essas relações devem ser descritas em termos de antecedentes (ocasião em que a resposta ocorre), resposta e consequentes (mudanças no ambiente) (Meyer, 2003). Nesse sentido, o objetivo maior é ajudar a pessoa com depressão a identificar e compreender o comportamento, propondo intervenções que possam levar o cliente a realizar algumas mudanças e novas formas de se comportar em seu ambiente (Ulian, 2007).

De acordo com Ferster, Culbertson & Perrot-Boren (1977) “Seja qual for o substrato do repertório de uma pessoa deprimida, sempre é preciso saber qual é a relação funcional entre o comportamento e o ambiente que serve de ocasião, que modela e que mantém a depressão. O comportamento é, com frequência, uma função de muitas variáveis. Portanto, comer (por exemplo) é evidentemente reforçado pelo gosto e pela ingestão da comida, mas também é uma função e acontece em presença (controle pelo estímulo) de outras condições, como por exemplo, de atividades sociais (denominadas suporte colateral). Às vezes, a frequência reduzida do comportamento não significa que o comportamento não seja mais reforçado, mas quer dizer que as condições colaterais que ocasionam o comportamento não são mais eficazes” (p. 709).

É possível entender a possibilidade do diagnóstico da depressão por meio de um teste sanguíneo ou uma lista de sintomas, mas estas possibilidades não devem ser analisadas isoladamente. É necessária uma investigação mais minuciosa após esses processos, pois essas técnicas embora mais rápidas, também podem ser falhas ou tendenciosas. Não necessariamente a baixa de serotonina pode estar relacionada à depressão. Não necessariamente os sintomas listados pelo DSM são compatíveis com os apresentados em ambiente natural em termos de frequência e intensidade em relação aos contextos específicos nos quais eles ocorrem. Até porque a produção de serotonina está intimamente ligada também a fatores ambientais, visto que é por meio das relações entre os eventos do ambiente (S) e o organismo (R) que essa substância pode ser liberada, seja por meio de atividade física e alimentação (um certo número de alimentos, como banana, tomate, chocolate são ricos no precursor da serotonina, o triptofano) por exemplo ou até mesmo no uso de medicações. Uma relação significativa com o ambiente pode permitir um maior acesso a reforçadores positivos e consequentemente a liberação de serotonina no organismo. De acordo com Valim (2013) estudos com animais e com humanos comprovam que atividade física, pode influenciar vários mecanismos fisiopatológicos, aumentando os níveis periféricos de beta-endorfina, influenciando o sistema serotoninérgico a aumentar a atividade simpática que por consequência melhora o sono e promovem uma sensação de bem-estar. 

Com o avanço das neurociências, os cientistas começaram a descobrir e diferenciar as áreas cerebrais e substâncias químicas que interferem em diferentes respostas, o que tem influenciado o reducionismo biológico, isto é, faz algumas pessoas acreditarem que todo comportamento (ou transtorno) tem origem cerebral ou biológica. É possível que o teste sanguíneo acelere o processo de diagnóstico da depressão, no entanto de maneira alguma pode substituir ou invalidar o processo terapêutico utilizado nas entrevistas de Psicologia, que foram mencionadas na matéria como longas. Desconsiderar esse procedimento da Psicologia seria um retrocesso e não um avanço. Embora a composição sanguínea seja parte essencial para o indivíduo, ela não é a causa do comportamento, é apenas parte do corpo. E parte do corpo não determina comportamento. Podemos esperar muitos avanços que podem contribuir para uma melhor qualidade de vida dos seres humanos, mas é importante saber como estes serão usados. O ideal seria que uma técnica complementasse a outra e caminhassem juntas para o bem do cliente.


Nota: Na tirinha ilustrativa (segunda foto), entende-se por “doenças normais” outros problemas relacionados à saúde do indivíduo, visto que o conceito de normalidade para a Análise do Comportamento é diferente. 



Referências:
Cavalcante, S. N. (1997). Notas sobre o fenômeno depressão a partir de uma perspectiva analítico-comportamental. Psicologia Ciência e Profissão, 17(2), 2-12.
Cientistas descobrem método para diagnosticar depressão a partir de exame sanguíneo. [online] Disponível: http://gizmodo.uol.com.br/cientistas-descobrem-metodo-para-diagnosticar-depressao-a-partir-de-exame-sanguineo/. [Acesso em: 30-05-2014].
Ferster, C. B . (1977). Depressão clínica. Em C. B. Ferster, S. Culbertson & M. C. Perrot-Boren, Princípios do comportamento (pp. 699-725). São Paulo: Hucitec.
Hunziker, M. H. L. (2005). O desamparo aprendido revisitado: estudos com animais.  Psicologia: Teoria e Pesquisa, 21, 131-139.
Meyer, S. B. (2003). Análise funcional do comportamento. In: Costa, C. E; Luzia, J. C.; Sant’Anna, H. H. N. Primeiros Passos em Análise do Comportamento e Cognição. Santo André, ESETec, pp. 75-91.
Torós, D. (1997). O que é diagnóstico comportamental. In: Delitti, M. Sobre Comportamento e Cognição, vol. 2. Santo André, ESETec, pp. 98-103.
Ulian, A. L. A. de O. (2007). Uma sistematização da prática do terapeuta analítico-comportamental: subsídios para a formação. Tese de doutorado apresentada ao Instituto de Psicologia da USP. São Paulo.
Valim, V. et al. (2013). Efeitos do exercício físico sobre os níveis séricos de serotonina e seu metabólito na fibromialgia: um estudo piloto randomizado. Rev. Bras. Reumatol. [online]. vol.53, n.6, pp. 538-541. ISSN 
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Escrito por Débora Dias

Mestre em Análise do Comportamento pela Universidade Estadual de Londrina. Especialista em Recursos Humanos pelo Centro Universitário Filadélfia de Londrina. Graduada em Psicologia pela Universidade Estadual de Londrina. Experiência profissional na área Clínica (atendimento psicoterapêutico de crianças e adultos), Acadêmica e Recursos Humanos. Atua no momento no IPAC - Instituto de Psicologia e Análise do Comportamento (Londrina) e na UNOPAR - Universidade Norte do Paraná (Londrina).

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