Autismo e Inclusão Escolar: A visão da Análise do Comportamento

No último artigo apresentei e discuti algumas importantes leis brasileiras que regem a educação especial, afinal, estas leis são o nosso ponto de partida e nossa sustentação para conseguirmos a inclusão escolar que sonhamos e que nossas crianças merecem. Agora, dando continuidade a esta sequência de artigos sobre inclusão escolar, vou falar um pouco sobre a visão de educação e de inclusão da Análise do Comportamento.
No livro The technology of teaching (A Tecnologia do Ensino), Skinner (1968) definiu a educação da seguinte forma: “O ensino é um arranjo de contingências sob as quais o aluno aprende”. Esta seria a tradução da palavra educação ou ensino para a linguagem comportamental. Então, ensinar nada mais é do que manipular variáveis ambientais (antecedentes e consequentes) de modo a criar a contingência ideal para o aprendizado do aluno.
No mesmo livro, Skinner (1968) afirma que: “formas específicas de comportamento devem ser evocadas e, através de reforço diferencial, postas sob o controle de estímulos específicos”. Neste trecho, o autor enfatiza a manipulação de variáveis antecedentes, que vão evocar respostas específicas; e a manipulação de variáveis consequentes (reforço diferencial), que vão controlar e manter a frequência das respostas desejadas. 
Esta seria a contingência de ensino especialmente planejada para o aprendizado, ou seja, o ensino que se dá em sala de aula, na relação professor-aluno. Esta contingência de ensino deve complementar o “ensino incidental”, ou seja, aquele que se dá em ambiente natural, sem controle de variáveis. Sabemos que o aluno não aprende só na sala de aula e nem só na relação com o professor. Este aprendizado mais sistemático precisa ser complementado pelo aprendizado que se dá fora dos muros da escola, na vida cotidiana da criança, na relação com familiares e amigos, nas experiências vividas por ela.
Tendo como base esta visão de educação da Análise do Comportamento, quais seriam as características do educador que pretende atuar dentro desta abordagem? Uma importante característica do educador analista do comportamento consiste no uso de reforçadores positivos artificiais para instalar, manter e aumentar a frequência de respostas adequadas, ou seja, o educador precisa consequenciar as respostas adequadas com objetos e atividades do interesse do aluno, bem como com elogios. 
Entretanto, nem tudo que reforça respostas de crianças com desenvolvimento típico é capaz de reforçar respostas de crianças com autismo. Na educação infantil o elogio, a estrelinha que o professor desenha no caderno, a exposição da tarefa feita, enfim, consequências sociais como estas são extremamente eficazes na manutenção do comportamento dos alunos com desenvolvimento típico. Porém, crianças autistas apresentam déficits nas habilidades sociais e, por isso, podem não notar o reconhecimento do outro e não se comportar para ganhar este reconhecimento. Neste caso, os reforçadores puramente sociais são totalmente ineficazes. Por isso, é importante garantir um reforçamento mais concreto e até “estranho” ao contexto escolar, pelo menos no início do processo de educação. Com autistas costumamos usar brinquedos, vídeos, música, materiais sensoriais, tecnologia (tablets, computadores), etc. Vale lembrar que é fundamental sempre parear estes reforçadores com outros mais adequados ao contexto escolar, como: livros, atividades de pintar, jogos acadêmicos, etc. Assim, aos poucos, vamos conseguindo abrir mão de reforçadores tão descontextualizados para usar outros que ficam mais camuflados no contexto escolar.
Também é fundamental que o educador não deixe de tomar as medidas necessárias para tornar a aprendizagem auto reforçadora, isto é, mantida por reforçamento natural (consequências produzidas diretamente pela resposta). Quais seriam os reforçadores naturais das respostas envolvidas no comportamento de estudar? O principal reforço natural é aprender, estudar para ganhar conhecimento, saber mais sobre algo. Não é fácil chegar neste ponto, e eu nem estou falando de desenvolvimento atípico! O aluno com desenvolvimento típico passa muitos anos estudando sob controle de reforçadores artificiais, tanto positivos (notas, presentes e viagens oferecidas pelos pais, passar de ano, elogios, etc.) quanto negativos (fuga de broncas, ameaças e castigos colocados pelos pais e pela escola, etc.). Porém, na maior parte dos casos, estes reforçadores também estão associados ao aprender, saber mais e usar o que aprendeu para conseguir executar uma tarefa cotidiana melhor. Com isso, as respostas dos alunos vão passando a ficar sob controle de tais consequências naturais. E, aí, pode ser que lá na faculdade (para muitos só na pós-graduação…) o aluno passe a estudar pelo prazer de aprender ou porque precisa daquele conhecimento.
Se é difícil assim para os alunos com desenvolvimento típico, imaginem para os autistas ou alunos com outros transtornos do desenvolvimento. Por isso, o educador precisa garantir que os reforçadores artificiais estarão sendo sempre pareados com reforçadores naturais. Uma das forma mais importantes de fazer isso é dar ao aluno oportunidades de usar o que aprendeu, afinal estas experiências vão tornar o aprendizado úteis por si mesmos e não porque geram consequências artificiais. Além disso, é preciso garantir a motivação durante o processo de ensino, o aprendizado tem que ser divertido, lúdico e composto de temas e assuntos de interesse do aluno. Só assim o aluno pode vir a aprender a gostar de aprender.
O reforço positivo deve ser sempre imediato e o educador deve ajudar o aluno a perceber qual resposta adequada foi reforçada e que caminho levou a esta resposta. Este feedback imediato enfatiza e destaca respostas eficazes no processo de aprendizagem e que, por isso, devem ser repetidas sempre para gerar mais aprendizado.
É bastante complicado garantir o aprendizado baseado apenas no reforçamento positivo, já que um dos maiores e mais antigos vícios da educação é justamente o oposto. As escolas têm se fundamentado nas contingências coercitivas, que levam o aluno a emitir os respostas desejadas por fuga ou esquiva de consequências aversivas. Infelizmente, é muito comum alunos que estudam, fazem as lições de casa e comparecem às aulas apenas para se livrarem de broncas, castigos ou para acabar logo com a demanda chata e difícil, afinal, são estas as práticas de controle comportamental aplicadas por grande parte das escolas. A pesquisa em Análise do Comportamento tem mostrado que este controle aversivo, apesar de diminuir ou até eliminar os respostas inadequadas, pelo menos temporariamente, gera muitos efeitos colaterais indesejados. O aluno que responde sob controle coercitivo desenvolve desgosto pelos estudos e pela escola e, sempre que pode, dá um jeito de burlar as regras para evitar o contato com a demanda (contra controle). Por estas e outras razões, o educador analista do comportamento deve evitar este tipo de controle do responder do aluno.
O educador analista do comportamento deve, ainda, levar o aluno a compor suas respostas passando por todos os passos (pré-requisitos) necessários para compor um comportamento complexo. Antes de avançar o aluno precisa ser apresentado para aquele ponto do conteúdo repetidas vezes, até compreender tudo sobre ele. Esta exigência de domínio pleno de pré-requisitos garante um aprendizado sólido, bem sustentado, e evita dificuldades futuras que comumente ocorrem por falta de aquisição de habilidades básicas. Para isso, os conteúdos devem ser apresentados numa ordem hierárquica, ou seja, do mais simples para o mais complexo.
Outro cuidado importante deve ser o de manter o comportamento adquirido a cada estágio novo. Isto é, o educador precisa fazer revisões de conteúdos já ensinados e, principalmente, estimular a generalização destas habilidades aprendidas para contextos mais funcionais e naturais, onde o aluno pode usar o que aprendeu. Nos casos de alunos com autismo esta preocupação com a generalização é um pouco mais trabalhosa, já que estas crianças apresentam uma dificuldade a mais em generalizar respostas aprendidas para outros contextos, outros estímulos e outras pessoas. Por isso, o educador precisa estar sempre em sintonia com a equipe terapêutica que atua com a criança em contexto individualizado, para conseguir levar para a sala de aula estímulos semelhantes aos usados nas terapias, o que facilita a generalização. O oposto também deve ser garantido, ou seja, os familiares e demais membros da equipe devem estimular que as habilidades adquiridas na escola sejam emitidas nos demais contextos, sempre dando uma função a elas.
Pensando principalmente na educação especial, o educador precisa expor o aluno apenas a um material para o qual ele está preparado. Logo, o material deve ser adaptado para a aprendizagem daquele aluno particular. O contato com um material muito complexo para o nível de desenvolvimento do aluno já pode gerar uma desmotivação e até fuga da demanda. Já o contato com um material adequado às capacidades do aluno e, ainda, repleto de imagens e temas do interesse do aluno, gera uma motivação inicial fundamental para a aprendizagem.
O educador analista do comportamento deve garantir o monitoramento constante e contínuo do desempenho do aluno, de modo a avaliar se os procedimentos de ensino escolhidos estão ajudando o aluno a progredir ou se devem ser modificados. Para a Análise do Comportamento, o motivo do “não aprender” não está no aluno, isto é, não é “culpa” dele, mas sim nos procedimentos de ensino apresentados, estes é que não devem estar adequados a este aluno. Então, o educador deve estar sempre fazendo uma auto avaliação de sua atuação e dos procedimentos selecionados para cada aluno e, quando necessário, o educador deve modificar tais procedimentos até conseguir um resultado melhor.
Também espera-se do educador a programação de uma aprendizagem sem erros. Afinal, errar não ajuda a aprender, só atrapalha. Quanto mais erra mais desmotivado o aluno fica e menos vontade de cumprir as tarefas educativas ele tem. Se considerarmos crianças com dificuldades de aprendizagem, como é o caso dos autistas, isso é ainda mais grave, afinal, muito antes de serem expostos ao contexto educacional, estas crianças já passaram por muitas experiências de fracasso, de não saber, de não conseguir. Então, espera-se que o educador saiba planejar um contexto de ensino onde a criança tenha sempre sucesso, o que vai garantir motivação e gosto pelo aprendizado. Para isso, o educador precisa começar exigindo respostas fáceis e aumentar a complexidade gradualmente, além de começar o ensino de um novo conteúdo dando muitas dicas e ajudas, que vão sendo retiradas gradualmente.
Finalmente, uma importante característica do educador analista do comportamento é a de comparar cada aluno só com ele mesmo. Afinal, dentro dos preceitos da Análise do Comportamento, cada indivíduo é único, pois 1) é dotado de uma herança genética única (a não ser em casos de gêmeos monozigóticos); 2) viveu até então uma história de vida completamente particular (mesmo em casa de gêmeos monozigóticos); e 3) vive numa cultura específica. Esta tríplice determinação faz de cada indivíduo um ser único e que, por isso, estabelece uma relação particular com as contingências apresentadas. Então, não faz sentido comparar os alunos entre si, devemos comparar o aluno hoje apenas com ele mesmo há 1 ou 2 anos atrás e, assim, avaliar a sua evolução no processo de aprendizagem. Como vimos no último artigo desta coluna, as leis brasileiras também visam a uma educação mais individualizada e especializada, principalmente no caso da educação especial. A visão individualizada do homem pregada pela Análise do Comportamento segue no mesmo caminho ditado por nossas leis.
Tendo em vista esta abordagem individualizada do aluno, o processo de inclusão escolar é visto pela Análise do Comportamento de uma forma muito diferente do senso comum. Incluir significa inserir alguém em um grupo. Assim, na visão de educação da Análise do Comportamento nem faria sentido falar em inclusão, uma vez que cada indivíduo é único, seu programa de ensino só pode ser efetivo se for individualizado e avaliado constantemente tendo o próprio aluno como referência. Então, se não há o plano de uma educação coletiva não tem porque se falar em inclusão. Uma escola baseada nos princípios comportamentais não precisaria de nenhuma adaptação para receber qualquer tipo de deficiência já que todo material deveria ser adaptado para cada aluno.
A estrutura educacional que vigora no Brasil, ou seja, diferentes alunos submetidos aos mesmos procedimentos e atividades de ensino, tende a manter (e até a acentuar) diferenças produzidas pelas desigualdades entre os alunos, sejam quais forem as razões delas (síndromes, transtornos, classe social, cultura, pais divorciados ou unidos, etc.). Tratar todos como igual é enfatizar as diferenças. É muito comum ouvirmos de escolas frases clássicas como “Aqui nós fazemos inclusão, tratamos todos igual…”. Como assim? Como uma escola pode tratar todos os alunos igual se um é diferente do outro? Um autista merece e deve ser tratado como um autista, ele precisa de pistas visuais nas aulas, precisa de mais intervalos, tem uma rotina diferente. Um aluno com deficiência visual precisa de material em braile, precisa de provas orais e brincadeiras diferentes no recreio. Um aluno cadeirante precisa de rampas e atividades adaptadas na educação física. 
Se a educação fosse baseada na Análise do Comportamento, não precisaríamos de leis que obrigam a incluir, porque teríamos escolas que assumem, na sua essência, a diferença entre seus alunos e a individualidade de cada um. Esta escola, baseada nos princípios da Análise do Comportamento, com olhar totalmente individualizado, ainda é uma utopia. Pode até acontecer em casos isolados, mas ainda resulta em escolas muito caras e que conseguem atuar apenas com poucas crianças por sala. 
Enquanto não atingimos este objetivo, vamos adaptando o contexto escolar coletivo que temos hoje, manipulando variáveis ambientais para que, pelo menos, o olhar do professor seja o mais individualizado possível. As estratégias para isso e o passo a passo da inclusão serão temas do próximo artigo desta coluna.

Referência Bibliográfica:

Skinner, B. F. (1968). The technology of teaching. New York: Appleton-Century-Crofts.
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Escrito por Juliana Fialho

Graduada em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo no ano de 2006. Mestre em Psicologia Experimental: Análise do Comportamento pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (Dissertação defendida em maio de 2009). Trabalha como psicóloga na Gradual (Grupo de Intervenção Comportamental), onde lida principalmente com crianças e adolescentes com desenvolvimento atípico. Tem experiência em Análise do Comportamento Aplicada. Já desenvolveu pesquisas de Iniciação Científica, Conclusão de Curso e Mestrado nos seguintes temas: desenvolvimento atípico, avaliação de repertório inicial, intervenção comportamental, comunicação funcional e alternativa e variabilidade comportamental.

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