“Mudar dá trabalho” – Algumas Considerações Sobre Mudanças Comportamentais.

Com certa freqüência as pessoas procuram psicoterapia em busca de mudanças, algumas vezes relacionadas a elas mesmas ou ao seu ambiente, tais como: “quero me sentir amada(o); não consigo esquecer meu(minha) ex-namorado(a); me sinto gorda(o), brigo demais com minha(meu) esposa(o); preciso parar de usar drogas; não aguento mais o meu emprego etc.” Enfim, as queixas e procura por mudanças são diversas e geralmente relacionadas a situações aversivas, mas obviamente podem variar de pessoa para pessoa –“cada caso é um caso”. No entanto, nem sempre a procura por terapia e a espera por mudanças, implica na disposição em se envolver nesse processo. Geralmente as pessoas pouco se empenham em descobrir as possíveis relações entre seus comportamentos e seu ambiente.“Mesmo que a vida não lhes seja favorável, tendem a não relacionar as dificuldades cotidianas com seu comportamento e buscam soluções mágicas para suas dificuldades” (Guilhardi, 1998, p. 6).
“Mudar de casa” pode ser usado como uma metáfora para mudanças comportamentais. Embora algumas pessoas gostem de mudar e em algumas situações a necessidade seja tanta que torna a situação agradável, mudar de casa dá trabalho – cansa, requer tempo pra organizar os pertences, procurar outro lugar para morar etc. E muitas vezes nesses momentos é possível perceber quantas coisas foram mantidas, seja por esquecimento, comodismo ou por falta de coragem de “se desfazer”. O apego pode dar a sensação de posse ou vice-versa. Mas nesses momentos é preciso questionar o quão necessárias são todas essas coisas. Afinal, estão ali ocupando espaço. Um sapato que não serve mais, aquela bicicleta parada na garagem, uma roupa que já não combina ou qualquer outra coisa que não está sendo útil, mas que ainda assim é mantida. Será que precisamos de tudo que acumulamos para viver?
Com alguns comportamentos não é diferente. Obviamente cada pessoa possui singularidades de acordo com sua história e responde sob controle de diferentes variáveis. Mas de qualquer forma, o conceito de mudança pressupõe condições que podem ser generalizadas, assim como mudar de casa. O indivíduo vai mudar a maneira de se relacionar com o mundo, ou seja, padrões comportamentais. Assim, outras variáveis vão fazer parte do contexto durante e após a mudança. Mudanças fazem parte da vida, mas mudar pode significar perdas. Perder o que se tem para apostar em algo novo, deixar de se comportar de determinada maneira e aprender comportamentos diferentes dos comportamentos considerados ineficazes e prejudiciais. A maneira como um indivíduo se comporta, embora traga prejuízos, são respostas que passaram por uma história e que produziram mudanças ambientais (consequências reforçadoras) e possivelmente ainda são mantidas por consequências (não necessariamente as mesmas da história), por isso podem ser tão difíceis de “se desfazer”. De acordo com Millenson (1975) as consequências reforçadoras podem ocorrer pela produção de estímulos (reforçamento positivo) e pela remoção de estímulos (reforçamento negativo).
Geralmente as pessoas tendem a evitar situações aversivas e seus comportamentos de fuga ou esquiva podem ser reforçados negativamente. Por exemplo, se o emprego está desagradável, não vai trabalhar; se o namoro não vai bem, inventa algumas desculpas para não encontrar o(a) namorado(a); se as amizades não são suficientes, prefere ficar em casa para não encontrar os amigos. Embora esses comportamentos sejam reforçados negativamente, também acarretam consequências ruins, como: Correr o risco de perder o emprego devido ao grande número de faltas; não encontrar o(a) namorado(a) pode causar brigas no namoro; ficar em casa limita a possibilidade de variar o repertório comportamental para habilidades sociais ou conhecer novas pessoas. Perceber os prejuízos que alguns comportamentos causam e mudar a forma de se comportar, não é uma tarefa fácil, mas é extremamente necessária, e pode ser o início da modificação de comportamentos inadequados para comportamentos mais eficazes. Mazzo e Gongora (2009) afirmam que para Skinner, o comportamento eficaz pode ser considerado como “um conjunto de respostas que torna o indivíduo mais apto a lidar com as adversidades do seu ambiente”. No entanto, o indivíduo torna-se mais apto conforme aumentam suas oportunidades de reforço, ou seja, se suas respostas produzirem consequências reforçadoras, a probabilidade do comportamento ser modificado e se tornar eficaz aumenta. As mesmas autoras dizem também que segundo Skinner “os reforçadores para um comportamento são promovidos de maneira indireta por outros comportamentos de um mesmo indivíduo” (Mazzo & Gongora, 2009, p. 231). Mas, por que algumas pessoas resistem tanto a mudanças?
De acordo com Guilhardi (1998) atribui-se ao termo “resistência a mudanças” uma relação de controle e contra-controle, que surge a partir da interação terapeuta-cliente. É importante lembrar que, a definição de resistência a mudanças não é indicativo de dificuldades psicológicas do indivíduo, pois tem o mesmo sentido que qualquer fenômeno comportamental social, e por isso, é necessário que sua análise considere as variáveis ambientais e as contingências de reforçamento sociais, das quais é função. Além disso, não necessariamente a atuação do terapeuta é adequada e a resistência do cliente a esta atuação é inadequada. Algumas dificuldades estão diretamente relacionadas aos comportamentos do cliente, no entanto, podem também ter relação com a maneira com que o terapeuta conduz o processo terapêutico. Geralmente, o comportamento do cliente está sob controle de concepções diferentes das que o terapeuta tem a respeito das mudanças e dos procedimentos que as produzem.
Muitas vezes o cliente não discrimina as contingências de seu sofrimento, que está inserido em um contextodesprovido de contingências reforçadoras positivas ou excessivas contingências aversivas. O cliente resistente a mudanças apresenta comportamentos de contra-controle, por emissão de comportamentos de fuga-esquiva (muda de assunto, falta às sessões, mente ou omite alguns relatos etc.); extinção ou punição negativa (ignora o que o terapeuta discute, apresenta frases de oposição ou crítica com função punitiva) em relação aos comportamentos do terapeuta. A função desses comportamentos está associada à história comportamental passada e atual do cliente, e também às contingências apresentadas pelo terapeuta no contexto clínico. A dificuldade em realizar mudanças pode estar relacionada ao repertório comportamental apresentado pelo cliente e essas variáveis contidas na história de contingências de reforçamento permitem ao terapeuta entender as reações (ou resistências) ao processo terapêutico e às mudanças. Essas condições não acontecem isoladamenete e por isso devem ser entendidas como um processo contínuo e entrelaçado. Dentre estas possibilidades estão: a) história de contingências aversivas (punição e reforçamento negativo); b) história de contingências reforçadoras (reforçamento positivo muito frequüente, reforçamento positivo não frequente e reforçamento positivo não contingente). Além disso, o cliente pode apresentar padrões comportamentais de controle em função de regras, auto-regras e por consequências (Guilhardi, 1998).
No caso de se iniciar uma intervenção, é fundamental estabelecer alguns critérios; começando pela relação terapêutica e em seguida pela análise funcional dos comportamentos relatados pelo cliente. Uma relação terapeuta-cliente bem desenvolvida, pode proporcionar ao terapeuta uma melhor compreensão de seu cliente e de suas habilidades pessoais para lidar com as dificuldades relatadas e intensificar o vínculo (Kohlenberg & Tsai, 1991). A análise funcional poderá auxiliar na identificação das relações entre os eventos ambientais e as ações do cliente. A partir desta, o profissional tem condições de ter acesso às informações que apresentam as dependências entre os eventos, ou seja, as contingências de reforço – antecedentes, respostas e conseqüências do operante discriminado e assim especificar as variáveis independentes das quais o comportamento tenha probabilidade de ser função, sua freqüência, intensidade e duração. Ao invés de recorrer a mecanismos ou entidades mentais, o analista do comportamento questiona e investiga como o organismo se comporta em seu ambiente (Meyer, 2003). Além disso, é necessário realizar uma boa análise motivacional para mudança, com o objetivo de que as intervenções sejam assertivas e para que não seja exigido do cliente algo que ele não possa realizar. É preciso também respeitar as limitações e o espaço desta pessoa e o seu melhor momento para dar início às mudanças necessárias em sua vida. Nem sempre a necessidade de mudança pressupõe habilidades necessárias (Marçal, 2005). Em alguns casos é necessário um preparo para tal; assim como mudar de uma casa pra outra. Assim, existe a possibilidade de aprender novos comportamentos que tragam benefícios e conseqüências positivas, principalmente se esses comportamentos produzirem mudanças ambientais relevantes, como por exemplo, comportamentos de resolução de problemas, tomada de decisão e autocontrole (Mazzo & Gongora, 2009).
Em muitos casos, o cliente não consegue apresentar mudanças porque possui dificuldades em solucionar problemas. Não é apto a identificar ou apresentar a resposta (comportamento) que produz um determinado reforçador (consequência), embora saiba identificar o reforçador. Por exemplo, passar no vestibular, que pode ser considerada como uma conseqüência reforçadora para o comportamento de se disciplinar e organizar esquemas de estudo. É importante lembrar que solucionar o problema não é emitir a resposta final, mas apresentar o conjunto de comportamentos compatíveis com o processo de resolução de problemas e que aumentam a probabilidade da resposta-solução (Nico, 2001). Para tal, é possível a utilização de algumas técnicas. O procedimento de “Problem Solving”, por exemplo, permite ensinar o cliente a resolver alguns problemas específicos e bem determinados por meio de um modelo lógico e metódico para organização, implementação e controle de ação, obviamente adaptados à situação particular de cada cliente. As etapas são definidas como: 1) Orientação geral; 2) Definição e formulação do problema; 3) Busca de alternativas e estratégias potenciais; 4) Tomada de decisão – seleção da estratégia; 5) Orientação de alternativas – táticas e potenciais; 6)Tomada de decisão; 7) Ação; 8) Verificação da efetividade da ação; 9) Fim do processo ou continuação (caso a ação não seja efetiva) (Goldfried & Davison, 1976).
Em suma, para que o processo terapêutico que visa mudanças comportamentais tenha êxito, é necessário que o profissional possua capacidade conceitual e instrumental para intervir de forma adequada nas queixas do cliente. É importante também que o cliente tenha a possibilidade de aprender em terapia que seus comportamentos estão diretamente relacionados com seu ambiente, e que as mudanças podem ocorrer caso haja um rearranjo nas contingências. Mudar pode dar trabalho, mas pode oferecer novos reforçadores e ampliar o repertório comportamental – variabilidade. O indivíduo pode aprender a ser mais ou menos eficaz para agir em seu ambiente e alterá-lo a seu favor (Mazzo & Gongora, 2009). Se algum problema foi identificado na casa e o objetivo é mudar, é necessário manipular as contingências para resolver este problema. No entanto, se as condições não são providenciadas, o caminhão de mudanças não cairá do céu, bem como todas as outras particularidades relacionadas a este contexto.
“Não considere nenhuma prática como imutável. Mude e esteja pronto a mudar novamente. Não aceite verdade eterna. Experimente” (Skinner, 1948/1978).
Referências
Guilhardi, H.J. (1998). A Resistência do Cliente à Mudanças. Parte deste trabalho foi apresentado numa mesa redonda no I Congresso de Psicoterapias Cognitivas Latino-Americanas e I Congresso Brasileiro de Psicoterapias Cognitivas, realizados de 2 a 4 de abril de 1998 em Gramado (RS).http://www.terapiaporcontingencias.com.br/  – Acesso em: 21/03/2012.
Goldfried, M. R.; Davison, G. C. (1976). Clinical Behavior Therapy, New York: Holt, Rinehart, Winstor. (Gongora, M. A. N. (n/d) – “Problem Solving” – Tradução resumida para fins didáticos para o curso de Terapia Cognitiva (UEL/CCB/PGAC – Departamento de Psicologia Geral e Análise do Comportamento).
Kohlenberg, R.; Tsai, M. (2001). Psicoterapia Analítico Funcional. Santo André: ESETec. Editores Associados.
Marçal, J.V. (2005). Estabelecendo Objetivos na Prática Clínica: Quais Caminhos Seguir? Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva.Vol. 7, nº 2, 231-245.
Mazzo, I. M. B.; Gongora, M. A. N. (2009). Conceito Skinneriano de Comportamento Eficaz. Interação em Psicologia. 13(2). p. 229-240.
Meyer, S. B. (2003). Análise funcional do comportamento. In: Costa, C. E; Luzia, J. C.; Sant’Anna, H. H. N. (Org.). Primeiros Passos em Análise do Comportamento e Cognição. 1ed.Santo André: ESETec, p. 75-91.
Millenson, J. R. (1975). Princípios de Análise do Comportamento (Souza, A. A. & Rezende, D. Trads.). Brasília; Coordenada. (Original publicado em 1967).
Nico, Y. C. (2001). O que é autocontrole, tomada de decisão e solução de problemas na perspectiva de B.F Skinner. In: Sobre Comportamento e Cognição. Guilhardi, H. J. et.al. Esetec. Santo André, SP. Vol. 8, p. 26-31.
Skinner, B. F. (1948/1978). Walden II.
 
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Escrito por Débora Dias

Mestre em Análise do Comportamento pela Universidade Estadual de Londrina. Especialista em Recursos Humanos pelo Centro Universitário Filadélfia de Londrina. Graduada em Psicologia pela Universidade Estadual de Londrina. Experiência profissional na área Clínica (atendimento psicoterapêutico de crianças e adultos), Acadêmica e Recursos Humanos. Atua no momento no IPAC - Instituto de Psicologia e Análise do Comportamento (Londrina) e na UNOPAR - Universidade Norte do Paraná (Londrina).

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