Surgimento e desenvolvimento da FAP

Há algumas décadas, na Universidade de Washington, Seattle, EUA, o Prof. Dr. Robert J. Kohlenberg atuava como supervisor de alunos de pós-graduação em atendimento clínico. Os atendimentos supervisionados por ele seguiam a abordagem Cognitivo Comportamental e Robert passou a se surpreender com os resultados obtidos ao longo da terapia com alguns clientes de uma de suas supervisionandas, chamada Mavis Tsai. Eles descrevem que os ganhos alcançados pelos clientes dela estavam além do se esperava pela terapia, sendo marcantes, profundos e intensos (Tsai et al, 2009).
Com o passar do tempo, os dois, Robert e Mavis, começaram a trabalhar juntos na tentativa de melhor compreender a atuação de Mavis em terapia e identificar o que levava a tamanhos avanços com os clientes. Observaram que os casos clínicos em questão apresentavam uma relação terapêutica especial, que ao mesmo tempo em que era bastante emocional e intensa, ocorria de forma natural (Tsai et al, 2009). A partir dos vídeos das sessões gravadas, começaram a compreender na teoria, a prática que estava sendo conduzida em sessão. Buscaram e encontraram no Behaviorismo Radical de Skinner as explicações para o que tornava tal relação terapêutica tão especial, nascendo assim, a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP). 
Já nessa época, a relação terapêutica era vista como fundamental para a mudança do cliente e possuía forte suporte empírico na literatura clínica. Porém, os autores da FAP quiseram buscar uma nova perspectiva para a compreensão desse fenômeno a partir do behaviorismo e ao longo dos anos, foram desenvolvendo as explicações a respeito de que acontecia em sessão ao mesmo tempo em que foram aprimorando e refinando a prática clínica a partir de reflexões teóricas e conceituais (Tsai et al, 2009). Observaram que o trabalho em sessão, baseado na relação terapêutica, levava à identificação dos comportamentos clinicamente relevantes, que devem ser trabalhados para a melhora do cliente; e com uma relação próxima, tais comportamentos podem sofrer consequências reais e naturais, como ocorre em relacionamentos íntimos, logo depois de sua emissão, potencializando o efeito reforçador das consequências.
Em 1987, o primeiro texto sobre FAP foi publicado em forma de capítulo em um livro de Neil Jacobson, também professor na Universidade de Washington (Kohlenberg & Tsai, 1987). A próxima publicação depois desse texto foi o primeiro livro da FAP, em 1991, nomeado como Psicoterapia Analítica Funcional: criando relações terapêuticas intensas e curativas (Kohlenberg & Tsai, 1991). Esse livro foi traduzido para o português 10 anos depois de sua publicação original, em 2001, tendo a Profa. Dra. Rachel Kerbauy como organizadora da tradução, e rapidamente tornou-se popular em nosso país, espalhando por aqui a prática da FAP. 
Ao longo dos anos, novos trabalhos foram sendo publicados, discutindo-se o modelo da FAP e seu efeito ao complementar outros tipos de terapia, como a abordagem cognitivo comportamental. Em 2009, um segundo livro da FAP foi publicado por seus criadores, agora com o auxílio de outros editores: Jonathan Kanter, Barbara Kohlenberg, William Follette e Glenn Callaghan (Tsai et al, 2009). Esse segundo livro foi nomeado como Um guia para a Psicoterapia Analítica Funcional (FAP): consciência, coragem, amor e behaviorismo. Já no título, observa-se uma importante diferença em relação ao livro anterior. Enquanto o primeiro tinha a preocupação de utilizar os conceitos do Behaviorismo Radical para explicar o processo descrito pela FAP, esse segundo livro prioriza a explicação de um lado mais vivencial da FAP, partes da forma de atuação que ainda não tem explicações teóricas claras e precisas, mas que parecem importantes para a utilização dessa forma de terapia; fatores que parecem tornar a relação terapêutica mais íntima, levando a resultados possivelmente maiores na vida do cliente.
Parte desses fatores é representada pelos termos consciênciacoragem amor, relacionados a forma de atuação do terapeuta em sessão e que não obtêm (ainda) uma clara conceituação comportamental. É importante notar que os preceitos comportamentais não são deixados de lado nesse segundo livro; eles continuam sendo fundamentais para a FAP que continua sendo uma forma de terapia comportamental, já que segue princípios comportamentais na hora de descrever a interação terapêutica, focando-se primordialmente na lei do reforço dos comportamentos que fazem parte dessa interação. 
Essa mudança de foco trazida por esse segundo livro traz certa polêmica pra área, em função do uso de termos que fogem àqueles que representam a abordagem comportamental. Em minha visão, se por um lado, perde-se em precisão pela falta de conceitos claros e precisos, por outro, há um maior enfoque em certos repertórios que são dificilmente descritos de forma precisa, mas que parecem trazer vantagens para a atuação. Porém, é ainda necessário que investigações sejam feitas para clarificar tais termos, tornando-os mais precisos e claros para quem os está seguindo e consequentemente refinando a forma de atuação de um terapeuta que esteja utilizando a FAP em sessão.
Uma forma de tentar desenvolver esses repertórios que parecem importantes para um terapeuta FAP, mas que ainda não estão claramente descritos, se dá através de workshops. Um workshop que vise ensinar habilidades terapêuticas deve ter um formato capaz de modelar no repertório de seus participantes (os terapeutas) aquelas respostas julgadas como necessárias (clique aqui e aqui para mais discussões a respeito). No caso da FAP, portanto os workshops devem ter a preocupação de ensinar experiencialmente (e não apenas na teoria) habilidades como observar, evocar e reforçar comportamentos clinicamente relevantes, ao mesmo tempo em que se está inserido em uma relação íntima com seu colega. Por envolver uma relação de intimidade, na qual, por definição, deve-se estar disposto a correr riscos, a emissão de tais repertórios acaba por envolver a consciência do que está acontecendo no momento presente; a coragem de emitir comportamentos que não sabemos como serão consequenciados, na tentativa de evocar comportamentos clinicamente relevantes; e a disposição de responder de forma cuidadosa, afetiva e empática (representados pelo termo amor) à emissão de tais comportamentos. A junção de todos esses comportamentos em um ambiente clínico, não é tarefa fácil e por isso o treino experiencial, e não apenas teórico, acaba por se tornar importante. 
De qualquer forma, outros dois livros foram publicados após esse segundo, mas não foram traduzidos para o português até o momento. Um deles, editado por Jonathan Kanter, Mavis Tsai e Robert Kohlenberg, chama-se The Practice of Functional Analytic Psychotherapy (Kanter, Tsai, & Kohlenberg, 2010), traz capítulos apresentando e discutindo pesquisas e experiências clínicas com populações variadas e como forma de aprimorar outras modalidades de terapia. O quarto e último (até o momento), nomeado como Functional Analytic Psychotherapy (Tsai, Kohlenberg, Kanter, Holman, Loudon, 2012) faz parte da The CBT Distinctive Features Series, que visa publicar as particularidades de abordagens psicológicas. Essa publicação traz de forma sintetizada os princípios básicos e as principais características da aplicação da FAP. Ainda, em 2012, o International Journal of Behavioral Consultation and Therapy publicou um número especial (volume 7, número 2–3) sobre FAP, contando com 26 artigos, incluindo, questões teóricas e empíricas sobre FAP.
Dentre os trabalhos publicados ao longo dos anos sobre o tema, vale destacar a tese de doutorado de Glenn Callaghan, defendida em 1998 e mais tarde publicada em Callaghan e Follette (2008), na qual foi criado um sistema de categorização de sessão chamado Functional Analytic Psychotherapy Rating Scale (FAPRS). Tal sistema permite a de categorização funcional do comportamento de clientes e terapeutas durante a sessão terapêutica, identificando detalhadamente os comportamentos que compõem a interação terapêutica realizada na FAP. Com isso, os comportamentos são registrados de forma sequencial, identificando não só a frequência, como também as consequências dadas pelo terapeuta a cada comportamento do cliente (Weeks et al., 2012) e vice-e-versa. Desse modo, avanços foram possíveis na pesquisa sobre FAP, verificando-se passo a passo como se dão os mecanismos de ação da FAP e evidenciando sua efetividade (Callaghan, Summers, & Weidman, 2003; Busch et al. 2009; Busch, Callaghan, Kanter, Baruch, & Weeks, 2010; Kanter et al., 2006; Landes, Kanter, Weeks, & Busch, 2013; Oshiro, Kanter, & Meyer, 2012; Xavier, Kanter, Meyer, 2012). 
Apesar de crescentes, os trabalhos empíricos podem ser considerados ainda muito poucos para uma teoria que vem sendo utilizada por tantas pessoas. Por ser uma forma de terapia completamente idiossincrática, que trabalha com a função do comportamento, sua pesquisa acaba ficando dificultada. Isso porque os comportamentos analisados em cada díade (terapeuta-cliente) de cada pesquisa acabam por ser diferentes, dificultando a padronização necessária às pesquisas. É justamente por isso que o sistema FAPRS trouxe grandes avanços nessa área, já que permite a comparação de dados de diferentes pesquisas com diferentes clientes e terapeutas. 
Como se vê, a FAP é uma teoria em constante desenvolvimento, tanto em sua parte teórica como empírica e esforços não devem ser poupados a fim de aumentar cada vez mais a compreensão dessa teoria tão difundida em nosso país e fora dele. 

Referências

Busch, A. M., Callaghan, G. M., Kanter, J. W., Baruch, D. E., & Weeks, C. E. (2010). The Functional Analytic Psychotherapy Rating Scale: A replication and extension. Journal of Contemporary Psychotherapy, 40, 11-19. doi:10.1007/s10879-009-9122-8
Busch, A. M., Kanter, J. W., Callaghan, G. M., Baruch, D. E., Weeks, C. E., & Berlin, K. S. (2009). A micro-process analysis of Functional Analytic Psychotherapy’s mechanism of chance. Behavior Therapy, 40, 280-290.
Callaghan, G. M., & Follete, W. C. (2008). FAPRS MANUAL: Manual for the Functional Analytic Psychotherapy Rating Scale. The Behavior Analyst Today, 9(1), 57-97.
Callaghan, G. M., Summers, C. J., & Weidman, M. (2003). The Treatment of Histrionic and Narcissistic Personality Disorder Behaviors: A Single-Subject Demonstration of Clinical Improvement Using Functional Analytic Psychotherapy. Journal of Contemporary Psychotherapy, 33(4), 321-339.
Kanter, J. W., Landes, S. J., Busch, A. M., Rusch, L. C., Brown, K. R., Baruch, D. E., & Holman, G. (2006). The effect of contingent reinforcement on target variables in outpatient psychotherapy for depression: A successful and unsuccessful case using functional analytic psychotherapy. Journal of Applied Behavior Analysis, 39, 463-467.
Kanter, J. W., Tsai, M., & Kohlenberg, R. J. (2010). The Practice of Functional Analytic Psychotherapy. New York: Springer Science + Business Media.
Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (1987). Functional analytic psychotherapy. In N. S. Jacobson (Ed.), Psychotherapists in clinical practice: Cognitive and behavioral perspectives (pp. 388-443). New York: Guilford.
Kohlenberg, R. J., & Tsai, M. (2001). Psicoterapia Analítica Funcional (F. Conte, M. Delliti, M. Z. Brandão, P. R. Derdyk, R. R. Kerbauy, R. C. Wielenska, R. A. Banaco, R. Starling, trads.). Santo André, SP: ESETEc (Obra publicada originalmente em 1991).
Landes, S. J., Kanter, J. W., Weeks, C. E., Busch, A. M. (2013). The impact of the active components of functional analytic psychotherapy on idiographic target behaviors. Journal of Contextual Behavioral Science, 2, 49–57.
Oshiro, C. K. B.; Kanter, J. W., Meyer, S. B. (2012). A Single-Case Experimental Demonstration of Functional Analytic Psychotherapy with Two Clients with Severe Interpersonal Problems. International Journal of Behavioral Consultation and Therapy, 7(2-3), 111-116.
Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Holman, G. I., & Loudon, M. P. (2012). Functional Analytic Psychotherapy. Cornwall: TJ International Ltd.
Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follete, W. C., & Callaghan, G. M. (2011). Um guia para a Psicoterapia Analítica Functional (FAP): consciência, coragem, amor e behaviorismo (F. Conte, & M. Z. Brandão, trads.). Santo André, SP: ESETEc (Obra publicada originalmente em 2009).
Weeks, C. E., Kanter, J. W., Bonow, J. D., Landes, S. J., Busch, A. M. (2012). Translating the Theoretical Into Practical: A Logical Framework of Functional Analytic Psychotherapy Interactions for Research, Training and Clinical Purposes. Behavior Modification, 36(1), 87-119. DOI: 10.1177/0145445511422830
Xavier, R. N., Kanter, J. W., & Meyer, S. B. (2012). Transitional Probability Analysis of Two Child Behavior Analytic Therapy Cases. International Journal of Behavioral Consultation and Therapy, 7(2–3), 182-188.

Sugestões de leitura

García, R. F. (2008). Recent Studies in Functional Analytic Psychotherapy. International Journal of Behavioral Consultation and Therapy, 4(2), 239-249.
Mangabeira, V., Kanter, J. W., & Del Prette, G. (2012). Functional Analytic Psychotherapy (FAP): A review of publications from 1990 to 2010. International Journal of Behavioral Consultation and Therapy, 7(2–3), 78-89.
Muñoz-Martínez, A., Novoa-Gómez, M., & Gutiérrez, R. V. (2012). Functional Analytic Psychotherapy (FAP) in Ibero-America: Review of current status and some proposals. International Journal of Behavioral Consultation and Therapy, 7(2–3), 96-101.
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Escrito por Alessandra Villas-Boas

Possui graduação em Psicologia (2003) e mestrado em Psicologia Experimental, ambos pela Universidade de São Paulo (2006), tendo o último recebido menções de distinção e Louvor pela banca examinadora. Tem experiência na área clínica, tendo trabalhado com atendimento infantil, de adulto, de casal, orientação profissional e como supervisora; experiência em docência universitária, tendo ministrado disciplinas de Análise do Comportamento; e experiência como acompanhante terapêutico. É Coordenadora Editorial do Boletim Contexto, uma publicação da ABPMC. Atualmente, é doutoranda no Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de São Paulo, investigando experimentalmente os mecanismos de ação da Psicoterapia Analítica Funcional (FAP), além de investigar suas formas de ensino e formação.

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